Alunos denunciam agressões e trotes violentos no internato do Colégio Agrícola

Os chamados trotes, normalmente aplicados por estudantes veteranos de instituições de ensino nos mais novatos, viraram caso de polícia em São Leopoldo. Isso porque a metodologia, que muitas vezes serve para recepcionar alunos mais novos, acabou com agressões e humilhações, por longos períodos, segundo adolescentes do Centro Estadual de Educação Profissional Visconde de São Leopoldo (Ceepro), conhecido como Colégio Agrícola.

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Escola Agrícola fica no bairro Feitoria, em São Leopoldo



Escola Agrícola fica no bairro Feitoria, em São Leopoldo

Foto: Divulgação

A divulgação dos casos veio à tona há poucas semanas, mas, conforme denunciantes, os trotes violentos já acontecem há tempos no local.

Nos últimos dias, pelo menos, três famílias registraram ocorrência por conta de agressões a jovens no local. Os adolescentes, de 15 e 16 anos, são moradores da região e ficam no internato da instituição – que oferece o Ensino Médio junto aos cursos de Técnico Agropecuário e Técnico de Florestas.

Provas

“As agressões contra o meu filho começaram esse ano, quando ele entrou, em fevereiro. Mas elas já ocorrem há mais tempo. São feitas pelos meninos mais velhos, do 2º ano e 3º ano, que batiam nos mais novos, que entram no 1º ano”, contou a mãe de um dos estudantes novatos, que tem 15 anos. Ela relata que o jovem só contou aos pais o que acontecia, depois que um colega chegou em casa com marcas no corpo e foi questionado pela família. “Ele contou que vinham sofrendo agressões na escola, que eram obrigados a fazer provas de resistência e que eles não podiam contar em casa, pois ‘seria pior’”, disse.

Os agressores teriam entre 16 e 18 anos. A família alega que buscou a direção da escola, que informou que tomaria as medidas cabíveis e que faria uma reunião com os pais dos envolvidos. O estudante de 18 anos, inclusive, teria sido expulso. Mas os demais continuam na escola. Por isso, a família resolveu por tirar o jovem do colégio. “Nós tivemos que tirar nossos filhos, que foram agredidos, mas os agressores estão na escola”, reclamou a mãe.

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Mãe alega que escola não amparou estudantes

Mãe de outro adolescente, de 16 anos, que também estaria sofrendo agressões, conta que o filho queria muito entrar no Ceepro e estava gostando do local, não querendo nem voltar para a casa aos fins de semana. Só que a situação mudou. “Ele começou a chegar em casa revoltado, não queria mais ficar posando na escola. Perguntava o porquê e ele não falava nada. Até que minha mãe notou que ele passava muito a mão na cintura, com expressão de dor. Num momento em que ele estava dormindo, ela puxou a bermuda dele e viu que tinham marcas na cintura”.

O jovem disse que não poderia contar o que estava acontecendo, por ser uma regra antiga entre os internos. Mas, após conversar com outras famílias, a mãe acabou descobrindo e pressionou o adolescente a relatar. Numa das provas, os veteranos teriam amarrado os novatos, em duplas, e os obrigado a rastejar embaixo das camas, no menor tempo possível. Pela ação, o jovem ficou com marcas de queimaduras e machucados na cintura. A direção foi procurada, mas teria insinuado que o adolescente estaria mentindo e poderia ter feito a marca fora do ambiente escolar. A mãe trocou o filho de instituição. “Não estamos falando mal do ensino do colégio, mas sim das atitudes: em nenhum momento ampararam os alunos, não deram uma assistência pra nós.”

“Se não fizesse, ia apanhar igual”, diz aluno que sofreu agressões

“Um dos castigos era tomar banho gelado em um cano que saía do banheiro e não tem tampa. A água jorrava direto nele e depois botaram ele, de cueca, na frente do ventilador”, contou outra mãe, sobre uma das penalizações impostas a quem fazia algo que poderia afetar o grupo todo. O filho dela, de 16 anos, passou pelas agressões, e, naquele dia, havia chegado atrasado.

“Eles escolhiam um dia da semana e faziam as ‘provas’, que eles decidiam antes. Tinham umas que eram mais tranquilas e umas mais violentas. E quem perdia as ‘provas’ levava ‘selo’, que é tapa na nuca”, relata o jovem.

“E eles geralmente não davam muita opção de não fazer. Se não fizesse ia ser ‘bicho’ (como calouros da faculdade) e ia apanhar igual”, conta o adolescente, citando que não chegou a ver ninguém se negar a cumprir as provas. “Eles faziam uma pressão psicológica, que tinha que fazer, que ia apanhar um ano e bater dois (se referindo ao primeiro ano na escola e aos dois restantes para completar o Ensino Médio)”.

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Escola diz que “está e sempre esteve atenta”

Procurado, o Ceepro se manifestou por meio de nota oficial, assinada pela direção. O texto inicia destacado que a instituição possui mais de 80 anos de história, acolhendo jovens de todo o Estado, e formando, nesse período, mais de 3 mil técnicos.

“A Escola Agrícola informa que está e sempre esteve atenta a qualquer episódio ocorrido dentro de suas extensões, apurando, por meio de procedimentos internos, eventuais condutas que atentem contra a integridade física de seus alunos”, ressalta a nota.

“Por fim, além de estar disposta a contribuir com a apuração de quaisquer fatos ocorridos em suas extensões, a Escola Agrícola continua de portas abertas para a comunidade escolar, a fim de que conheçam nossa história, responsável por transformar a vida de milhares de alunos”, finaliza.

2ª CRE deve ouvir envolvidos

A reportagem entrou em contato também com a Secretaria Estadual de Educação (Seduc), mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. A 2ª Coordenadoria Regional de Educação (2ª CRE) informou que uma reunião foi realizada, nesta terça-feira (20), com famílias de alunos agredidos e que “deve tomar as medidas administrativas depois de ouvir todos os envolvidos e também a direção da escola”.

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Polícia Civil explica procedimentos que podem ser tomados

Pela escola estar em área de atuação da 1ª Delegacia Polícia de São Leopoldo, o caso deve ficar a cargo da unidade. Titular da 1ª DP, a delegada Cibelle Savi disse que as ocorrências registradas ainda não chegaram ao local, mas explicou os procedimentos que devem ser tomados.

Segundo ela, serão verificadas as idades dos suspeitos: no caso de serem maiores de idade, pode ser feito um Termo Circunstanciado (TC), se for analisado como crime de menor potencial ofensivo, ou aberto inquérito policial, se demandar crime mais complexo; se forem menores de idade, deve ser feito procedimento de adolescente infrator.

Além disso, as partes devem ser ouvidas para esclarecer os fatos, identificar possíveis dolos por parte dos suspeitos e alguma negligência por parte da escola. “Precisamos colher as oitivas dos suspeitos e, principalmente, a parte diretiva da escola para saber se há conhecimento dos fatos.”

 

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