Europa em busca de novo centro (por Marcos Magalhães)

Poucas palavras estarão mais presentes nos livros de História contemporânea do que Brexit. O divórcio litigioso entre o Reino Unido e a União Europeia, decidido em plebiscito em 2016, foi uma espécie de senha para a radicalização política que se seguiu. Nove anos depois, algumas luzes ainda claudicantes podem indicar um retorno à moderação.

Foi em junho de 2016 que 17,4 milhões de britânicos votaram para deixar a EU – ou 51,9% do total. Optaram por permanecer na Europa 16,1 milhões de eleitores – ou 48,1%. Pouco mais de um milhão de nacionalistas levaram a Grã-Bretanha a um voo solo ainda incerto.

Em 8 de novembro, nos Estados Unidos, ocorreu uma eleição ainda mais apertada. Donald Trump perdeu no voto popular para Hillary Clinton – 46,1% a 48,2% dos votos. Mas conquistou a Casa Branca por meio do Colégio Eleitoral – 304 a 227 votos.

As decisões tomadas pelos dois países aceleraram tendências como o nacionalismo e a xenofobia. Embora nenhum outro país tenha deixado a EU desde então, sentimentos pró-Brexit, nacionalistas e contra imigrantes e refugiados até hoje afetam o Velho Continente.

De lá para cá, o governo conservador britânico patinou nas promessas e acabou derrotado, nas urnas, pelo Partido Trabalhista. Os Estados Unidos deram uma chance ao democrata Joe Biden, mas tiveram uma recaída ao eleger Trump mais uma vez em 2024.

Ao iniciar seu segundo mandato, Trump não perdeu tempo ao mostrar que pretende cumprir as promessas contra os imigrantes, motivando os que pensam como ele em vários países europeus.

Por outro lado, deixou rapidamente claro que a Europa não está mais no centro de suas atenções. Ao contrário, deixou claro que seu governo não está disposto a financiar por tempo indefinido a segurança dos países aliados do outro lado do Atlântico.

O abandono anunciado ocorreu enquanto está bem viva a guerra na Ucrânia. Ninguém sabe ainda ao certo quando começará o cessar-fogo. Enquanto isso, líderes das principais capitais europeias articulam-se em busca da própria segurança.

Esse foi um dos principais motivos para a retomada das negociações entre o Reino Unido e a União Europeia. Negociações que levaram a um primeiro acordo, celebrado em Londres na segunda-feira, destinado a tornar o Brexit mais suave. Um “reset” nas relações.

O acordo contém, naturalmente, cláusulas comerciais. As principais dedicam-se a tornar mais fáceis as trocas de produtos alimentícios. Os dois lados também concordaram em manter o acordo pesqueiro até 2038 e a elaborar um mercado comum de eletricidade.

A novidade mais importante, porém, talvez seja o acordo em defesa e segurança, especialmente em tempos de guerra na Ucrânia e de exigência, por parte dos Estados Unidos, que o Velho Continente cuide de si mesmo.

O Reino Unido agora vai tomar parte do plano de defesa da União Europeia, com investimentos totais previstos em 150 bilhões de euros. Os dois lados reconheceram, como observou a revista inglesa The Economist, que “reconstruir a defesa europeia sem a participação britânica não seria uma ideia sensata”.

O acordo para dar um novo rumo às relações entre o arquipélago e o continente deve ser visto mais como o início de um processo de reaproximação. Mesmo assim, foi anunciado com entusiasmo pelo primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, que aproveitou a ocasião para lembrar de recentes acordos com dois outros países – Índia e Estados Unidos.

“A Grã-Bretanha está de volta ao palco global”, disse Starmer após a cerimônia realizada em Lancaster House, um luxuoso e antigo palácio no centro de Londres. “O acordo foi um marco nas relações com a União Europeia”.

Pode ser também um novo começo para o próprio governo de Starmer, que sofre dura oposição dos conservadores, enquanto o continente luta para manter fora do poder as tendências mais nacionalistas, xenófobas e autoritárias.

O fim de semana mostrou como ainda estão divididas as forças políticas no Velho Continente. O primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, conseguiu levar à vitória sua Aliança Democrática, de centro-direita, com 32% dos votos, mas não terá maioria no Parlamento.

Os socialistas vieram em segundo lugar, com 23,4% dos votos. E o movimento de extrema-direita Chega veio logo atrás, com 22,6%. A centro-direita vai ter que chegar a um acordo com outras forças políticas para governar.

A imigração foi o tema que levou ao crescimento do Chega. Segundo dados oficiais, já existem 1,5 milhão de imigrantes no país, com efeitos na oferta de serviços públicos.

Também houve eleições na Europa Oriental. Na Romênia, o resultado soou bem aos demais países da EU. Venceu no segundo turno o centrista independente Nicusor Dan, apoiador declarado do bloco. O eurocético George Simion teve 46,4% dos votos.

Na Polônia permanece o suspense. Rafal Trzaskowski, atual prefeito de Varsóvia e considerado pró-EU, recebeu 31,36% dos votos no primeiro turno, no domingo. O historiador ultraconservador Karol Nawrocki teve 29,54% dos votos.

Quem ganhará no segundo turno? Como de hábito, nesse momento europeu, é muito difícil prever. Mais fácil é observar que persiste um clima político polarizado. Existem passos à direita e à esquerda. Mas não como antigamente.

A centro-direita e a centro-esquerda têm se unido em alguns países, como a Alemanha, para isolar a ultradireita nacionalista e xenófoba. Pode vir a acontecer o mesmo na formação do novo governo português.

O acordo celebrado por Keir Starmer pode ser o principal passo na busca de um novo centro. Ao mesmo tempo isola a direita radical britânica e reaproxima seu país do continente europeu. Mas foi só um começo.

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