Mercado vê Copom “coerente” e ciclo de alta de juros perto do fim

O mercado financeiro recebeu sem grandes surpresas o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) que acompanhou a decisão do colegiado de aumentar a taxa básica de juros (Selic) em 0,5 ponto percentual, para 14,75% ao ano. O anúncio ocorreu no início da noite desta quarta-feira (7/5).

Segundo economistas, analistas financeiros e agentes do mercado consultados pela reportagem do Metrópoles logo após a decisão do Copom, o colegiado indicou que o fim do ciclo de altas da Selic está próximo. Apesar de o comunicado não ter antecipado qual será a trajetória dos juros básicos na próxima reunião do órgão, em junho, a expectativa no mercado financeiro varia entre uma elevação menor, em 0,25 ponto percentual, ou mesmo o encerramento da série de altas.

“O comunicado teve alterações em relação à reunião passada, mas foi bastante coerente com a evolução do cenário, ressaltando que a maior incerteza requer maior cautela. Os próximos passos ficaram em aberto, e a menção da flexibilidade indica que o Copom pode já considerar que esse seja o último aumento do ciclo”, afirma Rafaela Vitoria, economista-chefe do Banco Inter.

“No balanço de riscos, também foi retirada a menção sobre a assimetria altista nos riscos para a inflação, e o comitê vê agora riscos elevados para os dois lados. De fato, o cenário externo contribui para uma perspectiva de desinflação maior que o esperado anteriormente, o que pode reforçar a pausa no aperto monetário já a partir de junho”, explica.

Para Fernando Gonçalves, sócio da The Hill Capital, o novo aumento dos juros no Brasil é uma “resposta necessária à inflação ainda persistente e acima da meta”. “Mesmo com revisão nas projeções, o cenário segue pressionado. Além disso, as incertezas externas e fiscais aumentam o risco inflacionário. O BC precisa ancorar expectativas e manter a credibilidade da política monetária”, observa.

Ariane Benedito, economista-chefe do PicPay, tem avaliação semelhante. “A decisão confirma o compromisso do BC com a convergência da inflação para a meta ao longo do horizonte relevante, diante de um cenário que combina pressões persistentes de preços e um ambiente externo particularmente desafiador”, destaca.

“No exterior, a política comercial dos Estados Unidos tem sido fonte relevante de incerteza, afetando a atividade global, o cenário inflacionário internacional e, consequentemente, a condução da política monetária de diversos países”, analisa a economista.

“No cenário doméstico, embora a atividade econômica e o mercado de trabalho sigam apresentando dinamismo, o Copom identificou sinais iniciais de moderação no crescimento. Ainda assim, a inflação cheia e seus componentes subjacentes permanecem elevados.”

Segundo Ariane, foi “coerente a decisão de manter a política monetária em território significativamente contracionista”. “O comunicado foi claro ao afirmar que o atual estágio do ciclo de aperto requer cautela adicional, flexibilidade e vigilância”, aponta.

“Esperamos que o BC continue calibrando sua atuação de forma a preservar a credibilidade do regime de metas e ancorar as expectativas, com mais um ajuste de 0,25 ponto percentual na reunião de junho”, completa a economista, projetando a Selic em 15% ao ano a partir de junho.

Inflação segue preocupando

De acordo com Jeff Patzlaff, planejador financeiro e especialista em investimentos, a inflação ainda acima da meta de 3% ao ano continua sendo a principal explicação para a decisão do Copom de manter uma política monetária contracionista.

“Apesar de uma desaceleração pontual em certos itens, o IPCA [Índice de Preços ao Consumidor Amplo] acumulado em 12 meses segue acima da meta de 3%, com um acumulado de 5,48%. Além disso, o Boletim Focus ainda aponta que as expectativas para a inflação de 2025 e 2026 continuam acima da meta. Mesmo após sucessivas altas de juros, a percepção de risco fiscal e a incerteza quanto ao cumprimento das metas do novo arcabouço fiscal contribuem para essa desconfiança”, observa.

