Agricultura familiar faz da merenda uma prato mais saudável

A produção de alimentos é um desafio global e ações de fomento à agricultura têm sido cada vez mais colocadas em discussão. No entanto, dentro deste universo macro, existem ações locais que surtem efeitos positivos. O fornecimento de alimentos da agricultura familiar para a merenda escolar pode ser visto como um exemplo dessas ações.

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) representa um elo entre a agricultura e a educação. É por meio desse incentivo que produtores rurais garantem uma fonte certa de renda ao mesmo tempo em que as escolas conseguem fornecer alimentos de qualidade para os estudantes.

Agronegócio edição de abril 2025 - agricultor Vanderlei Meurer, técnico da Emater Moisés | abc+



Agronegócio edição de abril 2025 – agricultor Vanderlei Meurer, técnico da Emater Moisés

Foto: Susana Leite/GES-Especial

Um exemplo próximo de como ocorre a relação entre campo e escola pode ser observado em Campo Bom, no Vale do Sinos. A agricultura familiar local é responsável por 70% dos alimentos adquiridos para a rede municipal de ensino. Segundo o escritório local da Emater, quase a totalidade dos alimentos (95%) são produzidos em Campo Bom.

Segundo a prefeitura, o gasto estimado com a agricultura familiar para a merenda escolar da rede municipal de Campo Bom em 2025 é de R$ 1.197.134,00; deste montante, mais de R$1,12 milhão vai para os produtores de Campo Bom. O valor total investido, em 2024, foi de R$ 5 milhões.

O percentual alto da participação da agricultura familiar na alimentação das escolas foi destacado pelo Centro Colaborador em Alimentação e Nutrição Escolar (Cecane), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), destacando Campo Bom como uma das cidades gaúchas com “gestão positiva da merenda escolar”. O Cecane é responsável por monitorar os municípios na execução e operacionalização do PNAE no Rio Grande do Sul.

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Produção local entrega hortaliças e outros alimentos nas escolas

Em Campo Bom são 20 famílias que produzem alimentos para a merenda escolar, em grane maioria hortaliças. Além do fornecimento de alimentos agroindústrias familiares, que fornecem itens como pães e carnes. “O fornecimento de alimentos da agricultura familiar para as escolas segue uma regra estipulada pelo governo federal, que estabelece que cada agricultor pode vender no máximo R$ 40 mil por ano para o município”, explica o extensionista rural da Emater em Campo Bom, Moisés Roberto Eloi, sobre as regras do programa nacional.

Hortaliças estão entre os produtos locais enviados para as escolas | abc+



Hortaliças estão entre os produtos locais enviados para as escolas

Foto: Susana Leite/GES-Especial

No entanto, os agricultores não ficam ligados somente a PNAE para comercializar alimentos. O governo federal mantém outras ações paralelas de fomento à agricultura familiar, como, por exemplo, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Além disso, os produtores rurais comercializam nas feiras locais e outros mercados.

É o caso da família de Vanderlei Meurer, morador de Campo Bom, que produz alimentos que são entregues nas escolas, mas também comercializa diretamente com os clientes. Com as plantações numa parte alta do município, próximo ao limite com Sapiranga, Meurer cultiva hortaliças que são entregues nas escolas. Ele também planta aipim, que complementa a renda da família.

Para dar conta da demanda de fornecimento de alimentos, Meurer investiu em algumas tecnologias com incentivo da Emater. A propriedade possui um reservatório de água e captação de água da chuva para garantir a irrigação. O sombrite nos canteiros também ajuda a proteger as hortaliças. Além disso, o uso de defensivos tem um manejo rigoroso, sendo usado pontualmente o mínimo possível, garante Meurer.

“As nutricionistas enviam as planilhas com as quantidades que a gente tem que fornecer, com as datas que temos que entregar. No dia anterior faz a colheita e a pesagem, lava e no dia da entrega leva até as escolas”, explica Meurer sobre a demanda de fornecimento de alimento para as escolas.

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Assistência aos produtores rurais locais

Para atender a demanda do município, os produtores rurais costumam receber orientações dos técnicos do escritório local da Emater. Seja para ingresso em programas fomento à produção rural, seja para melhoramento na produção de alimentos, diversas orientações partem dos técnicos da Emater. Moisés comenta que a assistência é variada, sendo desde formalização de agroindústrias a resolução de problemas com pragas e outras intercorrências em plantações. “O município tem em grande maioria propriedades pequenas, por isso é importante buscar recursos para garantir a produtividade”, explica o extensionista rural da Emater.

