Programas de saúde mental nas empresas vão da conscientização ao acolhimento

Empresas estão investindo mais de R$ 1 milhão por ano em ações de prevenção e promoção da saúde mental – casos da Nestlé e da Vibra Energia. A ideia é atrair, reter talentos e evitar afastamentos do trabalho.

Essas ações se antecipam à atualização da Norma Regulamentadora nº1 (NR1) que, inicialmente, passaria a valer na segunda-feira (26), mas depois teve a vigência prorrogada em mais um ano para dar tempo de as empresas se adaptarem.

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A atualização da NR1 torna obrigatório que as empresas identifiquem e eliminem possíveis riscos psicossociais no trabalho, assim como já fazem com os riscos à saúde física. Assim, será preciso identificar excesso de jornada, assédios, cobrança excessiva por resultados, falta de descanso mental, entre outros fatores. 

De acordo com o Ministério da Previdência Social, o número de afastamentos do trabalho por transtornos mentais no Brasil cresceu mais de 400% desde a pandemia e atingiu 472.328 licenças em 2024. Cada afastamento durou, em média, três meses, com trabalhadores recebendo cerca de R$ 1,9 mil por mês. O impacto financeiro estimado ultrapassa R$ 3 bilhões.

Conscientização e suporte

A atenção para a saúde mental já estava presente em algumas empresas, mas vem evoluindo com maior foco desde a pandemia de Covid-19, quando o impacto do bem-estar mental extrapolou o ambiente pessoal e invadiu as relações de trabalho. “Não existe performance se as pessoas não estiverem bem”, afirma Fabrício Pavarin, diretor de Total Rewards e People Data Analytics da Nestlé.

A empresa, que tem cerca de 22 mil colaboradores em todo o país, desenvolve em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein um programa que capacita 600 colaboradores para atuarem como agentes de saúde mental. O orçamento para esta e demais ações sobre bem-estar e saúde mental é estimado em R$ 1,5 milhão ao ano.

O treinamento fornece ferramentas para que os funcionários observem riscos de saúde mental em colegas próximos, a fim de acolher e direcionar a um atendimento especializado. “Queremos ter um ambiente de segurança psicológica para que, no futuro, a pessoa fale [sobre saúde mental] com o chefe como se tivesse uma questão física, como se fosse um braço quebrado, sem estigma”, afirma Pavarin.

Na Vibra Energia, o orçamento da área é superior a R$ 1 milhão, segundo Aspen Andersen, vice-presidente de Gente, Tecnologia e ESG. Ele diz que o cuidado com as pessoas está fundamentado em pilares estratégicos da companhia, como respeito, segurança e valorização do capital humano. 

A empresa oferece suporte psicológico online com até 30 sessões gratuitas por ano, rodas de conversa e campanhas de conscientização, além de incentivar exercícios físicos, meditação e orientação financeira. Os resultados são medidos por meio de indicadores como taxa de absenteísmo (faltas) e sinistralidade do plano de saúde. “Os resultados já evidenciam redução significativa em afastamentos por questões emocionais e maior equilíbrio na utilização do plano de saúde”, afirma Andersen.

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Equilíbrio

Na Companhia Brasileira de Alumínio (CBA), os programas de saúde mental existem há 8 anos. Segundo Andressa Lamana, diretora de Pessoas & Digital da CBA, o bem-estar do funcionário é trabalhado sobre pilares como a saúde emocional, física e financeira. A empresa afirma que promove ações que incentivem a diversidade, equidade e inclusão de diversos grupos sociais, o que tornaria o ambiente mais aberto ao diálogo.

“Pequenas mudanças podem gerar grandes impactos quando falamos de saúde mental no trabalho. Um dos principais insights que tive foi entender que a escuta genuína e o acolhimento fazem diferença. Quando as pessoas sentem que podem ser elas mesmas, o clima melhora, a confiança cresce e os resultados aparecem”, afirma Lamana.

