Governo conclui proposta para regular big techs com foco em transparência

O governo Lula concluiu a elaboração de dois projetos de lei para regular as plataformas digitais. Os textos receberam aval no fim de abril, e agora os ministros envolvidos devem se encontrar para debater o melhor momento político para enviá-los ao Congresso.

Um dos projetos foi construído pela Secretaria de Direitos Digitais (Sedigi), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), e o outro, pela Secretaria de Reformas Econômicas (SRE), no Ministério da Fazenda. Ambos estavam nos ajustes finais em um grupo de trabalho interministerial na Casa Civil.

A proposta da Sedigi é uma espécie de Código de Defesa do Consumidor para usuários na internet. O texto propõe medidas de mitigação de riscos de acordo com o serviço digital oferecido e se volta mais ao direito do consumidor do que à punição às plataformas. Visa, por exemplo, dar maior transparência às informações aos usuários de redes sociais, como termos de uso e identificação de publicidade.

Também obriga as empresas a empregarem medidas proativas para remover conteúdo que constitua crime grave, como exploração sexual infantil, terrorismo e incitação ao suicídio e à automutilação, sobretudo de crianças e adolescentes. Há hipóteses em que as companhias devem retirar publicações do ar mediante notificação extrajudicial, como publicidade enganosa ou abusiva.

A preocupação da Sedigi foi propor uma lógica diferente do projeto 2630/2020, conhecido como PL das Fake News, enterrado em abril do ano passado após perder viabilidade política, para não parecer que o governo Lula estaria reembalando o mesmo texto. O foco na proteção à criança e ao adolescente, bandeira da gestão da secretária Lílian Cintra de Melo, influenciou na elaboração da nova proposta – e pode ajudar a encontrar consenso junto à oposição bolsonarista, também simpática ao tema.

Entre os deveres dos fornecedores de serviços digitais previstos pela proposta da Sedigi, segundo relato de pessoas envolvidas na discussão, estão a instituição de SAC (serviço de atendimento ao cliente), canal de denúncias, termos de uso, combate a dark paterns (mecanismos de design de interfaces digitais que manipulam os usuários), identificação de contas automatizadas, proteção de dados, restrição de auto play em vídeos e medidas de segurança e transparência.

Há também a previsão para repositórios de anúncios, obrigação para combater abuso e exploração sexual infantil e outros crimes graves, avaliação de risco sistêmico, protocolo de crise e relatórios de transparência. Uma seção para a garantia de direitos de crianças e adolescentes consta no anteprojeto.

A ideia é acabar com a ideia de que as plataformas digitais são meras intermediárias. O governo entende que empresas são fornecedoras e precisam ser responsabilizadas se não mitigarem os riscos gerados por seus serviços digitais. Os elaboradores dizem estar “colocando no texto a mesma lógica do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente”.

O projeto pensado pela Fazenda, por sua vez, mira o mercado das plataformas de redes sociais e trata de aspectos econômicos e concorrenciais. O texto amplia sobretudo o poder do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para investigar e definir novas obrigações para as empresas. A ideia é combater, por exemplo, eventuais monopólios na oferta de serviços, anúncios ou buscas e outras formas de abuso de poder.

O órgão, segundo o texto em discussão, terá atribuição de enquadrar as empresas na categoria de “sistemicamente relevantes”, considerando aspectos como poder de mercado, acesso a grandes volumes de dados pessoais e comerciais relevantes, faturamento e número significativo de usuários.

A Fazenda entende que países ao redor do mundo têm tido sucesso em criar jurisdições sobre a necessidade de alterações na legislação e na prática do direito concorrencial, bem como sobre a adoção de novas ferramentas regulatórias pró-competitivas. Um dos modelos tidos como referência é o europeu Digital Markets Act (DMA).

Como o Estadão mostrou, o maior impasse no grupo de trabalho na Casa Civil era com a abrangência da regulação. Enquanto a Justiça propõe alcançar todos os fornecedores de serviços digitais, o que incluiria plataformas de streaming e de marketplace, aplicativos de entrega e fintechs, a Fazenda quer restringir o escopo. A avaliação é que uma regulação ampla exigiria ainda mais articulação e diálogo para aprovar o projeto, o que poderia encalhá-lo.

Existem pontos que ainda devem provocar debate a partir da tramitação do projeto no Congresso. Um deles é sobre a autoridade competente para regular as plataformas. Enquanto uma ala do governo defende que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) fique encarregada disso, outra prefere a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

A reunião entre ministros para discutir os próximos passos dos projetos deveria ter sido realizada na quarta-feira, 7, mas foi adiada. Há expectativa de que deva ser remarcada nos próximos dias. Governistas julgam que Executivo tem só mais seis meses para aprovar projetos desse porte, por se tratar da véspera de ano eleitoral – quando medidas de grande impacto não costumam vingar.

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