Dados gerais sobre execução do PNAE

De acordo com dados do Cecane, em 2022 (atualização mais recente do PNAE) 143 municípios gaúchos utilizavam 100% dos recursos do PNAE na compra de produtos da agricultura familiar. Nesse mesmo ano, apenas 33 municípios não adquiriram o percentual mínimo obrigatório de 30% na compra de produtos da agricultura familiar. O volume de recursos investidos através do PNAE foi de R$ 78 milhões, esses dados consideram compras municipais e estaduais. (Fonte: Aquisição da Agricultura Familiar no PNAE – 2011 a 2022)

Atuação dos Cecanes na merenda

Os Centros Colaboradores em Alimentação e Nutrição Escolar (Cecanes) existem há quase duas décadas e estão presentes em 22 estados brasileiros. No Rio Grande do Sul, o Cecane funciona junto à Ufrgs, sendo um dos cinco primeiros centros criados. Entre as atividades, explica a coordenadora de Gestão do Cecane Ufrgs, Luciana Dias de Oliveira, é prestar apoio direto às entidades que executam o PNAE, no Estado e nos municípios.

O Cecane presta desde orientações técnicas e operacionais sobre o programa até a aplicação dos recursos. Além disso, atua no âmbito da pesquisa através de estudos, diagnósticos e materiais que subsidiam e qualificam a execução do PNAE.

“A atuação dos Cecanes junto às gestões municipais fortalece a execução descentralizada do PNAE e fomenta que os recursos públicos sejam geridos de forma efetiva na política pública de alimentação escolar, com qualidade, equidade e respeito à diversidade regional e cultural dos municípios e estados do Brasil.”

Elaboração de cardápios nas escolas é feita com base nos cultivos agrícolas

A elaboração dos cardápios que atendem as escolas em Campo Bom parte de uma reunião entre a Emater local, o setor de nutrição da Secretaria de Educação e Cultura do município e com todos os agricultores envolvidos no fornecimento de alimentos.

Entregas de alimentos nas escolas são feitas diretamente pelos produtores rurais | abc+



Entregas de alimentos nas escolas são feitas diretamente pelos produtores rurais

Foto: Prefeitura de Campo Bom/Divulgação

A responsável técnica pela Alimentação Escolar, Adriana Luft, que atua no setor de Nutrição, explica que nesta reunião é feita a avaliação dos alimentos que serão ofertados, verifica-se o período de safra e a disponibilidade desses itens. “Também, se analisa a possibilidade da inclusão de novos alimentos e novos agricultores para o fortalecimento da agricultura familiar do município”, cita Adriana.

A etapa seguinte envolve a elaboração dos   cardápios, que é feita pelo setor de nutrição da Secretaria de Educação, com base nas diretrizes do Programa Nacional de Alimentação Escolar, que prioriza “os alimentos in natura e minimamente processados, que são os alimentos fornecidos pelos agricultores”, reforça Adriana.

A partir daí, as entregas passam a ser semanais, sempre respeitando a safra, e são entregues diretamente nas escolas. “O município conta com diferentes modelos de cardápio, de acordo com a faixa etária e carga horária dos estudantes: Escola Fundamental Parcial, Escola Fundamental de tempo integral e Escola de Educação Infantil, além de todos os cardápios especiais para alunos com restrições alimentares”, acrescenta Adriana. Além da Chamada Pública para aquisição de alimentos da agricultura familiar, o município tem registro de preço para a compra de carnes, pães e frutas e verduras que não são produzidos no município. 

Valor nutricional de qualidade para os estudantes

A responsável técnica pela alimentação escolar, Adriana Luft, afirma que presença de alimentos da agricultura familiar no cardápio escolar é “extremamente benéfica” e está diretamente relacionada com as diretrizes do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

“Esses alimentos, em sua maioria in natura ou minimamente processados, contribuem significativamente para o valor nutricional das refeições, promovendo uma alimentação mais saudável, rica em fibras, vitaminas e minerais essenciais para o crescimento e desenvolvimento das crianças, além de buscar o fortalecimento da economia local, respeitando a cultura alimentar da região”, analisa.

Sobre a nutrição dos alunos, Adriana explica que além da avaliação antropométrica realizada anualmente nos alunos, é feito um acompanhamento contínuo por meio do planejamento e da avaliação dos cardápios, levando em consideração as necessidades nutricionais por faixa etária.

