BC defende “cautela” com política de Trump e não crava rumo dos juros

No comunicado que acompanhou a decisão de elevar a taxa básica de juros (Selic) para 14,75% ao ano, nesta quarta-feira (7/5), o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) classificou o cenário externo como “adverso e “particularmente incerto” por causa da conjuntura econômica nos Estados Unidos e, ao contrário do que ocorreu nas últimas reuniões, não cravou o rumo da Selic para os próximos encontros do colegiado.

No documento em que confirmou a nova alta dos juros básicos no país, o órgão do BC afirmou que “o ambiente externo mostra-se adverso e particularmente incerto em função da conjuntura e da política econômica nos Estados Unidos, principalmente acerca de sua política comercial e de seus efeitos”.

“A política comercial alimenta incertezas sobre a economia global, notadamente acerca da magnitude da desaceleração econômica e sobre o efeito heterogêneo no cenário inflacionário entre os países, com repercussões relevantes sobre a condução da política monetária”, diz o Copom no comunicado.

“Além disso, o comportamento e a volatilidade de diferentes classes de ativos também têm sido afetados, com fortes reflexos nas condições financeiras globais. Tal cenário segue exigindo cautela por parte de países emergentes em ambiente de maior tensão geopolítica”, prossegue a autoridade monetária.

“Para a próxima reunião, o cenário de elevada incerteza, aliado ao estágio avançado do ciclo de ajuste e seus impactos acumulados ainda por serem observados, demanda cautela adicional na atuação da política monetária e flexibilidade para incorporar os dados que impactem a dinâmica de inflação”, emenda o Copom, evitando antecipar a trajetória futura da Selic.

“O Comitê se manterá vigilante e a calibragem do aperto monetário apropriado seguirá guiada pelo objetivo de trazer a inflação à meta no horizonte relevante e dependerá da evolução da dinâmica da inflação, em especial dos componentes mais sensíveis à atividade econômica e à política monetária, das projeções de inflação, das expectativas de inflação, do hiato do produto e do balanço de riscos”, diz o comunicado.

Inflação

No comunicado que acompanha a decisão sobre os juros, o Copom observa que as expectativas de inflação apuradas pelo Relatório Focus, do BC, “permanecem em valores acima da meta, situando-se em 5,5% e 4,5%”.

Mas a projeção de inflação do Copom para o chamado “horizonte relevante” de política monetária (quando os juros altos devem surtir efeito expressivo na economia) diminuiu em relação ao último comunicado, divulgado em março.

Agora, ela se situa em 3,6%. No documento anterior, esse número era de 3,9%. Mesmo assim, essa estimativa continua fora do centro da meta da inflação, que é de 3% ao ano.

Riscos, EUA e questão fiscal

Ainda de acordo com o comunicado, “os riscos para a inflação, tanto de alta quanto de baixa, estão mais elevados do que o usual”.

“Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se (i) uma desancoragem das expectativas de inflação por período mais prolongado; (ii) uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do produto mais positivo; e (iii) uma conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário maior que o esperado, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada”, diz o Copom.

“Entre os riscos de baixa, ressaltam-se (i) uma eventual desaceleração da atividade econômica doméstica mais acentuada do que a projetada, tendo impactos sobre o cenário de inflação; (ii) uma desaceleração global mais pronunciada decorrente do choque de comércio e de um cenário de maior incerteza; e (iii) uma redução nos preços das commodities com efeitos desinflacionários.”

No comunicado, o Copom afirma ainda que “a conjuntura externa, em particular os desenvolvimentos da política comercial norte-americana, e a conjuntura doméstica, em particular a política fiscal, têm impactado os preços de ativos e as expectativas dos agentes”.

“O cenário segue sendo marcado por expectativas desancoradas, projeções de inflação elevadas, resiliência na atividade econômica e pressões no mercado de trabalho. Tal cenário prescreve uma política monetária em patamar significativamente contracionista por período prolongado para assegurar a convergência da inflação à meta”, diz o Copom.

A Selic mais alta desde 2006

O Copom decidiu renovar o ciclo de altas da taxa básica de juros do país (Selic), mas em menor magnitude. A Selic subiu de 14,25% para 14,75% ao ano — o maior valor da taxa em quase duas décadas.

Dessa forma, a Selic volta ao patamar de julho de 2006, fim do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A nova taxa de juros, de 14,75% ao ano, ficará vigente pelos próximos 45 dias.

A elevação de 0,5 ponto percentual vem em sintonia com a indicação feita na última reunião do comitê, realizada em março. Na ocasião, o Copom indicou que o ciclo de aperto monetário (ou seja, o aumento dos juros) não estava encerrado, mas frisou que o próximo aumento “seria de menor magnitude”.

Além disso, é a sexta subida consecutiva da Selic. O ciclo de aperto monetário começou em setembro do ano passado, quando o Copom decidiu interromper o ciclo de cortes e elevar a taxa em 0,25 ponto percentual, de 10,5% para 10,75% ao ano.

A taxa básica de juros é o principal instrumento do BC para controlar a inflação. A Selic é utilizada nas negociações de títulos públicos emitidos pelo Tesouro Nacional no Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic) e serve de referência para as demais taxas da economia.

Quando o Copom aumenta os juros, o objetivo é conter a demanda aquecida, o que se reflete nos preços, porque os juros mais altos encarecem o crédito e estimulam a poupança. Assim, taxas mais altas também podem conter a atividade econômica.

Ao reduzir a Selic, por outro lado, a tendência é a de que o crédito fique mais barato, com incentivo à produção e ao consumo, reduzindo o controle da inflação e estimulando a atividade econômica.

A próxima reunião do Copom para definir a taxa básica de juros acontece nos dias 17 e 18 de junho.

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