Com Trump, convites para a Casa Branca vêm com o risco de constrangimento

“Reduzam as luzes e passem isso aqui”, disse o presidente dos EUA, Donald Trump, diante do líder da África do Sul, Cyril Ramaphosa, e um grupo de assessores dos dois países, além de convidados. Após a ordem, começou a ser exibido um vídeo com alegações sobre um suposto (e jamais comprovado) “genocídio” de fazendeiros brancos sul-africanos, que embasa as críticas da Casa Branca e de movimentos nacionalistas contra Pretória.

Ramaphosa, mesclando expressões de riso e incredulidade, tentou rebater Trump, afirmando que, apesar dos elevados níveis de violência em seu país — 75 pessoas em média são assassinadas por dia —, não há indícios de ataques raciais contra brancos, uma alegação também chamada de “mito” por um tribunal sul-africano em fevereiro. A argumentação do veterano líder da África do Sul não convenceu o republicano.

“Eles estão sendo executados, e por acaso são brancos, e a maioria deles são fazendeiros, e essa é uma situação difícil. Não sei como explicar isso”, disse o presidente, diante do pool de imprensa alocado no Salão Oval.

Desavenças entre líderes não são exatamente uma novidade na política internacional — como não se lembrar, por exemplo, do “Por que não se cala?” do rei Juan Carlos I dirigido ao presidente venezuelano Hugo Chávez durante uma reunião no Chile, em 2007.

Mas a forma como Trump, cujo apreço pelas câmeras é notório, explora pautas espinhosas com seus convidados na Casa Branca diante dos olhos públicos tem chamado a atenção. Mesmo que muitos vejam tudo como um jogo de cena.

Nesta quarta-feira, Ramaphosa não pareceu se abalar com os ataques, e em vários momentos tentou redirecionar a conversa para uma linha mais institucional. Quando a ira do líder americano foi direcionada para um repórter que perguntou sobre a oferta feita pelo Catar de um avião que pode ser o novo Força Aérea Um, o sul-africano tentou arrancar algumas risadas.

“Sinto muito, mas não tenho um avião para lhe dar”, brincou Ramaphosa.

Meses antes, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, não teve a mesma paciência (ou sorte). Na Casa Branca para assinar um acordo que abria espaço para que os EUA explorassem parte dos recursos minerais de seu país, visto por Trump como uma forma do país “retribuir” os bilhões de dólares em ajuda militar e econômica, ele foi bombardeado por acusações de que era o responsável pela invasão russa, iniciada há três anos.

“Não nos diga o que vamos sentir. Você não está em posição de ditar o que vamos sentir. Você se permitiu estar em uma posição muito ruim. Você não tem as cartas certas agora conosco”, ameaçou Trump. “Você está apostando com as vidas de milhões, você está jogando com a Terceira Guerra Mundial. E o que você está fazendo é muito desrespeitoso com este país.”

Zelensky, que pouco antes havia sido chamado de “desrespeitoso” pelo vice de Trump, JD Vance, não pareceu intimidado.

“Não estou jogando cartas”, respondeu. “Estou falando muito sério, senhor presidente. Sou o presidente em uma guerra.”

A reunião diante das câmeras terminou de forma abrupta, e nenhum acordo foi assinado naquele dia. Zelensky deixou a Casa Branca às pressas, alegadamente por ordem do próprio Donald Trump. O acordo acabou assinado meses depois, mas sem as desejadas garantias de segurança a Kiev.

Nem aliados tradicionais foram poupados da diplomacia presidencial agressiva, na qual o objetivo parece ser criar momentos públicos feitos sob medida para a imprensa, enquanto conversas formais são travadas (ou quase sempre) nos bastidores.

Em maio, o premier canadense Mark Carney — eleito em boa parte por suas críticas ao trumpismo — foi à Casa Branca em meio a um tarifaço contra seu país e a insinuações de que deveria se tornar “o 51º estado americano”. Após tecer elogios ao seu anfitrião, Carney mudou o tom ao ouvir do republicano que a fusão com os EUA “seria um casamento maravilhoso”.

“Como você sabe pelo mercado imobiliário, há alguns lugares que nunca estão à venda. E tendo me encontrado com os donos do Canadá ao longo da campanha, ele não está à venda. Não estará à venda, nunca”, disse o premier.

Trump sugeriu a ele que “nunca diga nunca”, mas Carney apenas sorriu e repetiu mais algumas vezes a palavra “nunca”.

Dois meses antes, Micheál Martin, premier da Irlanda, ouviu de Trump no Salão Oval que a União Europeia — da qual a Irlanda faz parte — foi criada para tirar vantagem dos Estados Unidos.

“Tenho grande respeito pela Irlanda e pelo que eles fizeram, e eles deveriam ter feito exatamente o que fizeram, mas os Estados Unidos não deveriam ter deixado isso acontecer”, reclamou.

Em resposta, Martin lembrou que duas companhias aéreas de seu país são as maiores clientes da Boeing, e que há centenas de empresas irlandesas nos EUA, que geram milhares de empregos.

“Esse é um fato pouco conhecido que não aparece nas estatísticas” afirmou. “Eu entendo perfeitamente o que você quer dizer. Mas acho que é um relacionamento que podemos desenvolver e que perdurará no futuro.”

Em um ambiente potencialmente disruptivo, alguns líderes escolheram afagar o ego de Trump para evitar problemas. Keir Starmer, premier britânico que foi a Washington tentando acordos sobre a Ucrânia e também para evitar um impacto mais duro do tarifaço trumpista, tirou do bolso de seu terno uma carta do Rei Charles III com um convite para o republicano visitar o Reino Unido.

— Devo ler agora? — perguntou Trump, um notório entusiasta da família real britânica, enquanto aguardava o aval de Starmer para abrir a carta.

Isso não impediu um certo “climão” durante a entrevista coletiva pós-reunião, quando Trump interrompeu com um “já basta” uma resposta de Starmer sobre uma eventual incorporação do Canadá aos EUA. O premier britânico ficou visivelmente incomodado. De qualquer forma, meses depois, os EUA anunciaram um acordo tarifário com o Reino Unido, que embora longe do ideal reduziu parte da carga sobre as exportações.

Outro a enfrentar a brutalidade de Trump com gentileza foi Emmanuel Macron, presidente da França e primeiro líder europeu a ir à Casa Branca após retorno do republicano. Ele começou agradecendo a presença do então presidente eleito na reabertura da Catedral de Notre-Dame, em dezembro do ano passado, e usou a antiga amizade para avançar em pautas mais delicadas.

Ao contrário da pressa de Trump por um acordo na Ucrânia, Macron destacou a necessidade de um cessar-fogo seguido por um plano mais amplo — de certa forma, o que a Casa Branca tenta obter agora entre russos e ucranbianos. Ele ainda corrigiu Trump, de maneira polida, quando ele disse que a Europa “estava emprestando dinheiro para a Ucrânia”, e que “receberia o dinheiro de volta”.

“Não, na verdade, para ser franco, pagamos 60% do esforço total: foi por meio de empréstimos, garantias e subsídios, como nos EUA. Para ser claro, fornecemos dinheiro de verdade”, disse Macron.

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