De ponta-cabeça (por Mary Zaidan) 

Nada nem ninguém boicota mais Lula e o seu governo do que o próprio presidente e os seus. Tudo parece combinado para dar errado. A ponto de, literalmente, virar o mundo de ponta-cabeça, como dizem os paulistas.

Na quinta-feira, enquanto o planeta compartilhava a euforia pela escolha de um novo Papa, Lula postava-se ao lado do russo Vladimir Putin e todo o mal que ele representa. No dia seguinte, foi o único governante de um país democrático a acompanhar a exibição de força do invasor da Ucrânia no desfile do Dia da Vitória, na Praça Vermelha. Ali estavam o chinês Xi Jinping e uma dezena de líderes autocráticos, entre eles Nicolás Maduro, que roubou a sua reeleição e, pelo menos oficialmente, não é reconhecido pelo Brasil como presidente da Venezuela.

Por aqui, o desgaste do governo corria solto, com foco na roubalheira no INSS que lesou milhões de pensionistas e aposentados com descontos mensais não autorizados. Mas os auxiliares de Lula estavam mais empenhados em culpar os denunciantes do próprio governo, em especial a Controladoria Geral da União (CGU), do que achar uma solução rápida para a ressarcir as vítimas da calhordice.

Até a boa notícia da semana – a redução da desigualdade medida pelo IBGE, com o índice Gini atingindo o menor patamar da série histórica iniciada em 2012 – foi ofuscada. No mesmo dia de um anúncio de tal relevância, o IBGE publicou a nova versão de um mapa-múndi bilíngue, no qual os continentes estão de cabeça para baixo.

A inversão dos pólos foi defendida com entusiasmo pelo presidente do Instituto, Márcio Pochmann, como estímulo à “reflexão sobre como nos vemos neste novo mundo em que as transformações ocorrem mais rapidamente e exigem um protagonismo brasileiro ainda maior”. Daí colocar o Brasil e a América do Sul no topo do mapa. Talvez a intenção de Pochmann tenha sido rivalizar com a estultice de Donald Trump, que rebatizou o Golfo do México como Golfo da América, conseguindo aprovar a imbecilidade na Câmara na semana passada.

Rebatido por servidores, incluindo os da área técnica do Instituto, que há tempos reagem à tentativa de uso do IBGE como instrumento político, Pochmann, que também teve uma gestão conflituosa no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no segundo mandato de Lula e no período Dilma Rousseff, exacerbou no seu gosto pela polêmica. Se o mapa-múndi com o Brasil ao centro, editado em 2023, podia ser defensável, inverter os pontos cardeais para lançar luzes no Sul global é algo inimaginável.

“A maior parte do mundo está acostumada a ver a América do Norte no Norte e a América do Sul no Sul, mas essa representação não é a única possível e nem a única registrada na história”, aponta a defesa oficial da publicação. Parece piada.

Para além dos memes, o que Pochmann conseguiu foi refletir a falta de bússola do governo Lula.

Chega a ser cruel. O governo tem indicadores fortes na geração de emprego, no crescimento da economia e, agora, na redução da desigualdade. Mas o bate-cabeça é tamanho que nada disso é percebido pelas pessoas. Não raro, Lula é cobrado por temas em que não tem lá tanta culpa, como no caso da segurança pública, cuja gestão cotidiana está constitucionalmente a cargo dos estados, muitos deles resistentes a dividir responsabilidades com o governo central. Noutras encrencas, como a da boataria da taxação do Pix (e aqui cabe lembrar que Pochmann era crítico feroz do Pix), a conivência com a ladroagem e a incompetência para ressarcir aposentados e pensionistas lesados, o governo tarda para reagir e falha na reação.

Há deficiência na comunicação, é fato, coisa que o santo Sidonio, marqueteiro alçado a ministro, não tem condão para resolver. Mas esse é o menor dos problemas. Lula, recolocado no Planalto em nome da democracia, insiste em gestos a autocratas. Seu governo, que começou como uma frente ampla – apoio e torcida de variados matizes de pensamento -, queria mesmo é ter adoradores, visto a velocidade em que descartou ideias diferentes às de seu antigo rol.

Sem agenda e sem programa, Lula 3 caiu nas mãos de oportunistas do Centrão que só ciscam para os seus currais ou bolsos. Como bem exibe o mapa de Pochmann, é um governo que nem mesmo sabe onde está o Norte.

PS: para os que gostam de ver o mundo pelo avesso, o mapa invertido está à venda na loja virtual do IBGE  por módicos R$ 15,00. Corra lá porque vai ficar na história.

 

Mary Zaidan é jornalista 

Adicionar aos favoritos o Link permanente.