Contas não se sustentam sem compensar isenção do IR, diz Marcos Pinto, da Fazenda

Uma das principais apostas para alavancar a popularidade do governo Lula, a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, ainda está parada no Congresso. Depende agora de uma comissão especial. O secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Pinto, que fez parte do grupo que idealizou o projeto não tem dúvida de que o Congresso vai aprovar a proposta ainda este ano, a tempo para que a isenção comece a valer no ano que vem.

Ao InfoMoney Entrevista, Marcos Pinto disse contar ainda que o Congresso vai aprovar alguma compensação financeira para a isenção. “Tem que haver compensação, as contas públicas não se sustentam sem uma compensação adequada”, ponderou. A proposta do governo prevê, por exemplo, tributar em 10% quem ganha mais de R$ 100 mil por mês, mas parlamentares dizem que podem alterar esta parte do texto.

O secretário de Reformas Econômicas afirma confiar na habilidade do relator do projeto, o ex-presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL) para garantir uma compensação, mas reconhece que o governo não tem plano B. Segundo Marcos Pinto, um dos pressupostos fundamentais é que o ônus recaia só para quem tem mais capacidade de pagar.

“A população aprova a tributação mínima dos mais ricos em percentuais maiores do que aprova a isenção, porque é uma medida de justiça social”, acrescentou na entrevista.

Consignado CLT

O balanço do Crédito do Trabalhador, também conhecido como empréstimo consignado CLT, mostrou que foram emprestados na modalidade R$ 10 bilhões em pouco mais de um mês. Marcos Pinto disse na entrevista que o montante surpreendeu.

Questionado se a modalidade não aumentaria ainda mais o endividamento da população, ele afirmou que dados dos bancos mostram que mais de 60% dos empréstimos estão sendo concedidos para pagar dívidas pré-existentes.

“O trabalhador troca o empréstimo mais caro por um empréstimo mais barato e a prestação dele cai pela metade. Então, a gente acredita nesse mecanismo como um mecanismo de redução do endividamento também”, explicou o secretário.

Big techs

O Ministério da Fazenda preparou um estudo com recomendações, entre elas, dar mais poderes ao CADE, o órgão de defesa da concorrência no Brasil, para que ele possa tomar medidas específicas em relação às Big Techs para aumentar a competição, disse Marcos Pinto ao InfoMoney.

Um projeto de lei sobre o assunto está em discussão final na Casa Civil do governo e deve ser enviado ao Congresso ainda neste semestre. Segundo Marcos Pinto, precisa haver uma ação do governo para promover competição.

Confira os principais trechos da entrevista concedida por Marcos Pinto:

InfoMoney A isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil é uma das prioridades do governo. Mas a urgência foi retirada do projeto e ele vai passar por uma comissão especial. Corre o risco de o projeto atrasar e não ser votado este ano?

Marcos Pinto – O ex-presidente Arthur Lira traçou um cronograma para a votação na Câmara ainda no primeiro semestre. A ideia é concluir a votação na Câmara até julho. Isso daria tempo para a gente fazer uma boa discussão no Senado e também aprovar o projeto até o final do ano. O limite para aprovação do projeto é justamente o final deste ano, porque, para valer no ano que vem, a Constituição determina que projetos que modifiquem as regras do imposto de renda têm de ser aprovados no ano anterior à sua vigência.

IM- O senhor considera positiva a escolha de Arthur Lira como relator?

MP – Considero muito positiva, por várias razões. A primeira delas é que o presidente Arthur Lira sempre foi um grande parceiro dos projetos daqui do Ministério da Fazenda. Ele também demonstrou sempre um compromisso muito grande com responsabilidade fiscal e esse projeto tem uma dimensão de justiça social, de isentar alguns e tributar mais os que podem mais, mas ele também tem uma dimensão de responsabilidade fiscal. É preciso que toda a isenção seja compensada por uma tributação maior em outras áreas. O presidente Arthur Lira sempre foi muito cioso da responsabilidade fiscal. Além disso, ele já conhece o tema, tratou de discussões de imposto de renda anteriormente e é um ótimo interlocutor para o governo nessa discussão.

