O Eternauta: a surpreendente história por trás do sucesso da Netflix

O Eternauta, série argentina que conquistou o público mundial na Netflix, completa quase um mês desde seu lançamento como um dos conteúdos mais assistidos da plataforma. A produção, que já garantiu renovação para uma segunda temporada, esconde em sua trama de ficção científica uma poderosa conexão com a resistência contra a ditadura militar que assolou a Argentina nos anos 1970, trazendo críticas ao autoritarismo e às desigualdades sociais.

A obra, baseada nos quadrinhos homônimos de Héctor Germán Oesterheld e Francisco Solano López, apresenta uma Buenos Aires devastada por uma tempestade de neve tóxica que mata milhões de pessoas. Neste cenário apocalíptico, Juan Salvo e um grupo de sobreviventes precisam enfrentar uma ameaça invisível que se revela ser uma invasão alienígena, em uma narrativa que mistura suspense, drama e crítica social.

A história por trás da ficção

Héctor Oesterheld, criador da história original publicada entre 1957 e 1959, utilizou inicialmente a obra para abordar os temores da Guerra Fria, com pessoas vivendo sob o medo constante de ataques de destruição em massa. Em 1969, uma nova versão da história foi encomendada para tratar mais abertamente de temáticas políticas, momento em que o autor passou a criticar de forma mais direta o autoritarismo e as desigualdades sociais.

Imagem de O Eternauta, da Netflix - Metrópoles
Com seis episódios, a produção foi escrita por Bruno Stagnaro e Ariel Staltari

O quadrinista e sua família tornaram-se vítimas diretas da repressão política que assolou a Argentina. Em 1976, o país sofreu um duro golpe militar, e a ditadura ficou marcada por repressão, censura e desaparecimentos. Héctor e suas quatro filhas – Diana, Estela, Beatriz e Marina – foram sequestrados em 1977 após integrarem um grupo de oposição ao regime, e nunca mais foram vistos, permanecendo até hoje na lista de desaparecidos políticos.

O legado de resistência na américa latina

A história de Oesterheld encontra paralelos com outras vítimas de regimes autoritários na América Latina. Assim como Eunice Paiva, que teve parte da vida retratada em Ainda Estou Aqui – produção brasileira vencedora do Oscar de Melhor Filme Internacional em 2025 –, Elsa Sánchez, esposa de Héctor, também dedicou sua vida à busca por justiça e à preservação da memória da família.

O Eternauta transcendeu seu status de obra de ficção para se tornar um símbolo de resistência política na América Latina. Segundo o pesquisador Fábio Bortolazzo Pinto, doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), a obra de Oesterheld representa uma importante crítica social que reflete o contexto político argentino do final da década de 1960, tornando-se um marco cultural que permanece relevante até os dias atuais.

A adaptação que conquistou o mundo

A série da Netflix, criada e dirigida por Bruno Stagnaro e coescrita com o roteirista e ator Ariel Staltari, conseguiu capturar a essência da obra original em seus oito episódios. A produção mantém o equilíbrio entre a narrativa de ficção científica e as críticas sociais presentes na história original, permitindo que uma nova geração de espectadores conheça esta importante obra da cultura latino-americana.

O sucesso internacional da adaptação demonstra como histórias locais com contextos históricos específicos podem ressoar globalmente quando abordam temas universais como resistência, opressão e sobrevivência. A renovação para uma segunda temporada confirma o interesse do público pela narrativa e abre caminho para que mais aspectos da rica história por trás da obra sejam explorados.

A produção argentina se estabelece como um importante marco na representação da memória histórica através da ficção, seguindo uma tendência de obras que utilizam elementos fantásticos para discutir traumas coletivos. Ao trazer à tona a história de Héctor Oesterheld e sua família, O Eternauta não apenas entretém, mas também preserva a memória de um período sombrio da história latino-americana, reafirmando a importância da arte como instrumento de resistência e transformação social.

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