A luta de mães atípicas do Rio que reescrevem a própria história para dar o melhor para seus filhos

Com pouca política pública eficaz em saúde, educação e assistência social, muitas mães precisam parar de trabalhar. RJ2 conversou com algumas que conseguiram voltar a estudar para melhorar o futuro das próprias famílias e de outras. A luta de mães atípicas do Rio que reescrevem a própria história para dar o melhor para seus filhos
Ao receber o diagnóstico de alguma síndrome atípica, como TDAH, Transtorno do Espectro Autista ou deficiência intelectual, muitas mães são obrigadas a parar de trabalhar e se dedicar em tempo integral aos filhos. Isso acontece porque nem o Estado, nem os municípios e nem a União oferecem redes de saúde, educação e assistência preparadas para atender essas crianças.
Diante das dificuldades, algumas dessas mulheres decidiram transformar a dor em ação: voltaram a estudar e ingressaram em cursos superiores com o objetivo de mudar a realidade dos filhos — e de outras famílias que enfrentam os mesmos desafios.
Victoria Ferreira é mãe do Francisco e do Antonio. Desde que recebeu o diagnóstico dos filhos, nunca mais voltou ao mercado de trabalho.
“Quando você recebe um laudo de uma condição que não vai mudar, a primeira reação é o choro. É muito difícil”, conta Victoria Ferreira, mãe de duas crianças com necessidades específicas.
A mulher deixa de existir. Vira só a mãe da criança com deficiência. Você vive em função da criança pra tudo.”
A rotina de cuidados é intensa e, muitas vezes, solitária.
“Quando nasce uma criança autista, a família vira uma família autista. E isso inclui irmãos, inclui avós, inclui os pais. No caso também os pais que resolveram ficar, porque muitas mães são solos na sua grande maioria de crianças com deficiência”, explica Rafaela França, mãe de três crianças com diagnósticos distintos.
Falta de políticas públicas
A falta de políticas públicas eficazes em saúde, educação e assistência social agrava a situação.
Domenique Menezes, mãe do Enzo, relata que precisou abandonar o emprego porque a escola não conseguia manter o filho por mais de uma hora: “Como trabalhar assim? As terapias, os exames, os medicamentos… tudo é difícil. Preferi me dedicar ao desenvolvimento do meu filho”.
Redes de apoio nascem da necessidade
Rafaela França, mãe de três crianças com diagnósticos distintos, criou o Núcleo de Estimulação Estrela de Maria, no Complexo do Alemão. O projeto já acolheu mais de 600 mães e crianças e atende 164 favelas no estado do Rio.
“Temos políticas públicas que não funcionam, principalmente em territórios vulneráveis”, afirma Rafaela, que voltou a estudar e hoje cursa Direito para lutar por inclusão e dignidade.
Outra iniciativa é o grupo Acolher+, criado por Flaviane, mãe do Benício, uma criança não verbal com múltiplos diagnósticos. O grupo orienta famílias sobre como obter o laudo médico — documento essencial para acessar direitos como mediadores escolares e benefícios sociais.
“O laudo é a porta de entrada para tudo”, explica.
Educação como ferramenta de transformação
Muitas mães decidiram voltar a estudar para transformar a realidade de seus filhos e de outras crianças. Talita Amaral, mãe da Angela, ingressou na faculdade de Pedagogia.
Acredito que a educação transforma. Quero que todas as crianças tenham alguém que as auxilie nesse processo.”
Victoria Ferreira, por sua vez, escolheu o curso de Letras com foco em educação inclusiva.
“Meu sonho é fazer a diferença na vida de crianças atípicas. Educar de verdade.”
O presente ideal
Com o Dia das Mães se aproximando, o desejo dessas mulheres vai além de flores ou presentes.
“Meu sonho é ver meu filho falar”, diz Domenique. “Esse seria o melhor presente.”
Selma Oliveira, mãe do Miguel, resume o sentimento de muitas.
A gente não pensa na gente como mãe. A gente pensa nos nossos filhos. Se eles estiverem bem, a gente vai ficar bem também.
O que dizem as secretarias de saúde
A Secretaria Municipal de Saúde, do Rio de Janeiro, informou que todas as equipes de saúde da família estão aptas a realizar o laudo provisório ou definitivo.
Sobre o caso de Miguel, explicou que ele tem um plano terapêutico feito pelo CMS Jorge Saldanha de Mello, mas faltou a cinco das 11 consultas em saúde mental agendadas este ano. Nesta quinta (8), ele compareceu a uma consulta, mas por conta das faltas, ainda não foi possível fechar o diagnóstico. Informou ainda que a mãe de Miguel também é assistida na unidade em grupo de cuidadores.
Em relação a Erick, a secretaria explicou que ele tem uma consulta com a equipe multiprofissional do CMS Newton Bethlem agendada para o dia 20 de maio para avaliação de diagnóstico de TEA. O laudo será emitido após o fechamento do diagnóstico.
Nota da SES-RJ
“A Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro esclarece que, embora não seja uma atribuição exclusivamente estadual, em abril de 2024, a SES-RJ criou o Centro Estadual de Diagnóstico para o Transtorno do Espectro Autista (Cedtea), no bairro da Gávea, na capital do estado, e que vem se consolidando como importante aliado para as famílias de crianças com TEA. O objetivo é apoiar os municípios e oferecer um diagnóstico precoce, principalmente crianças e adolescentes. Em pouco mais de um ano, a unidade já atendeu mais de 700 pacientes e realizou mais de 5,2 mil consultas.
O Centro atende os 92 municípios e conta com uma equipe multiprofissional composta por neurologista, neuropediatras, psiquiatras, psicólogos, neuropsicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, assistentes sociais e nutricionistas. Para ser atendido no Cedtea, o paciente precisa ser regulado pelas Clínicas da Família ou Unidades Básicas de Saúde municipais por meio do Sistema Estadual de Regulação.
A Secretaria tem ampliado os atendimentos do Cedtea com a contratação de mais especialistas em Psiquiatria, Neuropsicologia e Terapia Ocupacional.”
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