Muito além do cristal: o que explica explosão do garimpo em Cristalina

Tradicional pela abundância de cristais em seu solo, Cristalina (GO) sempre conviveu com o garimpo ao longo dos quase 110 anos do município goiano. A extração, lapidação e venda do material foi por muito tempo a principal fonte de renda dos moradores da região, perdendo o protagonismo de forma natural com o crescimento do agronegócio. Mas, nos últimos meses, a cidade vem passando por uma transformação e vendo o garimpo explodir novamente, porém a um nível jamais visto. Tudo isso devido não ao cristal, mas a outro material: o óxido de ferro.

12 imagens

Cristal com óxido de ferro

Aguinaldo Matos, 56 anos
Aguinaldo trabalha com garimpo e lapidação há mais de três décadas
Pedra de cristal lapidada por Aguinaldo
Pedra de cristal lapidada por Aguinaldo
1 de 12

Cristalina é conhecida pelo garimpo de cristais

Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)

2 de 12

Cristal com óxido de ferro

Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)

3 de 12

Aguinaldo Matos, 56 anos

Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)

4 de 12

Aguinaldo trabalha com garimpo e lapidação há mais de três décadas

Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)

5 de 12

Pedra de cristal lapidada por Aguinaldo

Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)

6 de 12

Pedra de cristal lapidada por Aguinaldo

Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)

7 de 12

Lapidação de pedra de cristal

Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)

8 de 12

Garimpeiros e lapidários reclamam de operação policial

Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)

9 de 12

Fachada do Mercado do Cristal, em Cristalina (GO)

Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)

10 de 12

Willian Souto é vice-presidente da Associação dos Artesãos, Garimpeiros e Mineradores de Cristalina

Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)

11 de 12

Cristais vendidos no Mercado do Cristal

Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)

12 de 12

Allisson Gotardo Feitosa da Silva, delegado-chefe da Delegacia de Cristalina

Breno Esaki/Metrópoles (@brenoesakifoto)

Após a operação da Polícia Civil de Goiás (PCGO) realizada em 7 de maio, que prendeu 57 homens e 15 mulheres suspeitos de garimpagem ilegal na região, o Metrópoles foi a Cristalina e conversou com garimpeiros, lapidários, artesãos, revendedores, autoridades policiais e a população em geral para entender o novo cenário. Todos confirmam que, há alguns meses, o garimpo vem crescendo de forma desenfreada.

“Desde o ano passado, a gente vem tendo uma procura muito grande pelo óxido de ferro. É um material muito fácil de ser extraído, porque ele ‘dá’ quase no solo, a menos de dois metros de profundidade”, explica o vice-presidente da Associação dos Artesãos, Garimpeiros e Mineradores de Cristalina, Willian Souto. “Com isso, aumentou também a procura dos garimpeiros para extração desse minério”, afirma.

“Assim, passamos a ter não só os garimpeiros que já atuavam, mas também profissionais que deixaram seus trabalhos rumo ao garimpo”, conta Willian Souto. Ele atesta que Cristalina passou a receber até mesmo pessoas de outras regiões, dada a facilidade de escavação do óxido de ferro e a oportunidade de venda do material. “Acaba que sai um pouco do controle”, pontua o vice-presidente da associação dos profissionais do setor.

Estima-se que um quilo do óxido de ferro custe cerca de R$ 30, e que cada garimpeiro seja capaz de extrair até 10 quilos diariamente. A partir dessa conta simples, deduz-se um lucro de R$ 300 por dia; mais de R$ 2 mil por semana; e mais de R$ 8 mil por mês. Sem contar o garimpo e a venda do cristal, que continua de forma paralela.

Os números acima podem induzir um bom lucro individual, indicar uma oportunidade profissional e justificar o aumento do garimpo em Cristalina. Mas, como dito anteriormente, o aumento do garimpo vem sendo maior do que se imagina, quebrando recordes de toda a história de Cristalina. Em 10 de maio, por exemplo, a Polícia Militar de Goiás (PMGO) apreendeu mais de 15 toneladas de minerais em uma residência na região, quantidade jamais vista em posse de uma só pessoa no município. O produto foi avaliado em R$ 500 mil pelas autoridades, e um homem foi preso em flagrante porque não possuía autorização para a extração do minério.

“Alguns dias após a operação [que prendeu mais de 70 pessoas], tivemos a prisão em flagrante de um indivíduo que tinha em sua posse cerca de 15 toneladas de cristais. Figurou-se, então, o crime de usurpação de matéria-prima da União”, explica o delegado-chefe da Delegacia de Polícia de Cristalina (GO), Allisson Gotardo. “Os autos foram remetidos para a Justiça Federal, onde também será dada a destinação adequada ao material”, conta Gotardo.

Afinal, para que serve o óxido de ferro? E quem está comprando?

O destino do óxido de ferro que vem sendo extraído do solo de Cristalina ainda é um mistério. A PCGO evita falar a partir de especulações da população, e os garimpeiros e empresários do setor também não fazem menção sobre os compradores do material.

“Temos informações muito superficiais [sobre quem está comprando o óxido de ferro], não dá para afirmar nada”, responde o delegado Allisson Gotardo. Ele explica que cabe à Polícia Federal tirar tais dúvidas. “Destinação, compradores e informações mais aprofundadas acerca dessa rede de compradores e sua estrutura ficarão a cargo da Polícia Federal”, declara. “Continuaremos contribuindo com o compartilhamento de dados que cheguem até a PCGO e apurando fatos que não tenham relação com o crime federal de usurpação de matéria-prima da União — no caso, o cristal e o óxido de ferro.”