“A diretoria do Banco Central, após forte pressão política nos últimos meses, adota uma postura técnica mais firme para reancorar expectativas e reforçar sua independência institucional”, prossegue Patzlaff. “Diante desse contexto, uma nova alta, ainda que moderada, funciona como sinal de vigilância e compromisso com a estabilidade de preços, mesmo diante do impacto sobre a atividade econômica.”

Em relação à trajetória futura da Selic, Patzlaff diz que “o cenário mais provável para a próxima reunião é de manutenção da taxa em 14,75%, com o BC adotando postura de esperar para ver os efeitos dessa alta”.

“No entanto, não se pode descartar uma nova alta de juros, especialmente se a inflação seguir surpreendendo negativamente, como tem ocorrido nos núcleos de serviços e nos alimentos, o câmbio se desvalorizar ainda mais, pressionando os preços, e as expectativas de inflação para 2026 continuarem desancoradas. Nesse caso, o Copom pode entender que a taxa de juros real ainda não é suficientemente restritiva para trazer a inflação à meta em tempo hábil e optar por mais um ajuste técnico”, pondera.

“Graus de liberdade” com decisão em aberto

Na avaliação do economista Maykon Douglas, o Copom “deixou em aberto os próximos passos e buscou manter bons graus de liberdade, tendo em vista a própria defasagem da política monetária”.

“O comunicado veio em linha com as falas de alguns dos diretores nas últimas semanas, que deram maior peso à atividade global. Embora não haja um ‘guidance’ (uma orientação) de fato, o mercado deve precificar esta alta como a última do ciclo, com patamar a ser mantido por algum tempo”, afirma.

“É certo que a assimetria é menos altista do que na última reunião, sobretudo pelo dólar e pelas commodities. No entanto, as expectativas futuras têm um longo caminho até a reancoragem e a inflação subjacente segue em níveis bem acima da meta”, explica o economista.

“Além disso, a desinflação oriunda do front global precisa ser um complemento ao próprio aperto monetário, que deveria continuar um pouco mais para sanar esse descompasso inflacionário”, conclui.

Marcelo Bolzan, sócio da The Hill Capital, segue a mesma linha ao analisar o tom do Copom no comunicado desta quarta-feira. “Ao deixar em aberto os próximos movimentos, tivemos um comunicado com tom mais dovish [termo usado no mercado financeiro para descrever uma postura de política monetária mais branda]. O comitê deixa em aberto a possibilidade, inclusive, de parar de subir juros na próxima reunião, conforme os dados futuros vierem”, afirma.

“Foi uma decisão unânime e isso acho importante. O que chamou mais atenção é que eles comentam a questão da política comercial nos EUA, que traz uma incerteza adicional aos mercados. E o comunicado também mostra que os riscos, seja para a inflação mais alta ou mais baixa, estão mais elevados”, prossegue Bolzan. “A minha expectativa ainda é de um novo aumento de 0,25 ponto percentual para a próxima reunião do Copom e, aí sim, a Selic chegando a 15% e finalizando esse processo de subida de juros.”

Desaceleração inevitável da economia

Segundo Marcello Carvalho, economista na WIT Invest, a decisão do Copom de subir a Selic em 0,5 ponto percentual, “apesar de esperada, só demonstra a preocupação de quanto a inflação pode ser persistente na economia brasileira e na norte-americana”. “Outro ponto de destaque é tanto o Brasil quanto os EUA [com o Federal Reserve, o BC do país, que manteve os juros no intervalo entre 4,25% e 4,5%] terem pontuado que a política fiscal tem atrapalhado a atuação da política monetária”, observou.

“Com o Fed e o Copom mantendo juros elevados por mais tempo, está ficando cada vez mais claro que a desaceleração da economia global será inevitável. Entretanto, a dúvida que ainda fica é se tanto o Fed quanto o Copom conseguirão dosar na medida certa a taxa básica de juros para não desacelerar em demasia a atividade econômica.”

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