Retirada do útero, febre persistente e dores constantes: Mãe narra angústia em atendimento de adolescente de 16 anos que morreu no hospital

A família de Kauany Ventura de Vargas, 16 anos, busca respostas sobre a morte da adolescente, ocorrida no último sábado (17) no Hospital Sapiranga, exatas duas semanas após o parto da primeira filha.

Após a denúncia por negligência e a repercussão do caso, publicado em ABCmais na segunda (19), o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) informou na quarta (21) que abriu uma sindicância para apurar as circunstâncias que levaram ao óbito de Kauany.

CLIQUE AQUI PARA RECEBER NOSSA NEWSLETTER

Kauany Ventura de Vargas, de 16 anos, morreu 15 dias após o parto da filha no Hospital Sapiranga | abc+



Kauany Ventura de Vargas, de 16 anos, morreu 15 dias após o parto da filha no Hospital Sapiranga

Foto: Arquivo pessoal

CLIQUE AQUI PARA ENTRAR NA COMUNIDADE DO ABCMAIS NO WHATSAPP

Até conseguir esclarecimentos com as autoridades, os familiares relembram a gestação, o pós-parto e tentam entender o que aconteceu. A mãe da adolescente, Catieli Ventura, 35, expõe que a filha teve acompanhamento constante no posto de saúde desde o momento em que descobriu que estava grávida. “Foi uma gravidez bem saudável”, conta.

Há cerca de oito meses, desde o início da gestação, Kauany morava com o namorado, de 19 anos, em uma casa no bairro Voo Livre. Filha única, a adolescente anteriormente dividia uma casa com a mãe, no mesmo bairro.

Quando tudo começou

Kauany deu entrada pela primeira vez no Hospital Sapiranga na 39ª semana de gestação, após apresentar perda de líquido em casa. O parto inicialmente seria normal, previsto para o dia 1º de maio.

Após avaliação médica, no entanto, a mãe conta que a gestante e os acompanhantes receberam a informação de que a adolescente não estava com dilatação suficiente, por isso orientaram que voltasse no dia seguinte.

LEIA TAMBÉM: FSNH admite não ter dinheiro para negociar dívida de R$ 22 milhões com a RGE

“Contei os minutos das contrações, na sexta-feira pela manhã [2 de maio] chegou a quatro dedos. Levei ela lá no hospital e o doutor disse que estava com uma dilatação boa, que iam ‘baixar’ ela com certeza, e, até o meio-dia, no máximo, ela ganharia a neném”, relembra.

Catieli diz que esperou no Hospital Sapiranga por algumas horas, mas retornou para casa, visto que o pai da criança permaneceu no local.

Por volta das 11 horas, a mãe de Kauany ligou para a instituição em busca de notícias. “Eles falaram que ela não ia conseguir ter parto normal, que os ossos dela não se abriam. Essas foram as palavras do médico que fez a cesárea.”

VÍDEO: Motorista flagra desafio que é andar com cadeira de rodas na Rua Carioca, em Novo Hamburgo

Sangramento e exames de toque

O obstetra, então, informou que tinha dois partos para realizar antes do procedimento de Kauany, mas que, por volta das 14h30, a adolescente já estaria na sala de cirurgia. No entanto, já passado desse horário, a filha ligou para Catieli “desesperada e chorando”, e contou que estava com sangramento. Ainda, disse que a equipe seguia com exame de toque nela.

Indignada com a situação e sem conseguir informações diretamente com a casa de saúde, a mãe ligou para a Assistência Social, que acionou a diretoria do Hospital Sapiranga e conseguiu autorização para Catieli acessar a ala onde a filha estava, onde só era permitido um acompanhante.

SÃO LEOPOLDO: Alunos denunciam agressões e trotes violentos no internato do Colégio Agrícola

“Quando eu entrei lá, perguntei pra enfermeira por que continuavam fazendo exame de toque nela se ela iria fazer cesárea. Então ela ficou quieta, porque foi o médico que fez o exame de toque”, lembra a mãe.

