Por que a IA do Google está espalhando fake news sobre artistas?

A inteligência artificial (IA) tem assumido um papel cada vez maior na entrega de conteúdos ao público. No entanto, a confiabilidade das informações geradas por essas tecnologias começa a levantar sérias preocupações. Um exemplo é o recurso de busca do Google, que utiliza IA generativa para fornecer respostas automáticas a perguntas feitas pelos usuários. O problema? Nem sempre os dados apresentados são verdadeiros.

Em testes realizados pela equipe do Metrópoles, foram identificadas respostas imprecisas — e até falsas — relacionadas a figuras públicas brasileiras.

Ao perguntar à IA do Google, por exemplo, se Ney Matogrosso tem filhos, a resposta foi direta: “Sim, Ney Matogrosso tem dois filhos.” No entanto, a afirmação, que veio acompanhada até de nomes dos supostos herdeiros, é incorreta. O cantor não tem filhos e nunca declarou o contrário.

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Pesquisa sobre filhos de Ney Matogrosso

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Pesquisa sobre sexualidade de Caetano Veloso

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Pesquisa sobre a aposentadoria de Dona Déa Lúcia

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Outro exemplo problemático apareceu em uma busca sobre Caetano Veloso. Ao perguntar se o cantor é pansexual, a resposta da IA foi: “Caetano Veloso não se define como homossexual, bissexual ou heterossexual, preferindo a pansexualidade.” A afirmação, no entanto, é imprecisa. Caetano nunca declarou publicamente essa definição e evita rótulos sobre sua sexualidade.

A confusão se repete em outro caso, envolvendo Déa Lúcia. Ao perguntar se a mãe de Paulo Gustavo se aposentou da televisão, a IA respondeu: “Sim, dona Déa se aposentou da televisão em 2025, como ela mesma anunciou.” A frase distorce o que foi dito por ela. Dona Déa afirmou que ficará na TV até o fim do ano, mas segue ativa em programas e não oficializou a aposentadoria.

Esses erros têm se tornado frequentes porque o Google passou a exibir respostas geradas por inteligência artificial no topo da página, reduzindo o destaque para links de sites confiáveis. O sistema tenta fornecer respostas diretas e rápidas, mas ainda escorrega em dados básicos — especialmente em temas biográficos e pessoais.

O próprio Google reconhece as limitações: “As visões gerais da IA podem e vão cometer erros”, afirma a empresa, explicando que o sistema é treinado com grandes volumes de dados, mas ainda pode gerar respostas imprecisas ou ofensivas.

Apesar do aviso, muitas pessoas não conferem a fonte da informação e tomam a resposta da IA como fato — o que pode contribuir para a disseminação de desinformação.

Especialista alerta para os riscos da desinformação gerada por IA

A pesquisadora em desinformação e inteligência artificial Gabriela de Almeida Pereira chama atenção para os perigos que envolvem o uso de ferramentas baseadas em IA generativa para fornecer respostas rápidas nas buscas.

“Esses sistemas podem apresentar respostas enviesadas, com reprodução de estigmas e preconceitos, além de conteúdos incorretos”, afirma. Segundo Gabriela, isso ocorre pela forma como as IAs são treinadas: “Isso aconece justamente pela falta de acurácia e por se basear em bancos de dados amplamente abastecidos por conteúdos que não são verdadeiros ou que apresentam algum nível de discriminação.”

A especialista aponta que, diante desse cenário, “é difícil esperar uma resposta checada, apurada, que esteja de acordo com os fatos, se o rastreio é feito em um ambiente digital tão mergulhado em um universo de informações falsas e dúbias.”

Gabriela também destaca os impactos que esse tipo de desinformação pode ter na vida das pessoas. “Informações falsas sobre pessoas reais, sejam elas famosas ou não, têm um impacto direto em suas memórias, e é um dano que não dá, ainda, para ser medido”, afirma. Ela lembra que o efeito das fake news varia conforme a forma como cada pessoa interpreta ou compartilha o conteúdo consumido.

“Já se tem conhecimento de casos de vítimas de fake news mais graves, que envolveram acusações de crimes supostamente reais e tiveram consequências extremas, como a Fabiane Maria de Jesus, que morreu após um linchamento público, no Guarujá, após ser falsamente associada a uma mulher que supostamente sequestrava crianças para rituais”, relembra.

Ela ressalta que, embora casos como os de Ney Matogrosso e Déa Lúcia tenham menos potencial de dano, “não deixam de ser mentira, e muitas vezes essas ‘mentirinhas’, que chamamos de ‘alucinações’ dos sistemas de inteligência artificial, de grão em grão, têm, sim, um alto potencial de dano.”

“Muitas vezes, para responder a uma pergunta de forma célere, são fabricadas essas respostas e o próprio sistema depois assume que se enganou, que não é capaz de fornecer determinada informação, por falta de contexto, de interpretação da informação ou por pouco dado de fato”, explica.

Diante desse cenário, ela defende o fortalecimento da postura crítica dos usuários: “É importantíssimo que, ao receberem uma resposta de uma IA, as pessoas sejam capazes de duvidar, de questionar e procurar em outras fontes as informações que necessitam.”

Novo método de busca

O Metrópoles procurou o Google, que informou estar desenvolvendo um novo modo de busca com inteligência artificial mais avançada. A ferramenta, chamada AI Mode, ficará em uma aba específica na barra de pesquisa e promete entregar respostas mais precisas e aprofundadas.

Segundo a empresa, o AI Mode é o sistema “mais poderoso de pesquisa com IA”, capaz de interpretar perguntas de forma mais refinada e oferecer respostas com base em múltiplas fontes, além de destacar links úteis de sites confiáveis. Uma das tecnologias utilizadas é a query fan-out, que divide a pergunta do usuário em várias partes e realiza buscas simultâneas, ampliando a profundidade e a qualidade dos resultados.

O Google também anunciou o lançamento do Deep Search, uma funcionalidade voltada a pesquisas mais complexas. De acordo com a empresa, o recurso é capaz de cruzar informações de diversas fontes e montar um relatório com nível de detalhamento “equivalente ao de um especialista”, incluindo referências completas — tudo em poucos minutos.

As novas ferramentas já estão disponíveis nos Estados Unidos e devem chegar a outros países nas próximas semanas.

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