PROJETO COMPROVA: Entenda como funcionam os algoritmos

Os algoritmos são códigos desenvolvidos para executar tarefas. Nos aplicativos de transporte, eles podem, por exemplo, sugerir o trajeto mais rápido de um ponto a outro; nos de delivery, podem mostrar os restaurantes em que você já fez algum pedido na tela inicial. Nas redes sociais, eles entendem que tipo de conteúdo você costuma gostar – seja ao analisar suas curtidas ou comentários, entre outros pontos – e sugerem apenas posts com potencial de te agradar, mesmo que contenham desinformação. A seção Comprova Explica traz informações sobre o funcionamento deles.

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Projeto Comprova

Foto: O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa, apartidária e sem fins lucrativos liderada pela Abraji – Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo

Comprova Explica: Quando navegamos nas redes sociais, somos apresentados a diferentes conteúdos, mas já parou para pensar quem escolhe o que vemos? São os algoritmos, criados por programadores seguindo instruções de empresas como X, TikTok e Meta, dona do Facebook e Instagram. “Eles não são neutros”, afirma Kérley Winques, professora e pesquisadora da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

Além de não serem neutros, os algoritmos, no caso das redes sociais, respondem a estímulos dados pelos usuários. Quanto mais você curte um tipo de conteúdo, mais eles te recomendam outros semelhantes – inclusive posts com desinformação. A seguir, a seção Comprova Explica mostra como eles funcionam e traz informações sobre a formação das chamadas bolhas, entre outros pontos.

O que são e como funcionam os algoritmos?

O dicionário Oxford traz duas definições para a palavra “algoritmo”: “sequência finita de regras, raciocínios ou operações que, aplicada a um número finito de dados, permite solucionar classes semelhantes de problemas” e “conjunto das regras e procedimentos lógicos perfeitamente definidos que levam à solução de um problema em um número finito de etapas”.

Segundo Paola Accioly, professora de Engenharia de Software do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o conceito de algoritmo é genérico, e significa um passo a passo com instruções para a execução de uma determinada tarefa. Nesse sentido, ela explica, pode ser feita uma analogia com a produção de um bolo, em que a descrição da receita seria um algoritmo para se chegar ao resultado final.

Em informática, os algoritmos são criados por meio de linguagens de programação, como Python. Nas redes sociais, explica a professora, são utilizados algoritmos de inteligência artificial, que aprendem, por exemplo, sobre o que o usuário gosta de ver para recomendar conteúdos parecidos. O objetivo é manter o usuário fidelizado à plataforma.

“Qualquer interação que uma pessoa fizer na rede social, os algoritmos vão estar aprendendo sobre o seu padrão de comportamento”, diz Paola Accioly.

A professora Kérley Winques explica que os algoritmos das redes sociais são programados por meio de códigos que, alimentados com dados dos usuários, geram resultados específicos, como filtrar informações e classificar conteúdos.

“A ideia de que esses códigos, por serem matemáticos, são neutros, não é verdadeira”, diz Kérley. “Há desenvolvedores humanos que tomam decisões em relação a que perguntas responder e companhias que gerenciam esses ecossistemas informacionais com objetivos comerciais.”

Por combinarem tecnologia e elementos sociais (como as preferências do usuário), explica Virgílio Augusto Fernandes Almeida, professor emerito do Departamento de Ciencia da Computaçao da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), esses algoritmos são chamados de “sociotécnicos”.

“Eles tomam decisão por nós”, diz Almeida. “Quando você abre, por exemplo, o TikTok ou o Facebook, os algoritmos já tomaram as decisões de te apresentar aquele conjunto de notícias, posts ou imagens que eles sabem que vão te agradar.”

Para Kérley, é importante entender que as redes sociais são interfaces projetadas para serem personalizadas, respondendo sempre aos nossos estímulos.

“Se eu curto mais determinado tipo de conteúdo, se sigo mais determinadas páginas, se comento mais em tais publicações, a tendência é que os algoritmos tornem o meu feed mais parecido comigo”, explica a professora da UFJF. “Ou seja, para que eu fique o máximo de tempo possível ali, eles precisam me apresentar um conteúdo que me agrade.”

Algoritmos das redes sociais

Nos últimos anos, empresas de redes sociais revelaram alguns aspectos do funcionamento dos seus algoritmos. Em 2023, a Meta, responsável pelo Facebook e Instagram, divulgou informações sobre o funcionamento dos algoritmos. Na página da empresa, consta que os sistemas de IA “oferecem uma experiência personalizada ao usuário”. “Nossos sistemas de IA tentam mostrar mais do tipo de conteúdo em que as pessoas demonstraram interesse, enquanto criam oportunidades para a descoberta de novas coisas que o sistema de IA prevê que elas podem curtir”, diz o site da Meta.

Em seguida, o site descreve o funcionamento de alguns sistemas de IA do Facebook e do Instagram, que influenciam, por exemplo, a ordem dos posts que aparecerão em seu feed, que comentários o usuário verá primeiro em um post e sugestões de conteúdo que ele não segue. “Essas decisões são resultado de ‘previsões’ que os algoritmos fazem de acordo com os conteúdos que você interagiu anteriormente”, diz Paola Accioly.

Segundo a professora, milhares de algoritmos podem funcionar ao mesmo tempo para coletar padrões de comportamento do usuário enquanto ele utiliza as redes sociais.

