Quando o sindicato erra o alvo: o caso da atriz Aline Borges

Em tempos de desinformação veloz, uma acusação infundada pode custar caro — não apenas à honra de uma pessoa, mas à credibilidade de uma instituição. Foi o que aconteceu recentemente com a atriz Aline Borges, acusada injustamente pelo SATED-RJ de exercer a profissão há mais de 25 anos sem registro profissional definitivo. A acusação foi prontamente desmentida: Aline possui DRT, sim.

É atriz com trajetória e com vasta atuação no teatro, na televisão e no audiovisual brasileiro. A pergunta que resta é: por que uma entidade responsável por proteger os artistas escolhe expor publicamente uma de suas integrantes sem sequer checar as informações?
Aline Borges é carioca, mulher negra, com mais de duas décadas dedicadas à arte de representar.

Em sua carreira, construiu personagens marcantes, entre eles Zuleica, no recente remake da novela Pantanal, da TV Globo. Em abril de 2025, ela estreou sua primeira vilã na novela Dona de Mim, também na emissora. No streaming, seu nome também se destaca em produções como Bom Dia, Verônica, Impuros, Arcanjo Renegado, Dom e Juntas e Separadas, com estreia prevista para o segundo semestre.

Uma carreira como essa não se constrói à margem. Aline não é uma aventureira em busca de holofotes — ela é, há décadas, uma profissional em pleno exercício de sua função, com competência, dignidade e documentação regular. Qualquer problema de ordem burocrática poderia ter sido tratado com responsabilidade institucional. Em vez disso, o que se viu foi uma tentativa pública de constrangimento, pautada mais em vaidade corporativa do que em zelo pela legalidade.

O episódio revela uma ferida mais profunda. Há tempos, a classe artística tem se distanciado do SATED-RJ. A maioria dos profissionais, técnicos e artistas deixou de se sindicalizar — não por desinteresse, mas por perceber que a entidade que deveria ser espaço de luta e acolhimento tornaram-se ineficaz, distante, e em alguns casos, hostis – como verificamos no caso de Borges. A denúncia equivocada feita pelo presidente da instituição não é o centro do problema — ele é um reflexo do que se tornou o ambiente institucional: burocrático, punitivo e pouco transparente.

É sintomático que um sindicato se mobilize para atacar uma atriz com décadas de trajetória e registro profissional, enquanto permanece em silêncio diante de questões estruturais que afetam a categoria. Onde estão as ações contra a precarização do trabalho nas produções teatrais e audiovisuais? Onde está o sindicato na luta pelos direitos autorais de seus artistas nos streamings?

A tentativa de expor Aline Borges revela menos sobre a legalidade de seu exercício profissional — já que a atriz possui, sim, registro profissional (DRT) — e mais sobre o modo como o sindicato tem se relacionado com a própria categoria. A denúncia soa deslocada, covarde e desproporcional diante de uma trajetória pública, contínua e respeitada.

Muitos artistas e técnicos deixaram de se sindicalizar não por descompromisso com a classe, mas por desilusão com estruturas que parecem ter perdido o foco em suas reais atribuições. O caso de Aline não deveria servir de palco para uma exposição punitiva, mas sim de alerta para uma discussão mais profunda: qual é, hoje, o papel do Sindicato dos Artistas e Técnicos do Rio de Janeiro diante das transformações do setor cultural?

A crise, ao que tudo indica, não está no DRT da atriz — está na distância crescente entre os profissionais da arte e a instituição que deveria representá-la com responsabilidade, escuta e respeito.

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