Ida de Lula à Rússia provoca desavenças entre Brasil e Ucrânia

Antes mesmo de acontecer, a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Rússia tem provocado desavenças na já conturbada relação entre Brasil e Ucrânia. A visita do líder brasileiro à Moscou para as comemorações do 80º aniversário do Dia da Vitória, é visto por Kiev como um novo gesto de apoio ao governo de Vladimir Putin.

O sentimento ucraniano ganhou mais força após Kiev convidar, novamente, Lula para uma visita à Ucrânia antes do evento na Rússia, o que, até o momento, ainda não está nos planos oficiais do presidente brasileiro.

Depois do convite feito pelo embaixador da Ucrânia no Brasil, Andrii Melnyk, no último dia 28 de abril, fontes diplomáticas brasileiras afirmaram ao Metrópoles que aguardam um convite formal para avaliar uma possível visita de Lula ao país liderado por Volodymyr Zelensky.

A declaração não foi bem recebida pela diplomacia ucraniana. À reportagem, uma fonte do alto escalão do governo da Ucrânia chamou o gesto brasileiro de “jogo nojento e vergonhoso”, e citou contatos anteriores que não teriam sido respondidos por Brasília.

“O convite oficial por escrito de Zelensky está na mesa de Lula há um ano e oito meses. Não enviaremos novos convites a ele toda semana, como ele deseja”, disse um diplomata ucraniano sob condição de anonimato “Temos outras questões mais importantes para tratar, como defender nosso país dos soldados russos. Lula escolheu o outro caminho para saudar esses soldados que vêm cometendo crimes de guerra contra civis ucranianos e que marcharão orgulhosamente na Praça Vermelha, em Moscou, no dia 9 de maio. É uma vergonha para o Brasil”, complementou.

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Lula, Zelensky e suas equipes

Lula e Zelensky já falaram, mas por videoconferência
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Em NY, Lula se reuniu pela primeira vez com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky

Ricardo Stuckert/PR

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Lula e Zelensky já falaram, mas por videoconferência

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Cartas de Zelensky a Lula

O Metrópoles teve acesso ao conteúdo de seis cartas enviadas por Zelensky à Lula, entre 2023 e 2024, com solicitações de reuniões. Duas delas foram convites para que o presidente brasileiro participasse de cúpulas internacionais que discutiram a guerra da Ucrânia. Uma outra correspondência foi remetida em 27 de outubro de 2023, dia do aniversário do mandatário brasileiro.

Uma outra carta foi enviada à Lula antes da última cúpula do G20 no Rio. No documento, com data de 25 de outubro de 2024, Zelensky se pôs à disposição para se reunir com o presidente do Brasil durante o evento. 

“Estou pronto para vir pessoalmente ao Rio de Janeiro e discutir todas as questões urgentes da agenda, tanto no formato bilateral quanto multilateralmente. A voz da Ucrânia deve ser ouvida”, diz um trecho da correspondência do presidente ucraniano, que não chegou a ser convidado para a reunião do G20.

Segundo a diplomacia ucraniana, nenhuma das cartas enviadas por Zelensky teria sido respondida por autoridades brasileiras.

Recusa de telefonemas

Antes da atual insatisfação com o posicionamento do governo Lula sobre o conflito no Leste Europeu, a viagem do brasileiro para a Rússia já havia surtido efeitos diretos nas relações entre Brasil e Ucrânia.

Entre março e o início de abril, autoridades brasileiras tentaram mediar uma conversa telefônica entre Lula e Zelensky em ao menos duas ocasiões. O contato, promessa feita pelo presidente brasileiro durante viagem ao Vietnã, acabou negado pelo governo ucraniano.

Na época, pessoas com conhecimento sobre o assunto afirmaram que a tentativa de reaproximação de Lula com Zelensky foi vista com certo tom de “cinismo”. Para o governo da Ucrânia, a possível conversa telefônica entre os dois mandatários, antes do presidente ir à Moscou, teria como objetivo “mascarar” um possível novo posicionamento pró-Rússia do líder brasileiro.

O Metrópoles questionou a embaixada do Brasil em Kiev, que está seis horas à frente de Brasília, sobre as alegações do lado ucraniano. Até o fechamento da reportagem, não houve respostas da representação diplomática. O espaço segue aberto.

“Teatro de cinismo absurdo”

Mesmo com as críticas, o assessor especial de Lula para assuntos internacionais, Celso Amorim, disse que o presidente brasileiro será uma espécie de “mensageiro da paz” durante sua estadia na Rússia.

“Orwell se reviraria no túmulo ao saber que Lula está indo a Moscou como um “mensageiro da paz” para participar do desfile militar do criminoso de guerra Putin”, declarou um diplomata ucraniano que pediu anonimato.

Durante evento dos Brics realizado em Brasília, o embaixador voltou a defender que a proposta conjunta apresentada por Brasil e China, assim como o grupo “Amigos da Paz”, volte às mesas de negociações sobre a guerra.

O plano de Brasília e Pequim, no entanto, já foi rejeitado por Zelensky no último ano. Em setembro de 2024, o presidente ucraniano chamou a proposta de “destrutiva”, e disse que o documento havia sido previamente negociado com a Rússia.

Na época, o embaixador brasileiro em Kiev, Rafael de Mello Vidal, negou que o governo do Brasil seja “pró-Rússia”. Ele também disse desconhecer a alegação de Zelensky sobre o plano de paz ter sido discutido com a Rússia antes de ter sido apresentado.

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