Entenda o papel do Fundeb na reivindicação feita por professores que entraram em estado de greve

A crise financeira enfrentada por Novo Hamburgo se agravou também no campo político e educacional. Professores da rede municipal decidiram entrar em estado de greve após o prefeito Gustavo Finck (PP) anunciar que não concederia a reposição salarial em 2025. A decisão acirrou os ânimos da categoria, que inicialmente foi informada de que o reajuste seria apenas adiado, mas depois ouviu do próprio prefeito que ele não ocorreria neste ano.

Nesta quinta-feira (15), no entanto, a Prefeitura apresentou uma proposta, com reposição da inflação para os próximos anos, mas que ainda será avaliada pelo funcionalismo.

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Manifestação dos professores

Foto: Bruna de Bem/GES-Especial

A negativa de reposição neste ano foi o estopim para que o Sindicato dos Professores Municipais (SindprofNH) convocasse assembleia e aprovasse o estado de greve no início desta semana. A categoria reivindica 5,2% de reposição, correspondente à inflação do período de março de 2024 a março de 2025, além da equiparação do vale-alimentação entre os servidores da educação e de outras áreas.

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Fundeb no centro da discussão

O principal argumento apresentado pelo sindicato envolve o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), composto por repasses federais obrigatórios aos municípios. Ou seja, o dinheiro não vem dos cofres da Prefeitura. Por lei, os municípios devem aplicar no mínimo 70% do valor recebido do Fundeb no pagamento de profissionais da educação em efetivo exercício, o que inclui professores, diretores e coordenadores pedagógicos. Os 30% restantes podem ser utilizados em outras despesas ligadas à manutenção e desenvolvimento do ensino.

Segundo a presidente do SindprofNH, Luciana Martins, o valor recebido pela Prefeitura aumentou em 2025. “O que nós sustentamos é que não falta orçamento para repor a inflação, porque hoje a nossa folha de pagamento é paga com o Fundeb, que está em dia, repassado pelo governo federal, e que teve um acréscimo no mês de janeiro”, afirmou.

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Segundo o governo federal, a projeção de arrecadação do Fundeb para 2025 foi revisada para cima. Em portaria interministerial publicada no final de abril pelos ministérios da Educação e da Fazenda, a estimativa das receitas vinculadas ao fundo passou de R$ 325,5 bilhões para R$ 339 bilhões, um acréscimo de R$ 13,5 bilhões (4,15%). Com isso, o total de complementação da União ao Fundeb subiu de R$ 56,5 bilhões para R$ 58,8 bilhões.

Além disso, foram reajustados os valores mínimos por aluno definidos nacionalmente. O Valor Anual por Aluno do Fundo (VAAF-MIN) passou de R$ 5.447,98 para R$ 5.699,17, e o Valor Anual Total por Aluno (VAAT-MIN), de R$ 8.006,05 para R$ 8.071,76. A atualização é feita a cada quatro meses, conforme determina a lei de regulamentação do novo Fundeb, e tem como objetivo otimizar a aplicação dos recursos e reduzir distorções na distribuição entre os entes federativos.

A presidente do SindprofNH argumenta que esse acréscimo confirma a viabilidade de aplicar a reposição salarial aos professores. “O município está ganhando mais em termos deste fundo e não quer repassar o salário das professoras e dos professores”, acrescenta Luciana Martins.

Afinal, é um fundo federal?

Conforme o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, o Fundeb é um recurso orçamentário como outros que compõem o caixa dos municípios, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) ou o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). “Ele entra no orçamento geral e tem parte vinculada à educação, mas não é um valor separado do restante da arrecadação do município”, explica.

“Se o professor ganha R$ 10 mil e não há dinheiro para pagar a folha, é o mesmo problema de atraso para qualquer outro servidor. O Fundeb cobre parte disso, mas se não for suficiente, a Prefeitura precisa complementar com outros recursos. E se não houver, vira uma questão de política orçamentária”, afirma Ziulkoski.

