Pedro Janot: da fundação da Azul à reinvenção após tragédia

Pedro Janot já havia ocupado os postos mais altos do mundo corporativo brasileiro. Com passagens marcantes pela Zara Brasil e pela fundação da Azul Linhas Aéreas (AZUL4), ele construiu reputações sólidas em empresas admiradas por inovação e cultura organizacional. Conhecido por sua habilidade em unir estratégia e sensibilidade humana, era o tipo de líder que inspirava equipes e fazia negócios decolarem. Mas, em novembro de 2011, um acidente o tirou dos holofotes – e o colocou diante do maior desafio de sua vida.

Durante um fim de semana no campo, na tentativa de retomar o equilíbrio entre trabalho e família, Janot caiu de um cavalo. A queda, de cerca de dois metros, esmagou sua medula espinhal e o deixou tetraplégico. O executivo, então com 55 anos, viu seu corpo parar enquanto a mente seguia ativa e incansável. “A cabeça é perfeita e o corpo imperfeito. Até hoje é assim”, diz ele em entrevista ao podcast Do Zero ao Topo, comandado por Mariana Amaro. Janot conta ainda que passou 45 dias internado no Hospital Sírio-Libanês antes de iniciar o que chama de seu “quarto startup”: reaprender a viver.

Hoje, aos 68 anos, ele recuperou parte dos movimentos dos braços e das mãos com um processo longo e doloroso de fisioterapia e adaptação. Comanda seus aparelhos com uma das mãos, dá palestras, escreveu livros e atua como mentor de empresas e conselheiro estratégico de grupos que faturam entre R$ 30 milhões e R$ 300 milhões. “Foi difícil, mas valeu a pena. E o quinto startup já está sendo desenhado”, afirma.

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A vida antes da queda

Pedro Janot construiu uma trajetória brilhante no mundo dos negócios. Na Zara, ajudou a expandir a marca no Brasil com um olhar afiado sobre moda e operação. Na Azul, foi o primeiro CEO, convidado por David Neeleman para liderar uma empresa que desafiaria gigantes como TAM e Gol (GOLL4). Criou uma cultura centrada em pessoas, uma marca que falava com clientes, não apenas com passageiros. “Quando ouvi o slogan ‘paixão pela aviação’, disse: ‘não, nossa paixão são as pessoas’. Isso mudou tudo.”

Sob seu comando, a Azul tornou-se a maior operadora mundial de jatos da Embraer, marca que virou parte do DNA da companhia. “As pessoas se encantavam com os aviões, com os detalhes, com o conforto. Incorporamos isso ao marketing”, relembra.

Mesmo nesse ambiente de sucesso, Janot começou a perceber um desequilíbrio entre trabalho e vida pessoal. “Trabalhei mais do que deveria. Poderia ter ficado 15% menos no trabalho e aproveitado mais minha família”, disse.

A decisão de construir um sítio e cavalgar nos fins de semana veio desse desejo de reconexão. Mas foi justamente ali que a tragédia o aguardava.

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O voo interrompido e a reconstrução

Após o acidente, Janot teve que aprender a delegar o próprio corpo. “Tive que reaprender tudo. Desde escovar os dentes até operar um iPad. E precisei de paciência. Muita.” Mais do que isso, precisou reformular sua maneira de existir. Cercado pela esposa e pelos filhos, com quem estreitou laços, transformou a tragédia em uma jornada de legado. “Criei meninos para o mundo, e eles são do mundo. Mas hoje os conheço mais profundamente.”

Longe dos modelos tradicionais de consultoria, ele escolheu outro caminho: o da mentoria.

“Consultoria cansa. Você diz o que o cliente precisa ouvir, e ele não aceita. A mentoria é uma construção com mais escuta e menos imposição.”

Com bagagem no varejo de moda — setor sofisticado e dinâmico — e na aviação — complexo, intensivo em capital, e regido por dólar, petróleo e regulação —, Janot se tornou uma referência em conselhos que unem gestão e humanidade. É com essa autoridade que critica os líderes autoritários: “Se o ego está fora do bolso, essa empresa está travada.”

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Lições de um mentor resiliente

A nova rotina é menos acelerada, mas não menos produtiva. Trabalha até as duas da tarde e depois segue em ritmo mais leve. A filha, Maria Cândida, cuida da estratégia digital e da gestão de sua imagem. Já Jonathan, seu assistente da geração Z, aprende com ele os bastidores da liderança. “Estou ensinando truques que levaria anos para aprender. É o ciclo da vida e do trabalho funcionando.”

Janot também se dedica à escrita. Em seu livro A Vida é Tudo que Você Faz com Ela, compartilha os aprendizados que emergiram após a ruptura causada pelo acidente. Um segundo livro, já em planejamento, vai narrar a jornada da recuperação física e emocional. “Muita gente sofre um acidente e vira um monte de ossos no sofá. Eu quis viver. A vida é um bem valiosíssimo — e é para deixar legado.”

O homem que escuta

Se antes comandava empresas com milhares de funcionários, hoje Janot aconselha líderes a escutar mais e gritar menos.

“Meu conselho para novos gestores é: deixe o ego no bolso furado e escute mais do que fale. Empresas que operam no grito, sob o comando de líderes do chicote, tendem ao colapso.”

Em tempos de burnout corporativo e de culturas tóxicas, sua visão parece mais atual do que nunca. Defende que portas abertas e empatia valem mais do que metas agressivas e ordens unilaterais. “Se precisa dizer algo difícil, levanta e vai até a salinha. Liderança se faz com escuta.”

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Um legado em construção

Pedro Janot transformou sua dor em potência. Com resiliência, inteligência emocional e visão de futuro, ele provou que a liderança mais impactante não é a que se impõe, mas a que inspira. E mesmo após uma queda que poderia ter encerrado sua trajetória, ele continua a planejar o próximo salto. “Essa nova fase foi lenta, difícil e árdua. Mas valeu cada dia. E não acabou. Tem mais pela frente.”

Afinal, como ele próprio aprendeu na prática, a vida é tudo o que você faz com ela.

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