Boas novas com Raquel Lira e João Campos (por Mary Zaidan)

Mesmo contabilizando uma meia dúzia de jovens performáticos que alcançaram o Parlamento via diatribes nas redes sociais, o Brasil é um país de lideranças envelhecidas. Tanto o presidente Lula, única opção da esquerda há mais de 35 anos, quanto o inelegível Jair Bolsonaro traduzem ideias e práticas do arco da velha, repetidas até pelos ditos novatos no campo à direita, incapazes de dar respostas às demandas mais comezinhas dos cidadãos. As boas novas – e alguma esperança – vêm do Pernambuco, onde o centro reina.

Estado bom de briga e de insurreições históricas, Pernambuco é hoje um exemplo de que a polarização burra pode ser suplantada por posições centristas, com viés progressista e resultados palpáveis. Por lá, líderes como a governadora Raquel Lyra, ex-tucana convertida ao PSD de Gilberto Kassab, e o prefeito João Campos (PSB), constroem suas histórias distantes da lógica dicotômica – e com apoio tanto de lulistas como de bolsonaristas. E têm ojeriza de serem associados com um lado ou outro do perrengue nacional.

Ainda que Raquel e Campos resultem de legados político-familiares, cada qual, a seu modo, tem estrela própria. Afinal, o sobrenome ajuda, mas não garante sucesso. Às vezes, até atrapalha. Está aí Edinho, filho do rei Pelé, ou, para ficar na política, o experimento Aécio, neto de Tancredo Neves.

Raquel, que começou a carreira do mesmo PSB de Campos, foi sendo empurrada para uma posição mais à direita, mas está a anos-luz de se aproximar de correntes bolsonaristas. Sua gestão, segundo pesquisa Quaest de fevereiro, é aprovada por 51% dos pernambucanos. Deve ser candidata à reeleição ou, se a corda apertar, ao Senado.

Campos é um fenômeno. No ano passado foi reeleito prefeito do Recife no primeiro turno com incríveis 78,11% dos votos válidos. Sua fala assertiva e ao mesmo tempo conciliadora – “imagino que qualquer um que se elege quer fazer o melhor”, diz, ao falar de opositores – é de dar inveja a diplomatas. Em uma eventual disputa para o governo do Estado em 2026, venceria Raquel com facilidade, por 60% versus 22%, segundo a Paraná Pesquisas.

Definindo-se como um “realista esperançoso”, perfil que pegou emprestado de Ariano Suassuna, para quem “o pessimista é um chato e o otimista um tolo”, Campos acredita que o PSB vai se tornar, já em 2026, o maior partido de centro-esquerda do país. Na última quinta-feira, ao participar em São Paulo do ciclo de debates “O Brasil na visão das lideranças públicas”, promovido pela Fundação Fernando Henrique Cardoso, chegou a vislumbrar para o seu partido a posição alçada pelo PSDB nos anos 1990.

Campos tinha menos de dois anos de idade quando Fernando Henrique foi eleito pela primeira vez. Não viveu a ditadura nem a hiperinflação, e só conheceu a rivalidade PSDB versus PT pelas histórias contadas por seu pai Eduardo, que governou Pernambuco de 2007 a 2014. “Quisera eu que hoje a rivalidade fosse essa”, disse, com bom-humor, arrancando risadas do público também envelhecido – e saudoso – que o ouvia no auditório da Fundação.

Ali, Campos expôs feitos da sua primeira gestão, da duplicação do número de vagas de creches à articulação entre universidades e empresas privadas para formação tecnológica de jovens, além da digitalização total dos serviços. Um deles, a Prefeitura a zero clique de distância, em que o cidadão recebe o serviço antes de requisitá-lo, causa inveja. Como todos os recifenses foram cadastrados no período da pandemia para o controle vacinal, esse banco de dados passou a ser utilizado pela Prefeitura para se antecipar à reivindicação de direitos. Por exemplo: ao completar 60 anos, o cidadão recebe “parabéns” e a carteira digital de idoso, que permite a gratuidade no transporte público. “No início, tinha gente que achava que era golpe”, conta.

Ações desse tipo “fortalecem a relação democrática”, crê o prefeito. A frase não é casual. O maior déficit da democracia é não entregar nem mesmo o básico ao cidadão, muito menos a esperança, motor do futuro. Para fazê-lo é preciso desatar amarras com ideologias capengas e cumprir (pelo menos o mínimo) o prometido. Campos parece seguir nessa trilha. Com três anos a menos da idade mínima de 35 exigida aos candidatos à Presidência da República, reúne credenciais para acontecer em 2030 ou 2034. Oxalá não seja rendido pela política mesquinha de baixo calão ou infectado pelo vírus populista do qual o país se tornou refém.

 

Mary Zaidan é jornalista 

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