IM – Ele já deu algumas declarações de que manter a isenção é inevitável, mas que pode fazer alguma mudança na questão da compensação. Existe um temor de que essa compensação não seja votada? E como o governo arcaria com este ônus?

MP – A gente não tem esse temor. O presidente Arthur Lira disse que, como é de esperar, o Congresso Nacional pode mudar as compensações, e pode mudar a forma como essa compensação vai ser feita. Mas ele enfatizou, e eu acho que todos os parlamentares com quem a gente tem conversado também têm seguido essa linha, de que tem que haver compensação. As contas públicas não se sustentam sem uma compensação adequada. O Congresso legitimamente vai discutir qual é a melhor forma de fazer essa compensação.

IM – Além do previsto no texto do governo, quais outras propostas estão na mesa? Entraria ali, por exemplo, como uma possibilidade a taxação de 10% de dividendos? Em que pé está essa discussão?

MP – Foram apresentadas várias propostas, esparsas, nenhuma formalmente. Mas acho que mais importante, nesse momento, do que discutir as propostas específicas, é discutir os princípios. E acho que os princípios dos quais o governo não pode abrir mão são dois. O primeiro é a responsabilidade fiscal. A compensação tem que existir, ela tem que ser adequada para contrabalancear a isenção. Além disso, outro princípio muito importante é a justiça tributária. A gente enviou uma proposta que tributa menos os mais pobres e aumenta a tributação dos mais ricos. Qualquer que seja a compensação, a gente gostaria que o ônus dessa compensação recaia só para quem tem mais capacidade de pagar. Esse é um dos pressupostos fundamentais.

IM – Quando a Reforma Tributária entrar em vigor, vai reduzir a carga para o trabalhador e para quem ganha menos, já que contempla itens básicos da alimentação e que terão redução de impostos?

MP – Sim, a Reforma Tributária já aprovada vai reduzir bastante a carga tributária das pessoas com menos poder aquisitivo, porque ela vai ter um mecanismo de cashback. Então, as pessoas com renda menor vão receber grande parte do imposto de volta. Esse é um dos grandes mecanismos da Reforma Tributária. Tem também algumas alíquotas mais baixas para determinados serviços que são consumidos prioritariamente pela população de mais baixa renda. Mas é importante a gente entender o seguinte. Mesmo com a Reforma Tributária, o ônus da tributação sobre consumo – que é a tributação que vai ter com os dois impostos que vão substituir o ICMS, o ISS e o PIS e Cofins – acaba recaindo proporcionalmente mais sobre os mais pobres. Porque eles consomem 100% da sua renda, não têm espaço para poupar. Então, acho que o caminho no futuro para o Brasil é reduzir a tributação sobre o consumo e aumentar a tributação sobre a renda, mantendo a carga tributária no atual nível.

IM – O balanço de um mês do consignado para o trabalhador com carteira assinada mostra que foram mais de R$ 10 bilhões em empréstimos. Isso foi abaixo do esperado?

MP – Na verdade não, surpreendeu muito para cima. O consignado CLT já existe há cerca de 20 anos, a gente reformou o produto. Ao longo de 20 anos, ele acumulou um estoque de R$ 40 bilhões de empréstimos. A gente fez em pouco mais de um mês R$ 10 bilhões. Tudo isso em um aplicativo novo, recém-criado, e com enorme competição entre os bancos. Tem uma lista de mais de 30 bancos competindo pelos clientes nesse aplicativo. A gente esperava um volume muito menor. Só para você ter uma ideia, o governo e as instituições financeiras esperavam fazer em dois anos cerca de R$ 70 a R$ 100 bilhões. A gente já fez R$ 10 bilhões só no aplicativo do governo em pouco mais de um mês. Então, está bem acima das expectativas.

IM – Agora, isso mostra dois lados também. Um é que muita gente aderiu ao programa, mas o outro é que a população está se endividando.

