Por que montadora, se é fábrica?

Intriga-me ver chamarem fábrica de automóveis de montadora. Até onde minha memória alcança, isso começou no início dos anos 1990 nos encontros mensais da Anfavea com a imprensa. Anfavea, como é sabido, é acrônimo de Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores.

Pois foi justamente lá que ouvi falar pela primeira vez em montadora referindo-se a fabricante ou fábrica de automóveis, fosse dito pelo seu presidente Jacy Mendonça ou pelos presentes na mesa diretora da entidade no evento. A partir desse momento, como numa troca de canal de televisão, a imprensa adotou o termo, utilizando-o massivamente até hoje.

O verbete montadora é definido nos dicionários, como o Aulete Digital, como ‘indústria que fabrica e monta veículos’. Por aí se tem ideia da impropriedade do termo, uma vez que montagem nada mais é que parte do processo de fabricação.

O fato é que montadora acabou se tornando equivocadamente sinônimo de fabricante. Chegou ao ponto de uma fabricante de grande porte daqui escrever numa peça de informação à imprensa “Foi restabelecido o terceiro turno na fábrica da montadora”. Inacreditável!

Fábrica ou montadora? É aí que a coisa complica!

É na hora de verter um texto em português para uma língua estrangeira que esse nosso hábito torna as coisas difíceis, é aí que a coisa pega, como se diz. Em 2006, como parte das comemorações do cinquentenário de sua fundação, a Anfavea publicou uma edição informativa especial.

Uma resenha do que aconteceu em 50 anos na indústria automobilística brasileira. Edição realmente memorável, idealizada para ser lida mundialmente e mostrar a pujança dessa indústria num país situado no lado de baixo do equador.

Para isso, a edição foi planejada para ser bilíngue português-inglês. Como montadora não tem sentido de fabricante em nenhuma outra língua e o tradutor provavelmente não estivesse ciente de como fabricante de automóveis é chamado nos países anglófonos — automaker, car manufacurer — recorreu aos dicionários português-inglês.

O que resultou em onde se lia ‘montadora’ na parte em português, em inglês estava assembler, montador(a) em inglês. Quem leu deve ter ficado surpreso ao saber que não fabricamos automóveis, só montamos.

Uns anos atrás eu e um grupo de jornalistas visitávamos a Fiat, em Betim, e quando caminhávamos pela ala das gigantescas prensas, pedi o microfone à guia e disse para que todos ouvissem nos seus fones de ouvido: alguém ainda acha estamos numa montadora? Todos ouviram, mas não sei se assimilaram a “lição”.

Nas frequentes discussões sobre essa questão, muitos argumentam que cerca de 85% das peças de um automóvel são compradas fora, portanto é uma montadora. Só que não sabem ser assim por motivos econômicos, sai mais barato do que fabricá-las em casa.

A AutoVAZ, fabricante do Lada, por exemplo, era fortemente verticalizada, fazia quase tudo na fábrica em Togliatti, na ex-URSS. Aqui, até pouco tempo atrás a Honda produzia os próprios para-choques de plástico polipropileno na fábrica de Sumaré, SP.

O próprio nome Fiat é sigla de Fabbrica Italiana Automobili Torino. A Volkswagen, até 1960, chamava-se Volkswagenwerk GmbH (werk é fábrica em alemão e GmbH é o nosso Ltda). Mesmo aqui usa-se fábrica em lugar de montadora como em “A GM abre os portões da fábrica” (feirões), nota fiscal de fábrica, equipe de fábrica, garantia de fábrica, greve na fábrica tal e outras vinculações à palavra fábrica.

Em recente palestra numa coletiva da Anfavea, o presidente da Renault Ricardo Gondo foi incisivo ao dizer que “a Renault não é uma montadora, é uma fabricante!”.

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