Aumento do limite do MEI? O que pode mudar e o que dizem economistas

Declarações do ministro Márcio França (PSB), do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, após um evento em São Paulo há duas semanas, trouxeram de volta ao debate uma pauta que interessa diretamente a cerca de 11,5 milhões de brasileiros: o possível aumento do limite de faturamento para que o microempreendedor individual (MEI) e pequenas empresas se enquadrem no Simples Nacional.

Criado em 2006, o Simples Nacional é um regime de tributação simplificado e exclusivo para micro e pequenas empresas, que reúne vários impostos em um único tributo. De acordo com dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), mais de 90% dos 11,5 milhões de MEIs registrados no país estão em atividade – esse percentual era de 77% em 2022 e 72% em 2019.

Atualmente, o limite de faturamento do MEI é de R$ 81 mil por ano (o que significa um teto mensal de R$ 6.750). No caso das microempresas (MEs), o teto é de R$ 360 mil anuais e, para empresas de pequeno porte, de R$ 4,8 milhões. O limite anual do MEI não é reajustado desde 2018.

Segundo o ministro do Empreendedorismo, a ideia discutida no Palácio do Planalto é que seja instituída uma tabela progressiva com base no percentual de contribuição para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A proposta pegaria carona nas discussões no Congresso Nacional sobre a segunda etapa da reforma tributária – que tratará de temas como um comitê gestor para coordenar a arrecadação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a distribuição dos respectivos valores entre estados e municípios. O IBS é o imposto que unificará o ICMS (tributo estadual) e o ISS (municipal).

“O problema é que isso [reajuste do MEI] implica na Previdência. Nós temos sugerido fazer uma ‘escada’, e o que ultrapassar os R$ 81 mil, você remuneraria por outra alíquota, como acontece no Imposto de Renda [IR]”, afirmou França no evento na capital paulista. “Durante este ano todo, com a aprovação da reforma tributária, isso vai ser necessário. Alguma alteração em todos esses números, que hoje são fixos, tem que acontecer”, completou o ministro.

O MEI, hoje, contribui com 5% sobre o salário mínimo, que é de R$ 1.518 desde o dia 1º de janeiro, e assim garante benefícios previdenciários como auxílio-doença, pensão por morte e aposentadoria.

A contribuição mensal do MEI, atualmente, varia entre R$ 76,90 e R$ 81,90, já incluídos impostos específicos conforme o tipo de atividade. Há, ainda, o MEI Caminhoneiro, que contribui com 12% do salário mínimo e paga entre R$ 182,16 e R$ 188,16 por mês, dependendo do produto transportado e do local de destino.

O que pode mudar

Neste momento, há uma série de propostas em tramitação no Legislativo que tratam do faturamento do MEI. A mais avançada é o Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 108, de 2021, apresentado pelo senador Jayme Campos (União Brasil-MT) e já aprovado pelo Senado.

O texto determina que o limite anual de faturamento do MEI passe dos atuais R$ 81 mil para R$ 130 mil. No caso das microempresas (MEs), o teto subiria de R$ 360 mil para R$ 864,4 mil. O projeto também permite que o MEI contrate até dois empregados, “desde que eles recebam, cada um, exclusivamente a quantia equivalente a um salário-mínimo ou ao piso salarial da categoria profissional” – atualmente, o MEI só pode ter um funcionário.

Em agosto de 2022, a proposta recebeu o aval da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e, em tese, desde então está pronta para ser votada no plenário da Casa.

Há outros projetos que preveem modificações no MEI, como o PLP 261/2023, de autoria do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), que estipula um reajuste automático do limite de faturamento a partir do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país. O texto está parado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado.

O PLP 24/2024, de autoria do senador Alan Rick (União Brasil-AC), também determina a correção anual pelo IPCA e fala em um “teto intermediário” de faturamento de R$ 120 mil por ano. A proposta está para ser pautada na CAE.

Risco às contas públicas?

Apesar do apelo popular da proposta, o Metrópoles apurou que o projeto é visto com preocupação pela própria equipe econômica do governo, que jamais o encampou. Segundo economistas, a medida poderia representar uma ameaça às contas públicas em um momento de necessidade de aperto fiscal, se transformando em uma “pauta-bomba” no Congresso.