MP – Sim, mas a gente tem dados que os bancos apresentaram e eles mostram que mais de 60% dos empréstimos estão sendo concedidos para pagar dívidas pré-existentes. E a diferença da taxa de juros é muito grande. Hoje, um Crédito Direto ao Consumidor (CDC) custa cerca de 7% ao mês. No consignado privado, a alíquota está entre 3% e 4%. Então, o trabalhador troca o empréstimo mais caro por um empréstimo mais barato e a prestação dele cai pela metade. A gente acredita nesse mecanismo como um mecanismo de redução do endividamento também. O que pesa, no final das contas, no bolso das pessoas, é a taxa de juros, é o custo do empréstimo. Não é só repagar o principal. E a gente está reduzindo bastante esse custo com o novo produto.

IM – Você falou de taxas de 3% a 4%. Tem perspectiva de reduzir mais essas taxas?

MP – Temos sim. É um produto novo, os bancos estão se adaptando, estão percebendo qual o risco do produto. A população também está começando a entender esse produto. A portabilidade está começando a funcionar agora. Este custo ainda vai cair bastante ao longo do tempo. Na medida em que os bancos ficarem mais confortáveis com o produto, o histórico dos clientes for sendo entendido, vai ter uma boa redução das taxas de juros ainda.

IM – A gente está falando de empréstimo, de taxas de juros, e o Banco Central acaba de elevar mais os juros. Quando você coloca mais dinheiro no mercado, você tem uma tendência de aumentar a inflação. E para controlar a inflação, o Banco Central vai aumentar mais os juros. Não se gera aí um círculo vicioso?

MP – Não. Pelo contrário. No curto prazo, esse dinheiro novo na economia pode gerar alguma pressão de demanda que vai ser contida pela política monetária do Banco Central. Mas, no longo prazo, à medida que você aumenta o estoque de crédito na economia, você aumenta a eficácia da política monetária. O Banco Central precisa subir menos os juros para ter um impacto igual na demanda. Os próprios diretores do Banco Central já ressaltaram que esta política estrutural vai beneficiar a política monetária, vai fazer com que o Banco Central possa subir menos os juros para ter o mesmo impacto na demanda que ele gostaria de ter para reduzir a inflação. Eu acho que é uma questão de um ou dois anos.

IM – Em relação à taxação das big techs, existe uma proposta em andamento no Ministério da Fazenda que está analisando o assunto. Em que pé está essa proposta?

MP – A gente divulgou, no ano passado, um estudo para a sociedade com as nossas recomendações. Basicamente, são que o direito concorrencial tradicional não está dando conta de lidar com esse fenômeno das big techs. São empresas muito grandes que exercem influência sobre diversos mercados e elas estão capturando todo o ganho de produtividade que essa revolução tecnológica trouxe e, muitas vezes, usando essa posição dominante para obter vantagens ou cobrar preços acima dos preços concorrenciais. Então, precisa haver uma ação do governo, não para limitar preço, mas para promover competição. Nossa recomendação nesse estudo foi dar mais poderes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que é o órgão de defesa da concorrência no Brasil, para que ele possa tomar medidas específicas com relação às big techs para aumentar a competição. Existe um projeto de lei que hoje está em discussão final na Casa Civil, junto com os outros ministérios que estão envolvidos, e a gente espera ainda esse semestre enviar o projeto para o Congresso.

IM – Sobre outro projeto, que é a garantia de PIX para as micro e pequenas empresas. Já existe algo formulado ou ainda é uma ideia?

MP – A gente já tem a formatação do programa, que é basicamente permitir que o microempreendedor use o fluxo de recebíveis do PIX dele para se financiar, então ele usa aquilo como garantia do financiamento. Ao tomar o dinheiro emprestado, ele vai estar antecipando esse fluxo, e aí quando receber os PIX, o dinheiro já vai ser distribuído para o financiador. O produto está formatado, agora tem um processo de desenvolvimento de tecnologia da informação pelo Banco Central. O Banco Central tem vários produtos que estão sendo desenvolvidos. Tem o PIX parcelado, tem esse produto do PIX garantia. É um projeto de tecnologia da informação, demora um tempo. O que o Banco Central nos informou é que o período de desenvolvimento vai ser ao longo desse ano para que ele esteja implementado no ano que vem. Só depende de regulamentação do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional e da tecnologia disponível, não precisa de lei.

