Alemanha abandona a austeridade e vira “mais um” a aliviar regras de controle fiscal

Lembram da Alemanha orgulhosa por sua austeridade fiscal e pela força econômica desde o início dos anos 2000? Virou uma lembrança do passado. O rígido controle fiscal nos governos de Angela Merkel e no longo período em que as Finanças estiveram sob os cuidados de Wolfgang Schäuble, na verdade, hoje é criticado até por conservadores. A política econômica alemã dos últimos tempos tem seguido uma linha comum a várias outras nações.

Como parte das negociações para formar uma coalizão com o SPD, de centro-esquerda, o centrista de direita CDU, do novo chanceler Friedrich Merz, aliviou o “freio da dívida” estabelecido constitucionalmente, de um déficit anual de, no máximo, 0,35% do PIB.

O freio da dívida tornou-se juridicamente vinculativo para o governo federal em 2016 e para os estados em 2020. Em 2014, Schäuble já havia conseguido apresentar um orçamento equilibrado do país pela primeira vez em 45 anos. O termo “zero negro” foi cunhado para marcar a conquista de Schäuble e se tornou um slogan político, com despesas e receitas convergindo para o equilíbrio

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Mas a emenda aprovada pelo Parlamento em março passado estabeleceu que despesas com a defesa superiores a 1% do PIB não estarão sujeitas a qualquer limite de endividamento.

Além disso, foi criado um fundo extraorçamentário de € 500 bilhões para gastos adicionais em infraestrutura, dos quais € 100 bilhões serão destinados a investimentos relacionados ao clima. Isso deve dar algum incremento à atividade econômica, que agora destoa pelo lado negativo até dos pares europeus. O prazo para os gastos desse fundo é de 12 anos.

E o país ainda está pressionado pelos compromissos assumidos de ajuda à Ucrânia e sua guerra com a Rússia. Assim, não deve escapar de aceitar a “sugestão” dos Estados Unidos para que os aliados na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) elevem seus gastos militares para o equivalente a 5% do PIB. Seriam 3,5% diretamente ligados a armas e munições e 1,5% relacionados à infraestrutura de defesa. Hoje, a Alemanha gasta pouco menos de 2%, no total.

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Pelos cálculos da própria Alemanha, cada ponto percentual de aumento desses gastos equivale a 50 bilhões de euros anuais. A Otan deve definir os novos limites e metas em junho.

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Esse “choque de realidade” na Alemanha chega a ser irônico. A dupla Merkel e Schäuble, foi a principal arquiteta de um plano da UE para oferecer à Grécia um limite de até cinco anos para resolver seus problemas fiscais ou sair da zona do euro, plano chamado pela mídia de “Grexit”. E em 2017, o ministro das Finanças da Alemanha criticou Bruxelas pela decisão de não aplicar sanções a Portugal e Espanha por terem falhado em cumprir suas metas de déficit.

Como lembrou o Financial Times em reportagem recente, a Alemanha se orgulhava tanto de sua austeridade que havia em Stuttgart um monumento com um enorme zero negro, que representava o compromisso do país com um orçamento equilibrado. O zero primeiro mudou de cor, para verde, e depois foi aposentado e está escondido hoje em um depósito. E mais de uma localidade havia relógios digitais mostrando a dívida do país.

O aparato de controle da dívida alemã começou a receber críticas quando o país flertou com a recessão, em 2019. Quem se opunha à regra fiscal em vigor sentia que a Alemanha havia desperdiçado anos de finanças saudáveis que poderiam trazer oportunidade de reinvestimento em inovação. Isso se tornou um prenúncio da turbulência da década de 2020.

Aí veio a pandemia de Covid-19, que interrompeu cadeias de suprimento, enquanto a invasão da Ucrânia pela Rússia e as sanções subsequentes cortaram da Alemanha o fornecimento de petróleo e gás baratos, vitais para sua indústria. Uma queda adicional na demanda em um mercado de exportação crucial, a China, agravou os problemas para as maiores empresas da Alemanha, particularmente para os fabricantes de automóveis.

Agora, segundo cálculos do think tank Bruegel, é certo que a dívida alemã aumentará, embora possa se manter em patamar sustentável. Assumindo um crescimento nominal entre 2,5% a 3% e gastos militares de longo prazo de 3% a 3,5% do PIB, a dívida deve convergir para algo em torno de 100% do PIB.

Só que essa virada nas finanças alemãs podem criar complicações na governança europeia. As regras fiscais da União Europeia admitem a elevação de gastos com a defesa, mas dificultam o uso de um fundo de infraestrutura. Para permitir maiores gastos alemães, as regras podem ter que mudar, por exemplo, definindo o “valor de referência” para a dívida de 60% para 90% do PIB.

E os novos gastos militares alemães podem exacerbar a fragmentação da indústria de defesa europeia, uma vez que o governo pretende focar no fornecimento interno. Do ponto de vista da defesa e da UE, isso não faz sentido, segundo o Bruegel.

(Com informações de Reuters, Financial Times, Die Zeit, Deutsche Welle e Der Spiegel)

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