Pix pensão: entenda projeto que propõe débito automático para pensão alimentícia

pensão alimentícia

Em 2024, os tribunais brasileiros acumularam mais de 50 mil processos pendentes relacionados à pensão alimentícia. Segundo dados do Poder Judiciário, a média de tempo para o primeiro julgamento ultrapassa dois anos: chegando a 834 dias até uma decisão. Até isso acontecer, é possível apelar para uma decisão provisória, que pode levar até três meses para ser expedida. Diante desse cenário de lentidão e sobrecarga, avança no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4.978/2023, apelidado de “Pix pensão“.

Apresentada pela deputada Tabata Amaral (PSB-SP) e outros parlamentares, a proposta pretende usar o sistema de pagamentos instantâneos para agilizar e automatizar as transferências mensais referentes à pensão alimentícia. Pela medida, o juiz poderá autorizar que os valores sejam debitados diretamente da conta do devedor e repassados à parte credora por meio do Pix, sem necessidade de intermediários.

O objetivo é enfrentar a inadimplência e garantir mais celeridade aos repasses, beneficiando principalmente crianças e adolescentes que dependem desses recursos. “O ‘Pix pensão’ reduz o trabalho do Estado e beneficia os alimentandos, dificulta a vida do inadimplente contumaz e sinaliza à sociedade que não é mais possível ter um filho sem ter responsabilidade sobre ele”, afirmou a deputada Laura Carneiro (PSD), relatora da proposta.

Já aprovada pela Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados, a matéria agora segue para análise na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Mas, para se tornar lei, a proposta ainda precisa passar pelo plenário da Câmara e pelo Senado.

Ineficiência e brechas dificultam cobranças

Atualmente, a pensão alimentícia pode ser determinada em favor de filhos menores ou incapazes, ex-cônjuges, ex-companheiros e até filhos maiores. A previsão legal para essa cobrança está no Código Civil, no Código de Processo Civil e na Lei Federal 5.478/68. Na prática, porém, o cumprimento dessa obrigação ainda esbarra em diversos obstáculos.

Quando se trata de alimentos devidos por pais ou responsáveis a crianças e adolescentes, a homologação judicial é obrigatória — seja por acordo entre as partes, seja por decisão do juiz. E aí começam os impasses.

“Um equívoco comum nos acordos de pensão alimentícia é o pagamento de determinado custo, normalmente as consultas médicas e as atividades extracurriculares, é condicionado à aprovação prévia do pagador. Mas basta que ele ignore ou discorde para que o valor deixe de ser exigível”, explica a advogada Marina Dinamarco, especialista em Direito de Família e Sucessões.

Segundo ela, o processo costuma ser mais eficiente quando o devedor tem vínculo formal de trabalho, o que permite o desconto direto em folha. Já nos casos em que o alimentante é autônomo ou empresário, as dificuldades aumentam, visto que os rendimentos declarados no Imposto de Renda nem sempre condizem com a realidade. “Nessas situações, o Judiciário precisa se basear nos sinais exteriores de riqueza”, afirma Marina.

Por isso, o PL 4.978/2023 propõe autorizar que o juiz oficie diretamente às instituições financeiras, permitindo que efetuem por Pix a transferência mensal dos valores devidos. Caso não haja saldo disponível, o banco deverá comunicar o Banco Central para que os bens penhoráveis do devedor se tornem indisponíveis.

Na avaliação de Fábio Botelho Egas, especialista em Direito Sucessório e de Família e sócio do Botelho Galvão Advogados, o “pix pensão” busca incrementar e atualizar os procedimentos judiciais. Para ele, a proposta atualiza o já existente desconto em folha, agora com o uso direto do sistema bancário. 

“A novidade seria conferir uma roupagem mais atual e em consonância com os meios tecnológicos disponíveis, possibilitando os mesmos descontos em folha de pagamento, mas agora, diretamente junto ao banco perante o qual o devedor possui conta corrente”, pontua Botelho Egas.

Empresários individuais na mira da pensão alimentícia

Outro ponto do projeto que chama atenção é a previsão de desconto quando o devedor for empresário individual. Alberto Feitosa, advogado cível do Lassori Advogados, observa que, no modelo atual, a penhora pode recair sobre salário mediante ofício ao empregador, mas que isso não atinge profissionais liberais, autônomos ou empresários.

“Tais ordens de desconto automático podem não atingir essas pessoas, o que ocasiona novas demandas a quem deveria receber uma prestação continuada”, afirma Feitosa. Com isso, outro ponto de inovação do projeto é que caberá também à instituição financeira se manifestar sobre cumprimento de ordens ao juízo. “Permitindo a penhora de conta de empresário individual, sem necessidade de instauração de incidente de desconsideração de personalidade jurídica.”

Marina Dinamarco explica que isso é possível porque não há separação legal entre o patrimônio da empresa e da pessoa física. “É viável do ponto de vista jurídico o débito direto do empresário individual, porque nesse caso o patrimônio da empresa e do empresário são comuns e não possuem distinção”, afirma.

Ela esclarece que a proposta não alcança outras modalidades de empresa. “Caso haja uma sociedade empresária com demais sócios, este débito não está previsto em lei, a não ser que haja a desconsideração da personalidade jurídica, em hipóteses de configuração de fraude, abuso ou confusão patrimonial.”

Justiça sobrecarregada e riscos da proposta

Outro argumento favorável à proposta é o potencial de aliviar o Judiciário. “De fato, a iniciativa buscando dar efetividade ao instituto dos alimentos avança sobre devedores contumazes, grandes ‘clientes’ do Sistema de Justiça, por eles onerado”, observa Fábio Botelho Egas.

Na mesma linha, Alberto Feitosa ressalta que a proposta tem grande potencial de efetividade. Para ele, a implementação de uma ferramenta mais rápida de cobrança, especialmente em tempos de tecnologia bancária avançada, é um passo importante. No entanto, ele reforça a importância de ajustes. 

“Para que o projeto se torne efetivo e justo, é essencial que sejam definidos critérios objetivos para aplicação da medida, além da necessidade de fiscalização e revisão constante das ordens judiciais automáticas”, diz o advogado cível do Lassori Advogados.

Inclusive, apesar dos avanços, especialistas alertam para possíveis riscos de bloqueios indevidos e a necessidade de garantir o contraditório e a segurança jurídica.

“Risco sempre existe e precisará de atenção dos magistrados para ordenar uma única cobrança automática e não sejam múltiplos os descontos, tal como ocorre de forma recorrente na penhora de ativos financeiros”, afirma Dinamarco.

Ela defende que o sistema seja desenvolvido com regras claras de interoperabilidade entre o Judiciário, o Banco Central e as instituições financeiras, além de garantir transparência e mecanismos rápidos de contestação. 

Estatísticas sobre pensão alimentícia

Além de propor o Pix como mecanismo de pagamento, o projeto de lei prevê a publicação detalhada de estatísticas sobre processos de pensão alimentícia no Brasil. Pelo texto, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e os tribunais deverão padronizar atos processuais para viabilizar a coleta e o compartilhamento de dados. A medida visa subsidiar políticas públicas e aprimorar a eficácia da Justiça.

Em seu parecer, a deputada Laura Carneiro destacou que, apesar de o CNJ divulgar anualmente o relatório “Justiça em Números” — base de onde o InfoMoney buscou dados sobre os processos —, ele não aprofunda informações sobre a efetividade das ações de alimentos. “Precisamos de indicadores que mostrem, por exemplo, taxas de inadimplência ou tempo médio de repasse após a decisão judicial”, explicou a relatora.

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