IM – Já estamos quase na metade do ano e o próximo ano é eleitoral, então a agenda do Congresso fica mais apertada. Vai dar tempo de entregar tudo isso?

MP – Acredito que sim. Eu trato aqui de reformas microeconômicas que tem vários projetos em tramitação. A gente enviou oito projetos de reformas de longo prazo para o Congresso nesses dois anos e já aprovamos três. Faltam cinco, e mesmo esses cinco já tiveram andamentos. Alguns foram aprovados na Câmara, outros no Senado, a gente está confiante que vai conseguir até o final desse ano aprovar, se não todos, a esmagadora maioria desses projetos, assim como esses projetos de maior impacto, como o Imposto de Renda e o Crédito do Trabalhador. Essas são as duas principais prioridades.

IM – Eu vou insistir com a pergunta da compensação da isenção do Imposto de Renda. O Congresso dá garantia de que a primeira parte do projeto da isenção até 5 mil reais vai ser votada, mas não dá garantia da segunda parte, da tributação dos mais ricos. Como é que se resolve essa equação?

MP – Na medida que a gente foi explicando isso para o Congresso, o nível de apoio à tributação dos mais ricos também aumentou, e foi muito interessante a gente entender o que a população pensa do assunto. A população aprova a tributação mínima dos mais ricos em percentuais maiores do que aprova a isenção, porque é uma medida de justiça. Hoje, um assalariado paga 27,5%, enquanto pessoas que ganham mais de R$ 1 bilhão tem uma alíquota efetiva de 1,5%. O trabalhador olha isso e fala: tem um bilionário que recebeu R$ 1 bilhão num ano e pagou 1,5% de imposto de renda, e do outro lado estou eu aqui pagando 27,5%, isso é justo? Essa injustiça é muito impopular, corrigi-la é muito popular, e a gente tem sentido o Congresso cada vez mais pegando carona nisso e entendendo que aqui tem um tema popular para dar seguimento.

IM – Essa é a bala de prata? Você considera que, se aprovar a isenção do IR, foi uma gestão de sucesso?

MP – Olha, a gente já fez muita coisa bacana aqui na Secretaria. Começou com o Pé-de-Meia, que eu acho que é um dos programas mais interessantes. É o meu programa favorito no Governo Federal, porque que dá bolsas e poupança para os alunos permanecerem no Ensino Médio. Mais do que isso, dá uma poupança para eles começarem a vida adulta com um mínimo de dignidade, com um pé-de-meia mesmo, para concluir o Ensino Médio e poder mudar de cidade, se passar no vestibular em outra cidade, poder montar um pequeno negócio. É um programa que reduz evasão escolar, que promove igualdade de oportunidades. Também tem o Desenrola, que renegociou mais de R$ 50 bilhões de dívida, gastando menos de R$ 2 bilhões de dinheiro público, com o mecanismo de leilão, com o mecanismo de participação no mercado, que foi muito interessante. E tem mais esses dois projetos que a gente gostaria de concluir. Tanto o Crédito ao Trabalhador, que ainda precisa da aprovação no Congresso, e o Imposto de Renda. É a primeira vez que o Brasil está fazendo de verdade essa discussão de justiça tributária.

IM – Só voltando aqui à questão do Pé-de-Meia, já que você disse que é o seu programa preferido. Ele chegou a ser embargado pelo Tribunal de Contas da União, depois foi liberado, mas ainda existe uma pendência orçamentária que o governo precisa resolver no Congresso. Como esta questão orçamentária vai ser resolvida?

MP – O governo deve enviar um projeto com suplementação para o Pé-de-Meia neste ano. O que falta para colocar no orçamento é um volume não tão relevante assim, algo de R$ 1 bilhão, R$ 2 bilhões. E tem a questão do ano seguinte. O governo já se comprometeu no orçamento de 2026; o programa está inteiramente dentro do orçamento. Então, o caminho está dado, está organizado para blindar, eu diria assim, o Pé-de-Meia, para que os beneficiários do programa não tenham nenhuma dúvida de que vão continuar recebendo os recursos.

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