O engenheiro de minas Roberto Ulisses, coordenador nacional de câmaras de engenharia de minas e geologia no DF junto ao Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea), explica o que é o óxido de ferro. “É uma combinação dos elementos químicos ferro e oxigênio em proporções definidas. O óxido de ferro é o elemento básico que compõe o minério de ferro. Os minérios de ferro economicamente viáveis são a hematita, que tem cerca de 70% de ferro, e a magnetita. Existem outros que não são óxidos, mas sim hidróxidos, como a goethita e a limonita, mas que não são tão valiosos”, conta. “É normal você ter veios de quartzo no corpo de minério de ferro, e não o contrário. Normalmente o quartzo ocorre como incrustações do minério de ferro”, prossegue Roberto.

“Hoje, uma tonelada de minério de ferro com teor de 70% a 80% de ferro custa em torno de 100 dólares”, calcula Roberto.

O especialista aposta, no entanto, que, se há de fato compradores de outros estados brasileiros e até do exterior, o interesse é de fato no quartzo, e não no óxido de ferro. “Eu não acredito que estejam comprando minério de ferro, mas sim o cristal de quartzo, porque o quartzo tem maior valor econômico. O quartzo tem várias aplicações nas indústrias ótica, médica, eletroeletrônica, construção civil…”, comenta.

Quanto ao dano do garimpo ao solo, o engenheiro atesta que “não há atividade minerária que não degrada o ambiente”. “A lavra do bem mineral tem consequências ambientais. O problema é que há muita coisa ilegal, e o poder público é ineficiente e não tem recursos e não tem capacidade para cobrir o território nacional. As grandes mineradoras são fiscalizadas e mantêm programas de preservação e conservação ambiental, mas as pequenas empresas não fazem isso”, opina.

Sentimento de injustiça

Para além das dúvidas envolvendo o óxido de ferro, ecoa na população um sentimento de injustiça com a operação que prendeu mais de 70 pessoas no último dia 7 de maio. Os garimpeiros, lapidários e integrantes da Associação de Artesãos, Garimpeiros e Mineradores apontam que garimpo é tradição secular da cidade e reclamam da dificuldade de regularização.

O lapidário Aguinaldo Matos, 56 anos, acredita que a maioria das pessoas presas sequer sabia da necessidade de autorização para o garimpo. “São cidadãos que trabalham de maneira artesanal, com uma enxadinha, catando cristaizinhos por cima [do solo]”, aponta. “Imagina só esse rapaz que foi preso e está proibido de garimpar. Como vai ser para ele cuidar da família, alimentar os filhos?! Isso é muito preocupante”, diz o profissional.

“A lei tem de ser cumprida, mas as pessoas que vivem nessa atividade cultural deveriam primeiramente serem informadas, orientadas, e não houve esse devido cuidado”, lamenta Aguinaldo.

Aguinaldo admite que está com medo a partir da recente operação policial. “Trabalho com lapidação artesanal, tenho muitas pessoas na família que ainda vivem do garimpo”. “É difícil você ser colocado como bandido por exercer uma atividade cultural, que vem de geração em geração”, declara.

O lapidário acredita que a invasão a propriedade privada apontada pela PCGO na operação do último dia 7 tenha sido realizada por visitantes. “Quem fez isso são pessoas de fora, de outra cidade, aproveitando o bom momento do garimpo para poder ganhar dinheiro. Correu a notícia de que o garimpeiro estava ganhando um valor X por dia e despertou o interesse dessas pessoas”, aposta Aguinaldo.

Cooperativa

O vice-presidente da Associação de Artesãos, Garimpeiros e Mineradores, Willian Souto, confirma a intenção de se criar uma cooperativa de profissionais do ramo do garimpo, a fim de criar uma união no setor e regularizar os profissionais. “A associação já faz um trabalho nesse sentido há alguns anos. Em 2020, definimos ações para as próximas duas décadas e, dentro desse planejamento, uma das ideias a criação da cooperativa”, comenta.

“Até tentamos criar a cooperativa dois anos atrás, sem êxito naquele momento. Mas hoje os garimpeiros entendem que eles precisam, sim, de uma organização através de uma cooperativa poder poder estar trabalhando legalmente”, analisa Willian.

Há 36 anos na profissão, o lapidário Aguinaldo Matos é favorável à criação da cooperativa. “Nós vamos atrás da Câmara Municipal para nos orientar, vamos procurar nos adequar”, afirma. “A Prefeitura vai nos apoiar, tenho certeza disso”, profetiza.

Como se regularizar

A regularização para garimpagem é feita junto à Agência Nacional de Mineração (ANM). Para obter autorização, o interessado deve, primeiro, estar cadastrado no Sistema de Dados Cadastrais da agência.

Com esse cadastro feito, basta pedir à ANM a permissão de lavra garimpeira (PLG). O processo também é feito online, por meio deste link, preenchendo as informações solicitadas.

No mesmo site, há detalhes sobre quem pode se regularizar, mais detalhes sobre a permissão de lavra garimpeira, contatos para dúvidas e outras informações.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.