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Apesar de ser repassado mensalmente com critérios nacionais, Ziulkoski explica que o Fundeb não é composto por recursos da União. “O Fundeb, em primeiro lugar, é um dinheiro que não tem um centavo de dinheiro federal. Ele apenas se intitula como dele, mas não é verdade. No Rio Grande do Sul, o dinheiro do Fundeb vem de um fundo contábil no Banco do Brasil, o governador entra com 20% de impostos e o município também e, depois, o valor é redistribuído conforme o número de alunos”, explica. “Não estou defendendo o prefeito, eu tô mostrando que o dinheiro que entra em Novo Hamburgo é um dinheiro que entra por aluno, dentro da cota estadual”, acrescenta o presidente.

Ainda segundo ele, é improvável que um prefeito desvie esse recurso para outras áreas, pois isso seria crime. “A totalidade do valor do Fundeb é, sim, usada em educação, e isso é fiscalizado. Mas como o gasto com o magistério representa até 30% da folha total, pode acontecer de o valor do Fundeb não ser suficiente para cobrir tudo.”

Ziulkoski ressaltou que, na prática, quase todos os municípios cumprem essa exigência legal. “Se o prefeito não aplicar corretamente o Fundeb, responde por crime de responsabilidade. Mas isso não significa que o valor seja suficiente para cobrir todos os salários. Quando o gasto com pessoal ultrapassa a cota do Fundeb, o município precisa complementar com recursos de outras áreas. E se não houver saldo, o pagamento pode ficar comprometido”, concluiu.

Conforme o próprio governo federal, o Fundeb é um fundo especial, de natureza contábil e de âmbito estadual, composto por recursos provenientes de impostos e das transferências dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, vinculados à educação. “Independentemente da fonte de origem dos valores que compõem o fundo, todo o recurso gerado é redistribuído para aplicação exclusiva na manutenção e no desenvolvimento da educação básica pública, bem como na valorização dos profissionais da educação”, diz o governo.

“Motivação política”

Em meio ao impasse, o prefeito publicou um vídeo em suas redes sociais alegando que o movimento grevista teria motivações políticas, mencionando que a presidente do sindicato também é vereadora. A fala inflamou ainda mais os servidores, que interpretaram a declaração como um ataque à legitimidade do movimento. A tendência, segundo representantes da categoria, é de que a adesão à greve aumente caso não haja recuo ou abertura de diálogo por parte do governo.

A paralisação por tempo indeterminado pode ser deflagrada já na próxima segunda-feira (19), caso não haja sinalização de mudança até o fim desta semana.

Servidores da Comusa também estão em estado de greve

Além dos professores da rede municipal, os servidores da Comusa – Serviços de Água e Esgoto de Novo Hamburgo – também decidiram entrar em estado de greve. A medida foi aprovada em assembleia conduzida pela Associação dos Funcionários da Comusa (Ascom), após o anúncio da Prefeitura de que não haverá reposição salarial neste ano.

Entre os servidores, circula a percepção de que a recomposição já estaria contemplada na revisão tarifária de 25% aprovada para a conta de água em 2024. “Existe esse comentário, até foi feito já por um vereador na tribuna”, disse Dagoberto Ribeiro, tesoureiro da Ascom. No entanto, segundo o diretor-geral da Agesan, Demetrius Gonzalez, esse entendimento não procede.

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“A revisão tarifária da Comusa não considerou qualquer dissídio neste ano para os funcionários. Ela considera os dissídios a partir de 2026, quando haverá novo reajuste tarifário. Quando homologamos esse valor de 25%, consideramos os salários de 2024, sem nenhum aumento”, afirmou Gonzalez. Ele destacou ainda que a própria Comusa, ao enviar os dados para a agência reguladora, não previu aumentos salariais para este ano.

Nesta semana, uma comissão de servidores foi recebida pela direção da Comusa, que se comprometeu a apresentar as reivindicações em reunião do secretariado da Prefeitura, agendada para 2 de junho. Um retorno está previsto para o dia 6. Até lá, os trabalhadores permanecem em estado de greve e estudam mobilizações.

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