A extrema-direita e a fascinação das criptomoedas

A extrema-direita representada por Trump, Milei e Bolsonaro tem em comum as fake news, o discurso de ódio, a rejeição aos direitos humanos e a educação e à cultura;quer o fim do Estado para manter a desigualdade e o privilégio dos mais ricos. Esses são os pontos evidentes, mas uma questão um tanto obscura precisa ser investigada: seu irresistível amor às criptomoedas.

Um pouco antes de sua posse, o presidente dos Estados Unidos lançou a memecoin $TRUMP. A moeda chegou a valer 75 dólares; semana passada chegou aos 8 dólares, uma desvalorização de 83%. Por isso, foi anunciado grande desbloqueio de tokens com a liberação de cerca de US$ 320 milhões — o equivalente a 20% da oferta atual em circulação.

No dia 11 de março Trump derrubou uma norma da Receita Federal do país que obrigava corretoras de criptomoedas a fornecer informações fiscais sobre todas as suas transações. A norma, proposta durante o governo Biden, desejava reduzir a evasão fiscal no setor. Estimativas apontam que ao menos metade dessas operações não são tributadas, um prejuízo de quase US$ 4 bilhões nos próximos dez anos. Make America Great Again?

O caso Milei e a criptomoeda $LIBRA ainda dá dor de cabeça ao presidente argentino, ainda que as ações judiciais não envolvam seu nome. Em 14 de fevereiro, o economista usou seu perfil no X para promover a criptomoeda. A postagem foi feita apenas alguns minutos após seu lançamento, às 18h37. Por volta das 20h45, a $LIBRA colapsou, quando os primeiros investidores, que também tinham as maiores quantidades da moeda, venderam seus ativos e embolsaram seus lucros. A cotação passou dos US$ 5,54 para apenas US$ 0,96. Milei apagou seu tweet e postou outro comunicado, retirando seu apoio ao negócio.

A maior parte das moedas é adquirida por poucos grandes investidores, chamados de “whales”, que saem antes do colapso. Suspeita-se que tenha ocorrido um “Rug Pull” (ou “puxada de tapete”), quando os criadores de uma criptomoeda vendem grandes quantidades do ativo após inflacionar seu valor, abandonando os investidores. E quem fica com o prejuízo? Os pequenos investidores que acreditam em seus mitos.

O bolsonarismo ainda está devagar com criptomoedas, mas viveu um episódio suspeito. Em 24 de janeiro deste ano um post no perfil de Jair Bolsonaro no X promoveu a cripto $BRAZIL. Ficou no ar pouco mais de uma hora até ser apagado. Logo depois, Carlos Bolsonaro postou na mesma plataforma que “a conta do twitter de @jairbolsonaro foi invadida e roubada” e que medidas estão sendo tomadas para recuperar o perfil. E ficou por isso mesmo. Não se sabe quem invadiu nem se houve prejuízos com a divulgação. Será que foram os comunistas?

Na mesma linha de Milei, Eduardo Bolsonaro já publicou no X: “As criptomoedas representam liberdade. O dinheiro fica no seu bolso, e não tem como o presidente ou um Banco Central desvalorizarem o suor do seu trabalho”. Esse é o discurso. Com o argumento da “liberdade” muitos grupos de extrema-direita rejeitam a fiscalização de governos e bancos centrais. Descentralizadas, as criptomoedas conseguem escapar do controle estatal. E com isso se alimenta o discurso vazio e eficiente “anti-sistema” e “anti-globalista” presente na retórica extremista.

O The Daily Stormer (site neonazista) e outras organizações de extrema-direita, incluindo milícias e supremacistas brancos, incentivam doações em bitcoin. No ataque ao Capitólio em 2021 plataformas como a Gab (rede social de extrema-direita) e TheDonald.win (fórum pró-Trump) usaram criptomoedas para evitar bloqueios financeiros.

Curioso é que em 2019 Trump criticou as criptomoedas, chamando-as de “não-dinheiro” e baseadas no “ar”, defendendo o dólar como reserva global. Mas em 2022 passou a aceitar arrecadar em NFT, e em sua campanha presidencial, prometeu “terminar com a guerra contra as criptomoedas” se eleito. Promessa cumprida e a certeza de bons negócios para seus aliados.

É uma situação em que criptomoedas se assemelham às plataformas das redes sociais. Idealmente são um avanço, mas sem regulação, transparência e manipulada por poucos, são campo fértil para extremismos.

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