Trump vai a Roma: católicos americanos são evangélicos brasileiros

Donald Trump anunciou que iria ao funeral de Francisco durante uma caça a ovos de Páscoa na Casa Branca. Nestes tempos de solenidade surrealista, estava ao lado de um sujeito fantasiado de coelho, que acenava para as pessoas reunidas no gramado.

Por que o presidente americano  iria ao funeral de um papa considerado de esquerda, que batia de frente com ele em temas como imigração e ambiente?

O motivo eleitoral não é de somenos: a maioria dos católicos votou nele na última eleição, não no católico Joe Biden.

O catolicismo nos Estados Unidos é uma religião minoritária, mas vai longe o tempo em que se pensava que italianos e irlandeses não deveriam ter direito a voto no país, porque obedeceriam a ordens de Roma, ou que um presidente católico tentava deixar em segundo plano a sua religião, como John Kennedy.

A atual força política do catolicismo é diretamente proporcional ao aumento da população hispânica nos Estados Unidos, e esse é um fato que veio para ficar até o Juízo Final. O catolicismo que viceja entre os americanos, contudo, é o contrário do que agoniza aqui no quintal dos Estados Unidos. É um catolicismo marcado por valores conservadores, tanto que atraiu para as suas hostes um sujeito como o vice-presidente J.D. Vance, tradução perfeita de direitista empedernido, que se converteu em 2019. Católicos americanos são evangélicos brasileiros.

Francisco era considerado de esquerda, um antípoda ao trumpismo, mas o papa era o papa mesmo para os católicos que acendem vela para a tradição, como provou o próprio J.D. Vance, que foi ao Vaticano para homenagem o ainda vivo Francisco (e, segundo as línguas viperinas, dar-lhe o beijo da morte). A exceção são os loucos raivosos das redes sociais, como sempre.

Há de considerar, contudo, que Francisco tinha um ponto em comum com Donald Trump: considerava que a Otan havia provocado a Rússia, ao ir “latir” nas suas fronteiras, e pregava uma resolução pacífica do conflito na Ucrânia, como se não houvesse guerras justas e dizendo que ocupante e ocupado eram “nações fraternas”.

O discurso do papa soava, obviamente, como acordes de balalaika aos ouvidos de Vladimir Putin, que homenageou o defunto Francisco ao lembrar que ele “tinha uma atitude muito positiva em relação à Rússia”.

A coincidência de visões sobre a Ucrânia, coloquemos candidamente dessa forma, é um ponto que pode ser explorado por Donald Trump na sua viagem a Roma, onde dividirá as atenções com Volodymyr Zelensky, culpado de não querer ceder as calças a Vladimir Putin, na visão peculiar do presidente americano sobre como agredidos devem se comportar diante de agressores.

O funeral do papa também pode ser um pretexto para que o presidente americano se reúna finalmente com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, sem parecer que recuou na sua atitude de confrontação com a União Europeia. Será oportunidade de colocar o encontro no campo do “já que estamos aqui”. Você, eu e o coelho, Ursula.

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