Já por volta das 16 horas, o médico teria informado que não seria possível fazer o parto naquele dia, “pois não havia tempo, nem sala, nem bloco cirúrgico disponível”. A mãe da adolescente insistiu até que o procedimento fosse feito. A bebê nasceu saudável por volta das 16h30 do dia 2 de maio.

GRIPE AVIÁRIA: Estado começa vazio sanitário; entenda processo

Complicações

A situação voltou se complicou logo que Kauany foi encaminhada ao quarto do hospital. “No momento em que ela foi para o quarto, ela falava para mim: ‘mãe, eu tô com dor na barriga, me dói a barriga’. Eu disse que era normal por causa do corte, só que ela não se queixava de dor na cesárea, era na barriga que ela se queixava”, relata.

A mãe diz que no domingo do dia 4 de maio, antes de receber alta, a filha avisou o médico que estava com dor, mas o profissional de saúde teria minimizado a reclamação. “Ele chegou lá e disse que aquilo ali era ‘dengo’ dela. Que ela conseguiria levantar, caminhar normal, que ela tinha que caminhar para ajudar na cesárea. Ela dizendo que tinha dor e não conseguia caminhar e ele insistindo, apertava a barriga dela bem forte.”

Naquela tarde, a adolescente voltou para casa. Contudo, ainda que medicada, a dor persistia.

INVESTIGAÇÃO: Advogado do Vale do Sinos é encontrado morto em quarto de hotel

No dia 6 de maio, Kauany começou a ter febre. No dia seguinte, quando a Catieli olhou a cicatriz da filha para trocar o curativo, percebeu o local mais avermelhado do que o normal, e horas depois, a situação já havia se agravado. Segundo a mãe, uma bola teria se formado em um ponto da cesárea e estourado durante o banho, o que levou Catieli a encaminhar a adolescente novamente ao Hospital Sapiranga.

Na casa de saúde, o médico que fez a cesariana não foi encontrado, então Kauany foi atendida por outro profissional. O homem teria, segundo o relato de Catieli, olhado o corte e dito que estava tudo bem. Ele receitou um remédio para dor e orientou que elas retornassem ao hospital em dois dias, para então consultar com o obstetra de Kauany.

DESPEDIDA: Familiares e amigos se despedem de trabalhador que morreu em acidente com trator em Montenegro

Febre persistente

Na reconsulta, realizada na manhã da sexta-feira do dia 9 de maio, a jovem já apresentava febre contínua e alta. A mãe lembra que nenhum dos remédios que a jovem tomava conseguiam baixar a temperatura corporal. Segundo Catieli, os pontos da cesárea já estavam abertos. “Estava toda aberta, acho que só tinha um ou dois pontos segurando a pele por fora.”

Mesmo diante desse cenário, o obstetra de Kauany seguiu afirmando que tudo estava bem. “Apertava a barriga dela e dizia que estava tudo normal”, conta Catieli.

Apesar de inicialmente ter dito que não via necessidade da internação da adolescente, ele autorizou que ela permanecesse em um quarto e receitou um antibiótico.

CONCURSO PÚBLICO: Veja o edital das vagas na PF com salários até 26,8 mil

No dia seguinte, uma semana antes da morte da adolescente, a mãe viu a situação piorar e insistiu para as enfermeiras que outro médico avaliasse o quadro da filha. “Não era normal. A barriga dela estava toda inchada. Tinha dado o dobro de tamanho em cima e dos lados. Eu pedi ajuda”, diz.

Um médico da emergência foi chamado e atendeu Kauany. Conforme o relato da mãe, emergencista e o obstetra discordavam sobre a gravidade do quadro. Por fim, a paciente foi levada para uma tomografia e uma ecografia. Como nada apareceu nos exames, ela permaneceu mais um dia no quarto do hospital.

