Cientista explica risco de mutação gerar uma pandemia de gripe aviária

*O artigo foi publicado pelo professor de clínica médica e medicina laboratorial Klinger Soares Faíco Filho, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), e publicado na plataforma The Conversation Brasil.

Nas últimas décadas, viemos assistindo a uma silenciosa aproximação entre vírus aviários e o corpo humano. E entre todas as ameaças potenciais, o vírus da gripe aviária, especialmente o H5N1, está no topo da lista de organismos que preocupam cientistas e autoridades de saúde no mundo todo.

Recentemente, o Brasil registrou, pela primeira vez, um foco de gripe aviária em granja comercial, e não apenas em aves silvestres. Pode parecer mais um dado técnico, mas esse evento altera significativamente o cenário de risco.

Isso porque, quando o vírus se instala em ambientes com alta densidade de aves e constante presença humana, como granjas, aumenta-se muito a chance de o vírus sofrer mutações. Mutações que, eventualmente, podem facilitar a transmissão entre pessoas, algo que ainda não ocorre de forma sustentada com o H5N1.

O que é o H5N1?

O H5N1 é um tipo de vírus Influenza A. Ele circula principalmente em aves, mas pode infectar mamíferos, incluindo humanos, em condições específicas. Até o momento, os casos em pessoas são raros, mas graves: a taxa de letalidade ultrapassa 50% entre os infectados confirmados pela OMS.

Felizmente, a transmissão entre humanos ainda é extremamente rara. Mas isso pode mudar, e é esse risco que nos obriga a atenção contínua.

Por que a mutação é uma preocupação real?

Os vírus Influenza têm uma capacidade natural de mutar. Eles trocam partes do seu material genético (em um processo chamado rearranjo gênico) quando dois tipos diferentes infectam o mesmo hospedeiro. Se isso acontecer entre um vírus aviário e um vírus humano, pode surgir uma nova variante com o pior dos dois mundos: alta letalidade e fácil transmissão.

Foi algo semelhante que aconteceu com o H1N1, em 2009. Ele tinha genes mistos de gripe humana, suína e aviária — e se espalhou rapidamente pelo planeta.

O que muda com o foco comercial?

O vírus circulando em granjas significa exposição contínua e massiva de humanos ao patógeno. É diferente de um caso isolado em aves silvestres. Trabalhadores dessas granjas estão em contato direto com secreções, fezes, plumas e superfícies contaminadas. Cada exposição é uma oportunidade de o vírus se adaptar.

Além disso, o contato próximo com mamíferos, como suínos ou até mesmo gado (em surtos recentes nos EUA), pode funcionar como uma ponte evolutiva para que o vírus “aprenda” a infectar melhor humanos.

Estamos preparados?

Em tese, sim. O Brasil tem sistemas de vigilância bem estruturados tanto na saúde animal quanto na humana. Mas o elo entre essas áreas precisa ser fortalecido. A estratégia chamada “One Health” (“Saúde Única”) propõe exatamente essa integração — saúde humana, animal e ambiental atuando em conjunto.

É fundamental monitorar trabalhadores expostos, oferecer testagem rápida, garantir o uso de equipamentos de proteção e fortalecer os protocolos de biossegurança nas granjas.

Além disso, precisamos ampliar o sequenciamento genético de amostras positivas, tanto em aves quanto em pessoas com sintomas respiratórios em áreas de risco.

O que a população precisa saber?

Antes de tudo: não há risco de contrair gripe aviária ao comer frango ou ovos, desde que estejam devidamente cozidos. O risco real está no ambiente de criação intensiva de aves e na vigilância da cadeia de transmissão.

Outro ponto importante é a comunicação pública responsável. Pânico não ajuda. O que precisamos é de atenção técnica, prevenção e capacidade de resposta rápida: aprendizados que a pandemia de COVID-19 deixou bem evidentes.The Conversation

Siga a editoria de Saúde e Ciência no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto!

Adicionar aos favoritos o Link permanente.