“Seguindo os padrões nutricionais definidos pela legislação, garantindo uma oferta adequada de energia, macronutrientes e micronutrientes para o desenvolvimento e aprendizado dos alunos”, acrescenta.

Encontro com agricultores para reafirmar parceria

Com o propósito de fortalecer a parceria com os agricultores e reconhecer a importância do setor no fornecimento de produtos para a merenda escolar, no início do mês, a prefeitura de Campo Bom promoveu um encontro, com os produtores rurais, no Auditório da Secretaria Municipal de Educação e Cultura. O prefeito Giovani Feltes ressaltou que o investimento em alimentos da agricultura familiar deve aumentar em quase 25% — em 2024 foi de R$ 937 mil e a previsão para 2025 é de mais de R$ 1,19 milhão.

Prefeitura reúne agricultores e destaca importância do setor para a merenda escolar | abc+



Prefeitura reúne agricultores e destaca importância do setor para a merenda escolar

Foto: Prefeitura de Campo Bom/Divulgação

“Vamos continuar fomentando este importante setor da economia local e garantindo a oferta de alimentos saudáveis aos nossos quase 10 mil alunos da rede municipal”, assegura o prefeito. Também participaram do encontro com os agricultores, a secretária de Educação e Cultura, Mara Daubermann; o secretário de Desenvolvimento Econômico, Régis Thoen; o secretário de Obras, Paulo Gomes; a secretária Geral de Governo, Beatriz Fagundes; e o representante da Emater, Elias Kuck.

Investimentos municipais no setor primário

Nos meses de janeiro e fevereiro chegaram a Campo Bom, e estão à disposição dos cerca de 120 agricultores campo-bonenses, uma retroescavadeira, no valor de R$ 309.714,28; uma motoniveladora, R$ 541.666,66; uma escavadeira hidráulica, R$ 489.950,00; e um caminho-pipa, no valor de R$ 646.300,00. Os recursos para a aquisição desse maquinário são oriundos de indicações do prefeito Giovani Feltes, enquanto membro da Bancada Federal Gaúcha (2019-2022).

A retro, a motoniveladora, a escavadeira e o caminhão juntam-se a outras oito máquinas recebidas em 2024 da Secretaria de Agricultura do Estado, quando Feltes era o secretário. São duas ensiladeiras, uma escavadeira hidráulica, quatro plantadeiras e uma retroescavadeira.

Fonte de renda certa para o produtor

O vice-presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (Fetag RS), Eugênio Edevino Zanetti, elenca pelo menos seis pontos, para ele, fundamentais do PNAE para a agricultura. Zanetti começa pontuando a geração de renda no campo.

“A compra direta elimina atravessadores”; o desenvolvimento local também é apontado, uma vez que os recursos federais acabam circulando na economia local; valorização da produção regional: “acaba estimulando a diversidade e muitas práticas tradicionais das comunidades”; incentivo à produção sustentável: “muitos agricultores acabam utilizando práticas sustentáveis, agroecologia”; qualidade da alimentação escolar; e inclusão social: “o programa promove a inclusão de comunidades tradicionais, mulheres e jovens agricultores familiares no mercado institucional, respeitando suas particularidades culturais e produtivas”, analisa Zanetti.

O vice-presidente da Fetag também observa que o PNAE, assim como outros programas que garantem renda para os produtores rurais, também incentiva a permanência na atividade. “O programa acaba estimulando essas famílias a continuarem na agricultura, porque acaba sendo uma renda certa. Se a família vende para merenda escolar, mais a feira do município, mais os clientes fixos, isso tudo acaba ajudando a viabilizar a atividade, porque uma das grandes dificuldades que tem é a comercialização”, comenta, citando também a relevância do Programa de Aquisição Alimentos (PAA).

Lei estabelece percentual de investimento na agricultura

Desde 2009, com a Lei nº 11.947, o PNAE passou a destinar, no mínimo, 30% dos recursos federais repassados ao programa para a compra direta de produtos da agricultura familiar. Especialistas consideram o programa uma ferramenta da segurança alimentar e do desenvolvimento local. “O PNAE se destaca como um elo estratégico entre educação, saúde e desenvolvimento rural. Ao fortalecer a agricultura familiar, o programa não só melhora a qualidade da alimentação dos estudantes, mas também promove um modelo de desenvolvimento mais justo, sustentável e solidário”, analisa Zanetti.

 

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