RS-239: Acidente que deixou duas vítimas envolve micro-ônibus e motorista sem CNH

Útero retirado

No domingo do dia 11 de maio, o médico da emergência realocou Kauany para a área da emergência, onde ela deveria permanecer até que um quarto da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) fosse liberado. Uma nova tomografia foi realizada e, no dia 12, Catieli foi informada de que a filha estava com um choque séptico e que o estado de saúde dela era crítico.

No mesmo dia, uma médica cirurgiã avaliou a adolescente e levou-a para um novo procedimento. “Ela só mandou levar ela para a sala de cirurgia e olhou pra mim e disse: ‘eu não sei o que eu vou encontrar dentro da barriga dela quando eu abrir. Mas ou ela vai ter que fazer uma colonoscopia, ou ela perde o útero ou é óbito’”, lembra a mãe.

OPERAÇÃO: Quadrilha especializada em roubos de veículos é presa em Novo Hamburgo

Durante o procedimento, Kauany teve uma parada cardíaca e precisou ser reanimada. Ela também teve o útero retirado. Da sala de cirurgia, a jovem foi levada diretamente para a UTI, onde as incertezas continuaram.

O óbito

A cirurgiã disse para Catieli que as complicações teria iniciado quando, em algum momento, o útero de Kauany foi machucado. “Ela só não sabia dizer se foi machucado na hora do parto ou se pode ter sido no exame de toque que ele [obstetra] estava fazendo nela mesmo sem dilatação, ou pela demora em fazer a cesárea.”

Por conta do ferimento não ter sido logo localizado, o órgão inflamou e, sem tratamento adequado, o quadro da jovem se tornou grave. “A médica me falou: ‘ela vai para a UTI, mas a gente não sabe se ela tem volta’.”

IMPASSE: Dívida milionária de um dos maiores condomínios de Novo Hamburgo poderá resultar em mudança de legislação; entenda a situação

Kauany chegou a acordar após o procedimento, mas como estava com dificuldade respiratória, e delirando por conta da febre alta, os médicos a sedaram e a entubaram. Apesar dos esforços, a jovem não reagia mais.

“Eles tentaram, deram vários tipos de antibióticos, mas não tinha mais [o que fazer]. A febre dela não baixava, era 39, 40, 41, 42 graus.”

Após cinco dias na UTI, a adolescente faleceu na noite do dia 17 de maio. “Se eu não tivesse brigado para vir outros médicos ver ela, ela ia morrer na cama sem cirurgia, nada. Ia morrer ali”, salienta a mãe.

NOVO HAMBURGO: Ônibus lotados, viagens em pé e pouca oferta: A rotina da população que usa transporte coletivo um ano após mudanças

Presença da neta

Apesar do vazio que a partida da jovem deixou na família, a chegada da neta traz o conforto e a lembrança da adolescente. “Estamos nos dividindo para cuidar dela, eu, a avó paterna e o pai.”

Em meio à tristeza, Catieli completou mais um ano de vida no dia 20 de maio, três dias após a morte da filha.

O que diz o hospital

Procurado pela reportagem, o Hospital Sapiranga se manifestou por meio de uma nota. No texto, a instituição se solidariza com os familiares de Kauany e afirma que os setores estão “comprometidos em analisar minuciosamente todos os fatos relacionados ao caso”.

O texto ressalta ainda que as apurações estão sendo feitas “junto à família, às equipes médicas e de segurança do paciente, as quais estão empenhadas em avaliar, de forma cuidadosa, toda a trajetória da paciente na instituição, desde o primeiro atendimento prestado”.

EDUCAÇÃO: Proposta quer ampliar critérios de prioridade em creches de Novo Hamburgo para incluir mães solo

“Ressaltamos nosso compromisso com a verdade e transparência das informações, bem como com a saúde, bem-estar e confiança de todos que buscam pelos nossos serviços, seguimos à disposição da família para os esclarecimentos necessários”, finaliza o comunicado.

A família registrou um boletim de ocorrência na última segunda-feira, então, além da sindicância do Hospital Sapiranga e do Cremers, o caso é investigado pela Polícia Civil.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.