Farra no INSS: “Fábrica de assinaturas” forjava 600 filiações por dia

Documentos oficiais, depoimentos e relatórios sigilosos obtidos pela coluna mostram o funcionamento de uma verdadeira “fábrica de filiações” montada pela Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais do Brasil (Conafer) para aplicar descontos indevidos em aposentadorias e pensões do INSS. O escândalo foi revelado pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023 (saiba mais abaixo).

A engrenagem da fraude se sustentava sobre um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) firmado com o INSS em 2017. Com base nesse acordo, a Conafer enviava listas com CPFs e dados de supostos associados diretamente à Dataprev, que processava os descontos de 2% a título de contribuição sindical. O problema: a maioria das autorizações não existia ou era falsificada.

Para manter a aparência de legalidade, a confederação recorreu à contratação de empresas privadas para forjar documentos em larga escala.

Delator
O coração da fraude foi exposto no depoimento espontâneo de um delator, que colaborou com as investigações. Ele revelou que a Conafer contratou a empresa Target Pesquisas de Mercado por R$ 750 mil para montar os processos de filiação que dariam cobertura documental aos descontos. A Target, por sua vez, subcontratou a Premiar, que atuava na produção de autorizações forjadas.

Segundo o delator, a Premiar era responsável por “proceder o recolhimento de assinaturas e documentos de eventuais ‘associados’, com a finalidade de legalizar, ou seja, dar aparência de legalidade às ausências de assinaturas ou documentos constantes dos arquivos enviados ao INSS”. Ele admitiu que a empresa era especializada na falsificação de assinaturas e manipulação de documentos, prática que sustentava a indústria das filiações inexistentes.

Conforme a coluna revelou, as atividades da “fábrica” atingiram seu auge durante a pandemia de Covid-19. Entre abril e julho de 2020, com agências do INSS fechadas e beneficiários mais vulneráveis, a Conafer incluiu 73.108 novos descontos, uma média de mais de 600 por dia. O volume chamou atenção de órgãos de defesa do consumidor e do Ministério Público, que começaram a receber uma enxurrada de reclamações.

Denúncia
Idosos de diversas partes do país relataram nunca terem ouvido falar da Conafer. Muitos souberam dos descontos apenas ao consultarem extratos previdenciários. Quando questionada, a confederação alegava equívocos no envio de CPFs ou falhas operacionais. Um inquérito policial, que apurou o caso, foi instaurado em 2020 após um e-mail enviado à Promotoria de Defesa do Consumidor do MPDFT por um policial civil. Ele descobriu descontos indevidos nas aposentadorias dos pais e levantou suspeitas de que os dados estariam sendo obtidos ilegalmente.

No documento, o denunciante afirmou estar cansado de registrar boletins de ocorrência com situações semelhantes. Afirmou também que o esquema se sustentava na certeza de que poucas vítimas exigiriam o estorno de valores relativamente baixos. Quando, em julho de 2020, o INSS solicitou à Conafer os documentos comprobatórios das filiações, a confederação alegou dificuldades internas e a pandemia como entrave para apresentar os dados. A recusa levou à suspensão do ACT.

Internamente, a Conafer adotava medidas para impedir vazamentos. Um Termo de Confidencialidade imposto aos funcionários proibia, sob pena de sanções, a divulgação de salários e da natureza do trabalho realizado na entidade. A prática, segundo apontam investigadores, visava blindar a movimentação financeira e intimidar eventuais denunciantes.

A investigação apontou indícios de lavagem de dinheiro e enriquecimento ilícito. Durante o auge da fraude, a Conafer constituiu a empresa Agropecuária e Mineração Lagoa Alta LTDA, em nome de Carlos Roberto e da esposa, Bruna Braz de Souza Santos Lopes. Um dos ativos adquiridos foi uma fazenda em Minas Gerais avaliada em mais de R$ 3 milhões.

Farra no INSS
O escândalo do INSS foi revelado pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023. Três meses depois, o portal mostrou que a arrecadação das entidades com descontos de mensalidade de aposentados havia disparado, chegando a R$ 2 bilhões em um ano, enquanto as associações respondiam a milhares de processos por fraude na filiação de segurados.

As reportagens do Metrópoles levaram à abertura de inquérito pela PF e abasteceram as apurações da Controladoria-Geral da União (CGU). Ao todo, 38 matérias do portal foram listadas pela PF na representação que deu origem à Operação Sem Desconto, deflagrada em 23 de abril, e que culminou nas demissões do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e do ministro da Previdência, Carlos Lupi.

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