Inspiração ou plágio? A briga dos sócios do hotel Rosewood por direitos autorais

Uma disputa entre os sócios do hotel Rosewood São Paulo, localizado no coração dos Jardins, chegou à Justiça com acusações graves: o empresário francês Alexandre Allard afirma que a holding chinesa Chow Tai Fook Enterprises Limited (CTF), sua ex-parceira no empreendimento, teria cometido espionagem industrial e plagiado elementos do projeto arquitetônico do complexo conhecido como Cidade Matarazzo.

A juíza Laura de Mattos Almeida, da 29.ª Vara Cível de São Paulo, autorizou uma perícia para produção antecipada de provas, um recurso jurídico utilizado para preservar elementos essenciais antes que eles possam ser alterados ou perdidos. Com isso, será realizada uma vistoria técnica no hotel, com o objetivo de avaliar se houve de fato reprodução indevida de criações protegidas por direitos autorais.

Segundo especialistas ouvidos pelo InfoMoney, projetos arquitetônicos estão protegidos pela Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98). Em seu artigo 7º, a legislação inclui como obras intelectuais protegidas os projetos de arquitetura, paisagismo e urbanismo. Além disso, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) determina que a reprodução de dois ou mais elementos de um projeto — como forma volumétrica, distribuição funcional e identidade espacial — pode configurar plágio.

O foco da perícia será justamente identificar detalhes que confirmem se houve reprodução não autorizada de elementos criados por Allard, como o uso de plantas nas varandas, a disposição dos móveis e a estrutura arquitetônica das torres do complexo. O empresário alega que, apesar de ter sido sócio na origem do projeto, jamais cedeu formalmente os direitos autorais para a atual estrutura empresarial — o que, segundo ele, torna o uso e reprodução desses elementos ilegais.

Além do reconhecimento da autoria, o empresário busca indenização por uso indevido e o direito de ser creditado como autor da obra. Caso os peritos confirmem que o projeto é de sua autoria e que ele não cedeu os direitos à empresa, a decisão poderá impactar futuros empreendimentos que pretendam replicar o modelo do Rosewood.

Ainda em estágio inicial, o processo caminha para uma longa disputa. Após a nomeação do perito judicial, as partes devem apresentar assistentes técnicos e formular os quesitos que orientarão o laudo. A partir dessa análise, uma eventual ação principal por danos materiais e morais poderá ser ajuizada.

O que dizem os especialistas

Segundo o advogado Alan Campos Thomaz, sócio do Campos Thomaz Advogados, a lei dos direitos autorais garante uma proteção importante ao responsável pelas obras arquitetônicas. “Sem autorização expressa, normalmente obtida por contrato, terceiros não podem reproduzir, alterar ou usar o projeto de forma total ou parcial, visto que ele é uma criação exclusiva do autor”, disse.

Mas, segundo o especialista, também é importante entender a diferença entre “inspiração” e “cópia” de um projeto arquitetônico. A inspiração ocorre quando um novo projeto é baseado em ideias gerais ou conceitos, sem reproduzir partes essenciais da obra original, o que não configura violação de direitos autorais. Já a cópia total ou parcial envolve a reprodução não autorizada de elementos substanciais do projeto original. “Por isso, para determinar se há de fato infração, é comum a realização de uma perícia técnica para identificar as semelhanças relevantes entre as obras”, explica.

Para proteger a obra antes da execução, também é possível utilizar a confidencialidade dos projetos e memoriais, que são resguardados pela Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96). “A manutenção do sigilo, portanto, pode ser uma medida preventiva importante para evitar o uso não autorizado de um projeto arquitetônico”, afirma Thomaz.

Ativos Intangíveis

Para a advogada Mariana Valverde, especializada em propriedade intelectual e business fashion law, o caso reforça a importância crescente dos ativos intangíveis, como projetos autorais e marcas, no valor das empresas. “Em tempos de inteligência artificial e inovação acelerada, proteger a autoria e os direitos criativos se tornou fundamental — tanto para criadores quanto para investidores”, afirma.

Segundo a advogada, muitas vezes as pessoas se preocupam mais com a parte financeira quando vendem uma empresa e não observam os ativos intangíveis, que podem elevar o valor de um projeto. “É exatamente por isso que a Justiça permitiu a perícia antecipada, porque assim se garante que a produção original não será modificada, o projeto é do autor e, principalmente, de que ele não cedeu seus direitos”, afirma a advogada, acrescentando que o processo está muito no começo e o próximo passo será a nomeação dos peritos e a execução da perícia, o que pode levar até um ano ou dois para ser concluído.

Procurados, a direção do hotel Rosewood afirmou que “neste momento, a BM Empreendimentos não está se manifestando sobre o caso.” Os advogados de Allard também não foram encontrados. O espaço continua aberto para declarações.

Histórico do conflito

Em 2010, Allard adquiriu, por meio de uma de suas empresas do Grupo Allard, o antigo Complexo Hospitalar Umberto I, conhecido popularmente por Hospital Matarazzo. O projeto Cidade Matarazzo foi concebido em 2013 pelo empresário. Meses depois da conclusão do projeto, para viabilizar financeiramente a execução, Allard passou a contar com investimentos da CTF, realizados por meio do BM 888 Fundo de Investimento em Participações (“FIP BM 888”), proprietário da quase totalidade das ações ordinárias da BM Empreendimentos, como revelou o jornal Valor Econômico.

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Dessa forma, o grupo chinês passou a ser sócio e hoje Allard teria cerca de 34% das cotas, estando o restante em posse da CTF, segundo fontes do jornal. No processo, a defesa de Allard alega que o relacionamento entre os sócios vem se deteriorando há algum tempo, conflito que se acirrou por causa das 11ª e 12ª emissões de debêntures privadas conversíveis em ações ordinárias emitidas pela BM Empreendimentos, e que foram subscritas e integralizadas pela CTF. Isso estaria diluindo a participação de Allard na empresa.

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