A fome e a sede das crianças de Gaza (por Tânia Fusco) 

Nove mil crianças palestinas estão internadas em Gaza com desnutrição aguda. Os números são do insuspeito UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância).  A notícia é desta semana.

Vimos esquecendo e esquecendo e esquecendo a tragédia da Palestina. Como vamos esquecendo outras muitas barbáries praticadas por humanos contra humanos. A mais célebre delas, o Holocausto. Quando a Alemanha de Hitler exterminou 6 milhões de judeus, principalmente.

Estudiosos do holocausto estimam que mais de 1,5 milhão dos judeus assassinados tinham menos de 14 anos. A maior parte desses morreu de fome.

Quase um século depois, seguimos fazendo guerras e matanças – de crianças, inclusive. Não só de bala, bomba, ou gás, mas também de fome e sede. Como fizeram os nazistas. Como fez Stalin, na Rússia e em territórios ocupados.

Estudos apontam para 3,3 milhões de soviéticos mortos de fome na Ucrânia; 700 mil vítimas do Grande Terror de Stalin; 4,2 milhões de soviéticos mortos de fome sob a ocupação nazista. Além dos 700 mil civis assassinados pelos alemães, fora dos campos da morte, em represálias por atos de resistência e oposição ao domínio de Hitler.

Desgraças de ontem, parece, não ensinam e não impedem as de hoje.

A estimativa é que, em 2024, cerca de 6% da população palestina residente na Faixa de Gaza foi exterminada por ações promovidas ali pelas forças militares de Israel.

Em Gaza, vivem – ou viviam – 2,65 milhões de palestinos. Das estimadas 45 mil mortes ocorridas desde o início da guerra na região (outubro de 2023) cerca de 25 mil aconteceram em 2024. Os números são do Departamento Central de Estatísticas, entidade ligada à Autoridade Nacional Palestina (ANP).

Ainda que sem considerar mortos da guerra Ucrânia/ Rússia, os milhares de mortos das incontáveis guerras nos países africanos, os números da tragédia na Palestina são absurdos e desiguais.

Nos primeiros seis meses dos ataques à Palestina, dados oficiais contavam 34.345 mortos, sendo 33.175 palestinos e 1.170 israelenses. A proporção não será diferente nos dias de hoje.

Sem esquecer. Guerras sempre produzem mais do que mortes por bomba, bala ou fogo.

“A desnutrição aumenta na Faixa de Gaza”, relata a diretora executiva do Fundo das Nações Unidas para a Infância, Catherine Russel, denunciando que, em Gaza, nas últimas semanas, sem redução dos ataques, pelo menos 10 cozinhas de organizações de socorro não governamentais (ONGs) fecharam por falta de alimentos e 25 padarias da ONU estão sem funcionar há um mês.

O governo de Israel, que responde pelos bloqueios de ações humanitárias na região, diz que a comida e a água liberadas ali “são suficientes”.

Cinismos à parte, onde estamos nós? Onde anda escondida nossa compaixão? Nosso sentido de humanidade?

Nunca fomos tão bem informados, em tempo real, do que acontece dentro de nossos países e mundo afora. Não dá para repetir a então alegada ignorância sobre os campos de extermínio dos nazistas.  “Eu não sabia” não existe hoje.

Com poucas manifestações de indignação e de perplexidade – muito menos do que o necessário, do que o esperado -, assistimos Trump, falando pelos USA, e Netanyahu, pelos israelenses, sem pudores, defendendo a transformação do território de Gaza num exclusivíssimo resort 6 estrelas. Depois do extermínio.

Propósito reforçado na recente visita de Trump ao Oriente Médio, quando foi anunciada uma super ofensiva militar de Israel para tomar de vez a Faixa de Gaza.

Eles não estão blefando.

Sem grandes protestos, somos bem comportados expectadores da tragédia Palestina. Também do desmonte dos organismos internacionais, criados no pós guerra com a função obrigatória de defender o respeito humano com todas as suas faces, protegendo os mais fracos da prepotência e da potência dos fortes – em armas ou dinheiro, ou os dois.  Para impedir repetições de genocídios, de holocaustos.

Nossa tolerância com o intolerável terá consequências, preço alto, generalizadas dores, como retrata a História e tenta nos ensinar. Insistimos em não aprender.

 

Tânia Fusco é jornalista 

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