Antes mesmo de ser convidado por Lula e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), para assumir o comando da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária, o economista Bernard Appy já se opunha ao aumento do limite da MEI. Ao Metrópoles, em novembro de 2022, ele afirmou que a medida teria “um custo alto, em um momento de fragilidade fiscal do país”.

“Quando se tem um sistema mal desenhado, como o Simples, você não permite uma transição suave do sistema simplificado para o regime normal de tributação. Mesmo no modelo atual, há um incentivo para que empresas se fragmentem para se enquadrar”, disse. “Esse problema já existe, mas quanto mais alto o limite de faturamento, maior o escopo de empresas que vão poder se beneficiar dessa distorção do sistema.”

A avaliação feita por Appy, na época, é compartilhada hoje por Benito Salomão, professor de Economia no Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (IERI-UFU) e especialista em finanças públicas. “Sem dúvida, isso traria um ônus muito pesado para as contas públicas. Quando se cria um programa como o MEI ou o próprio Simples Nacional, como um todo, está se criando na prática, um regime de tributação diferenciada para determinados segmentos”, afirmou ao Metrópoles.

“Os segmentos beneficiados por esse regime tributário têm uma alíquota menor em relação aos demais setores da economia. Essa alíquota menor faz falta para o governo, sobretudo neste momento de esforço para trazer o Orçamento ao equilíbrio, preservar os parâmetros do arcabouço fiscal aprovado em 2023 e estabilizar ou reduzir a trajetória de crescimento da dívida pública. Uma proposta dessa natureza vai gerar um impacto fiscal muito negativo sobre as contas públicas”, explica Salomão.

Em um momento no qual o presidente Lula enfrenta perda de apoio popular, a cerca de 1 ano e meio das próximas eleições, é possível que o governo passe a apoiar a bandeira do aumento do limite do MEI, avalia o economista. Não só o governo, mas também a oposição, igualmente preocupada com possíveis dividendos eleitorais.

“Em geral, existe uma grande assimetria legislativa entre os projetos que exercem impacto fiscal sobre as contas públicas e aqueles que visam a corrigir déficits fiscais. Matérias que trazem um ônus adicional para as contas públicas costumam ter menos rejeição na sociedade e, consequentemente, também no Congresso, de modo que acabam sendo aprovadas mais rápido”, observa Salomão. “Já matérias que buscam consolidar as contas públicas, e portanto vão diminuir benefícios, encontram maior rejeição da sociedade e do Congresso, dependendo de um esforço legislativo maior para ser aprovadas.”

Segundo o economista, a aprovação do projeto “seria muito ruim para a estabilidade macroeconômica” do país. “Eu espero que esse tipo de proposta não seja encaminhada neste momento. O país vem tentando equilibrar as contas públicas, de um lado, e também vem tentando diminuir a volatilidade na taxa de câmbio e fazer a convergência da inflação para a meta. Neste ambiente macroeconômico muito incerto que permeia a vida nacional, matérias como o aumento do limite de faturamento MEI contribuem muito pouco com o Brasil”, avalia.

Valores do MEI estão defasados

Também ouvida pela reportagem do Metrópoles, a economista Carla Beni, professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e conselheira do Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo (Corecon-SP), defende a discussão a respeito do aumento do limite de faturamento do MEI. Segundo ela, a proposta estudada pelo governo é meritória, embora necessite de alguns ajustes. “A formalização é o que se pretende. Quanto mais formalização, maior será a arrecadação. O que se busca é melhorar a formalização para que a arrecadação se eleve”, justifica.

A economista chama atenção, ainda, para a defasagem do limite do MEI, que chegou a cerca de 35% entre 2018 (ano do último reajuste) e 2024 (ou R$ 28.350). Em tese, o limite deveria estar hoje em torno de R$ 109,3 mil anuais. “Temos um erro muito importante quando se debate essa questão, que é o tempo que se leva para corrigir as faixas. Os valores do MEI estão claramente defasados, já são quase 10 anos sem fazer essa correção. Este é o grande problema”, prossegue Carla.

“Nós deveríamos ter atualizações automáticas. Se o salário mínimo é corrigido minimamente pelo INPC [Índice Nacional de Preços ao Consumidor], as faixas de todos os impostos de renda e a faixa de faturamento dessas empresas também deveriam ser corrigidas pelo INPC. Teríamos um pouco de atualização todo ano. Até pode haver alguma defasagem, mas a cada 5 anos poderia ser feita uma correção.”

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