Criada para os ‘desvalidos’, educação profissional sofre preconceito no Brasil

Educação profissionalizante pode mudar vidas, diz senador Marcos Pontes (PL-SP). – Foto: Unochapecó/Divulgação/ND

“Desde a origem, a educação profissional foi pensada como um caminho para os pobres e desvalidos — e esse estigma ainda persiste no Brasil”. A afirmação foi feita por Cleunice Matos Rehem, presidente do Fórum Nacional das Mantenedoras de Instituições de Educação Profissionalizante (EPT- BRASILTEC), durante reunião nesta quarta-feira (14) no Senado.

Em tom crítico, Cleunice Matos abriu a primeira reunião de 2025 da Frente Parlamentar em Defesa da Educação Profissional e Tecnológica, que reúne 39 senadores, do PL ao PT. O encontro reuniu especialistas e parlamentares para discutir entraves históricos e atuais que impedem a valorização do ensino técnico, mesmo sendo apontado como solução concreta para problemas como o desemprego juvenil e a falta de mão de obra qualificada.

A defasagem é alarmante. Segundo Rehem, apenas 11% dos jovens brasileiros estão matriculados em cursos técnicos, enquanto a média dos países da OCDE ultrapassa 60%. No Reino Unido, o índice chega a 100%. “Como podemos estar acomodados diante de realidades como essa?”, questionou. “O desemprego entre jovens brasileiros atinge 27%, e essa taxa tem relação direta com a ausência de qualificação profissional.”

Ela também destacou o papel das parcerias público-privadas como estratégia essencial para ampliar a oferta de cursos. “O Brasil ainda engatinha nessa área. Precisamos de apoio institucional para propor políticas públicas eficazes”, afirmou.

Empresários relatam ‘apagão de mão de obra’

Segundo dados aprsentados na reunião, mais de 80% dos empresários brasileiros têm dificuldade em preencher vagas por falta de qualificação técnica. O problema, segundo os participantes, não é apenas estrutural, mas também cultural. “Já superamos muitos obstáculos, mas ainda convivemos com preconceito em relação à formação técnica. É urgente mudar essa percepção”, disse Rehem.

Gustavo Leal Sales Filho, diretor-geral do SENAI, alertou que, embora a educação profissional esteja ganhando espaço no mundo, o Brasil enfrenta um cenário crítico. “Setenta e cinco por cento das empresas no mundo já relatam dificuldade em encontrar pessoas com o perfil adequado.

No Brasil, esse número é ainda maior: chega a 81%”, afirmou o diretor do Senai. Segundo ele, a situação se agrava com o avanço da informalidade. Dados revelam que hoje, 38% dos profissionais brasileiros atuam fora do mercado formal.

Sales Filho também destacou a crescente plataformização do trabalho. “Em 2022, mais de 1,5 milhão de brasileiros estavam vinculados a aplicativos de serviços. Muitos jovens buscam flexibilidade, mas é preciso mostrar que a educação profissional oferece um caminho mais sólido”, completou.

Setor privado quer ser incluído no debate

Para a vice-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Escolas Técnicas (ABMET), Ana Paula Calaes, o setor privado tem papel essencial e frequentemente negligenciado na educação profissionalizante. “Somos 6.780 escolas particulares, atendendo mais de um milhão de alunos. Temos escolas centenárias, com expertise e capilaridade para contribuir”, afirmou.

Ela defendeu a criação de um “Fies Técnico”, com juros zero, para democratizar o acesso ao ensino técnico. “Hoje, o financiamento é voltado quase exclusivamente para o ensino superior. Isso não faz sentido. A educação técnica também precisa de apoio financeiro”, disse. Calaes defende ainda a união de diferentes setores políticos em torno da pauta: “Está na hora de tirar a educação técnica da tangente”.

Frente parlamentar discute educação profissional

Marcos Pontes foi ministro no governo Bolsonaro – Foto: Bruno Peres/MCTIC. – Foto: Bruno Peres/MCTIC/ND

Consenso político e urgência nacional

O senador Marcos Pontes (PL-SP), coordenador da frente parlamentar, destacou que 39 senadores, de diferentes partidos, integram o grupo. “Sou do PL, o vice é do PT. Esquerda e direita estão juntas porque essa é uma pauta de país. A educação profissional muda vidas. Eu mesmo sou fruto dela”, declarou.

Pontes criticou o baixo orçamento para programas estratégicos como o ProAntar, voltado à pesquisa. “O Brasil investe R$ 190 milhões por ano. Só o que foi desviado do INSS pagaria esse programa por 30 anos. Estamos desperdiçando dinheiro enquanto jogamos a educação profissional de lado.”

Izalci Lucas (PL-DF), ex-secretário de Ciência e Tecnologia e também membro da frente, defendeu uma política de Estado para o setor. “Temos os piores índices do mundo. Apenas 12% dos jovens brasileiros fazem curso técnico. Setenta e oito por cento nem estudam, nem trabalham. A concepção da educação profissional no Brasil está distorcida — e precisa mudar.”

“Vejo com preocupação politicas para educação hoje”, diz Marcos Pontes

O senador Marcos Pontes disse ao portal ND mais que uma das prioridades do seu mandato é justamente fortalecer o ensino profissionalizante no país, lembrando da sua própria trajetória. “Quando eu terminei o ensino fundamental, resolvi fazer dois cursos técnicos (um de eletricista no SENAI e outro de técnico em eletrônica no Liceu Noroeste)”.

“Foi a maneira que encontrei para terminar o ensino médio com uma formação profissional. E olha aonde cheguei”, completou Marcos Pontes. Por isso, o senador faz questão de chamar a atenção para a necessidade de investimento na área, e da importância de mostrar que a educação profissional é uma excelente solução para os brasileiros se posicionarem no mercado.

Ainda de acordo com o senador, “infelizmente, a educação não é prioridade neste governo”. Marcos Pontes afirmou ainda que no pacote de corte de gastos divulgado no final do ano passado, o governo federal retirou R$ 42 bilhões, nos próximos 5 anos, do orçamento do MEC.

Esses cortes, na avaliação do senador e ex-integrante do governo, afetam diretamente a qualidade do ensino, a infraestrutura das instituições e o incentivo à pesquisa e inovação.

“Os dados não mentem. 32,5% dos municípios do país estão na faixa de baixo desenvolvimento em educação. 57% das turmas do ensino fundamental não têm professores com formação adequada”, pontuou Marcos Pontes, citando dados da Firjan – a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro.

 

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