Também em 2023, a rede social X divulgou informações sobre o funcionamento dos algoritmos de recomendação de conteúdo. Os códigos executam funções como selecionar os tweets mais populares das contas que um usuário segue e prever aqueles com maior probabilidade de engajamento.

Já em relação às contas que o usuário não segue, os algoritmos do X estimam o que o usuário consideraria relevante analisando os engajamentos de pessoas que ele segue ou aquelas com interesses semelhantes e selecionando quais tweets e usuários são semelhantes aos seus interesses, entre outras funções.

Segundo o X, a linha do tempo “Para você” apresenta ao usuário, em média, 50% de tweets dentro da sua rede e 50% de tweets fora da sua rede. A empresa acrescenta que essa proporção pode variar de usuário para usuário.

O TikTok, por sua vez, explica que quando o usuário interage com um conteúdo, ele oferece uma variedade de sinais que são utilizados pela plataforma para definir uma pontuação para diferentes vídeos. Essa pontuação estima previsões de o usuário interagir com um conteúdo. Vídeos com maior pontuação são selecionados para aparecer na linha do tempo.

As bolhas e seus problemas

Ao apresentar aos usuários o que lhes agrada com o intuito de mantê-los conectados, formam-se as bolhas informacionais. “Os algoritmos, percebendo as características de quem está interagindo com eles, vão recomendando conteúdos. E não mostram o lado oposto, o diferente”, diz Almeida.

Um exemplo: se o usuário gosta do político de esquerda, os algoritmos entendem que, ao mostrar conteúdos elogiosos ao da direita, as chances de aquela pessoa sair da rede aumentam.

Esse monitoramento, como explica Paola, é feito analisando um sistema de pesos como quantos segundos você fica supostamente olhando para determinado conteúdo. “Se você ficou muito tempo ou se passou rapidamente, ele vai aprendendo o que você gosta para mostrar mais conteúdos parecidos com isso”, diz ela.

“Mas é uma armadilha ficarmos vendo só o que gostamos”, pontua Kérley. “Eu passo o tempo todo conversando sempre com o mesmo ciclo de pessoas e vendo os mesmos sites, a mesma perspectiva, os mesmos conteúdos sobre determinada vertente política. Isso vai me fechando nessa ideia de bolha. Passo a ter pouco contato com o diferente, com aquilo que me causaria estranhamento”, diz a especialista.

Ao se fechar, diz ela, a pessoa pode se tornar mais furiosa em torno do que acredita. “Ela fica tão fechada que passa a ter dificuldade de conversar com quem pensa de forma diferente.”

Além de nos fecharmos para a possibilidade de novas ideias, a tendência é ficarmos mais tempo na rede social e, como diz Kérley, “ao fazer isso, estamos cedendo nosso tempo para as empresas lucrarem”.

Como se precaver

Os especialistas ouvidos pelo Comprova dão algumas sugestões para tentar evitar que usuários caiam nas bolhas. Confira algumas:

  • Gostou do filme que acabou de ver em uma plataforma de streaming? Dê uma nota baixa. Assim, o algoritmo poderá sugerir obras diferentes daquela nas próximas vezes.
  • Mesmo que você apoie o candidato X, curta e comente posts do político Y. Isso bagunça o algoritmo.
  • Navegue por conteúdos contraditórios. Abra páginas que talvez você não leria, mesmo que apenas para personalizar o algoritmo para que ele não seja tão centrado em questões em que você já acredita.

“Mas isso são medidas individuais. A outra maneira de se precaver é resistir a isso por meio de regulações”, afirma Almeida. “Hoje não há regras sobre os algoritmos, e precisamos de mais transparência.”

Sobre isso, tramita na Câmara dos Deputados desde 2020 o PL das Fake News, que tenta regular as plataformas digitais, mas o texto nunca foi para votação no plenário. Recentemente, o governo federal começou a discutir um novo projeto, como a Folha mostrou, estabelecendo critérios para a remoção de posts criminosos, como os que contêm discurso de ódio.

Kérley concorda com Almeida na questão da falta de regulação, e destaca que plataformas como Facebook e Instagram se colocaram por muito tempo como empresas de tecnologia, mas são também empresas de mídia e precisam de regulação.

“Ao considerarmos essas plataformas como espaços midiáticos, teríamos a possibilidade de discutir a regulação. Acho que isso fortaleceria o debate sobre o funcionamento dessas plataformas, inclusive forneceria instrumentos para que o governo pudesse impor sanções mais rígidas em relação ao discurso de ódio, à questão da desinformação e tantas outras, inclusive ataques em escolas.”

Outro ponto que Kérley ressalta é a importância da educação midiática para todos os públicos. “O grande desafio é tornar as pessoas conscientes do funcionamento das redes sociais, para que elas também possam responder aos próprios estímulos sem se deixar levar por bolhas.”

Fontes consultadas: Os especialistas Virgílio Augusto Fernandes Almeida, Kérley Winques e Paola Accioly, sites de plataformas como Facebook, X e Instagram, e reportagens sobre o tema.

Por que o Comprova explicou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: Além de verificar posts potencialmente enganosos nas redes sociais, o Comprova publica conteúdos de educação midiática para ajudar o leitor a não cair em desinformação, como o texto Inteligência Artificial: o básico para entendê-la. Para quem quiser ir além, é possível fazer o minicurso Aprenda a identificar boatos nas redes.

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