Bradesco quer saber para onde foram os dividendos pagos aos acionistas da Camargo Corrêa

O Bradesco, um dos principais credores do Grupo Mover, que tem como controladora final a holding Mover Participações (atual denominação da Camargo Corrêa), ajuizou uma ação de produção antecipada de provas com o objetivo de reunir elementos que possam subsidiar futuras medidas judiciais contra os acionistas e administradores do grupo.

A justificativa do processo é a reestruturação societária e financeira do Grupo Mover, que, segundo indícios extraídos de documentos públicos, pode ter sido conduzida de forma a prejudicar credores e proteger o patrimônio dos controladores da Camargo Corrêa, especialmente das pessoas físicas que efetivamente comandam o conglomerado.

A reestruturação incluiria, além da mudança de nome da holding, a alienação de mais de R$ 20 bilhões de ativos estratégicos e a distribuição de dividendos bilionários, tudo em um contexto de tentativa de soerguimento e reestabelecimento do Grupo Mover após o seu profundo envolvimento em atividades ilícitas investigadas nas operações policiais Castelo de Areia e Lava Jato.

Com a deflagração das operações, a empresa celebrou diversos acordos de leniência, comprometendo-se a pagar multas bilionárias às autoridades, enquanto seus ex-executivos firmaram delações premiadas.

A partir desse momento, observou-se uma mudança na rotina empresarial e na estrutura do grupo. Além de ter se afastado das obras públicas – o carro-chefe das suas atividades até então –, o fluxo de caixa da companhia acabou totalmente desestruturado, por conta das demissões, rescisões contratuais e das próprias multas aplicadas, que aumentaram o passivo da companhia em muitos bilhões.

A partir daí, a pretexto de levantar recursos para o pagamento dessas indenizações e para a remodelagem de suas atividades, a Mover passou a promover a venda de ativos relevantes.

Entre 2010 e 2023, o ativo total da holding caiu de R$ 15,5 bilhões para R$ 4,2 bilhões, enquanto o patrimônio líquido, que em 2013 ultrapassava R$ 9,5 bilhões, passou a ser negativo em R$ 87 milhões. O Bradesco investiga se essa deterioração patrimonial foi causada por um processo deliberado de esvaziamento da empresa, em prejuízo dos credores.

Paralelamente, e no mesmo período, o grupo levantou cerca de R$ 20 bilhões por meio da alienação de participações em empresas estratégicas, como Itaúsa, Usiminas, CPFL e Alpargatas. O destino desses valores, no entanto, permanece incerto, e há indícios de que uma parcela substancial deles tenha sido destinada à distribuição de dividendos aos acionistas acima da Mover S.A., em vez de ser utilizada para reestruturar a companhia.

Entre 2010 e 2020, foram distribuídos aproximadamente R$ 1,9 bilhão em dividendos e juros sobre capital próprio aos acionistas da holding, em valores históricos, cifras que, se atualizadas pela Selic, ascendem a algo próximo de R$ 5 bilhões.

Ou seja, mesmo diante da crise financeira do grupo, os controladores seguiram sendo beneficiados financeiramente. E isso é o que se constata só a partir das informações que são públicas, já que, sendo uma companhia fechada, existem muitos meandros pelos quais os recursos podem ter escorrido em direção às contas dos herdeiros de Sebastião Camargo.

A empresa e seus controladores alegam que a crise decorre de fatores macroeconômicos adversos, como variações cambiais, aumento dos juros e retração do setor cimenteiro, mas há fortes indícios de que a real causa da insolvência seja a retirada massiva de recursos da companhia, aliada à perda de contratos públicos em razão dos escândalos de corrupção.

Em dezembro de 2024, a Mover e outras empresas do grupo Intercement ajuizaram pedido de recuperação judicial. O Bradesco, como um dos maiores credores, busca compreender se esse pedido representa uma tentativa legítima de reorganização ou se configura – como tudo indica que seja – mais um passo em um planejamento voltado à blindagem patrimonial.

Em especial, o Bradesco pede rígidas apurações para saber se as pessoas físicas que controlam a Mover (Alexandre Ferreira de Abreu Pereira, Alessandra Birchal Robbe Nascimento, America Cavaliere Pires Oliveira Dias, Ana Carolina Azevedo Conde Pires, Carla Valeria Pires Camilo, Carlos Eduardo Ribeiro do Valle Filho, Catarina Teixeira Pires Oliveira Dias, Elisa Camargo de Arruda Botelho Condé, Gabriella Camargo Nascimento Palaia, Jalal Eddine Sefraoui, Luiz Eduardo de Camargo Nascimento, Luiza Maria de Camargo Nascimento, Marcelo Gomes Condé, Regina de Camargo Pires Oliveira Dias, Renata de Camargo Nascimento, Rosana Camargo de Arruda Botelho, e Victória Martins de Arruda Botelho) receberam benefícios do grupo de forma indevida, em prejuízo aos credores.

Confirmando-se a hipótese do banco, o Bradesco pedirá que tais acionistas passem a responder diretamente, com seu patrimônio pessoal, pela dívida deixada pela Camargo Corrêa, hoje rebatizada como Mover.

 

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