Em 2024, a empresa recebeu o selo Great People Mental Health, concedido pela consultoria Great Place to Work para companhias que valorizam a saúde emocional dos funcionários. A CBA não divulga os números de investimentos na área. 

Na B3, que tem origem em um ambiente de trabalho onde antes era comum ver homens nervosos gritando ao telefone para negociar ações, a dinâmica do dia a dia mudou. A tecnologia tomou conta do fluxo de negociações, enquanto programas de saúde mental foram ganhando espaço.

A B3 não divulga os números de investimentos na área, mas afirma que há incentivo ao mindfulness, yoga, hábitos saudáveis, psicoterapia online gratuita, orientação jurídica e financeira, entre outros benefícios. Segundo a empresa, nos últimos três anos houve redução de 40% na sinistralidade do plano de saúde.

“Enquanto antes a principal motivação era um salário elevado, hoje muitos valorizam aspectos como bem-estar, equilíbrio entre vida pessoal e profissional e um propósito significativo no trabalho. Criar um ambiente que prioriza a saúde mental não apenas atrai novos talentos, mas também retém os colaboradores existentes”, afirma Renata Caffaro, Diretora de Pessoas da B3.

“Na prática, investir em saúde mental resulta em menos afastamentos, um clima organizacional mais saudável e um fortalecimento do vínculo entre colaboradores e a empresa.”

Positividade tóxica e “mentalwashing”

Em meio à promoção da saúde mental, é preciso que as empresas evitem dinâmicas que levem a um cenário de positividade tóxica – ou seja, uma cobrança excessiva pelo bem-estar ou pela “camuflagem” de casos.

O psicólogo e pós-doutor em Saúde Coletiva Bruno Chapadeiro, membro do Observatório Nacional de Saúde Mental e Trabalho, afirma que o bem-estar nas empresas começa com salários e jornadas de trabalho dignas, passando pelo combate ao assédio. Ele cita o caso de uma empresa em que a distribuição de lucros e resultados estava atrelada à ausência de acidentes de trabalho, o que criava uma dinâmica interna entre os funcionários de não relatar pequenos acidentes para evitar as perdas financeiras. 

“Um funcionário se queimou com um produto químico, uma gotinha, e ouviu piadas do tipo: ‘cuidado com a minha PLR, hein? Não vai relatar isso aí”, conta. Para ele, o monitoramento da saúde mental dentro das empresas sofre o mesmo risco caso não esteja acompanhado de um esforço para a quebra de estigmas.

Outro problema atrelado ao tema é o “mentalwashing”. O termo em inglês se refere a ações e programas de saúde mental de baixa efetividade, desenvolvidas só para constar em relatórios empresariais e que não se refletem na cultura e no cotidiano das relações. 

“Não dá para cobrar por um bom ambiente de trabalho se a cultura cobra resultados difíceis de atingir, a liderança não deixa as funções claras e há um ambiente de assédio”, alerta Izabella Camargo, consultora de saúde mental especialista em burnout e segurança psicológica no ambiente de trabalho.

Ações

Para Darwin Grein, facilitador e fundador da Juntxs – consultoria especializada em treinamento e desenvolvimento de pessoas nas empresas –, a qualidade da saúde mental dos colaboradores está atrelada principalmente à qualidade da liderança. Ele cita uma pesquisa do Instituto Gallup que aponta que 50% do motivo de pedido de demissão é a liderança direta. 

“Trabalhar respondendo diretamente para uma pessoa que é grosseira, que muda de ideia toda hora, que é insegura, que não toma decisões difíceis, que não defende o trabalho da equipe para a alta gestão gera muito desgaste emocional, porque a sensação é de estar constantemente desamparado”, explica.

Isso significa que, se a qualidade da liderança for boa, os colaboradores estarão mais protegidos da pressão e desgaste emocional. “Ou seja, antes de fazer um programa de saúde mental, é preciso cuidar da qualidade das lideranças dentro de casa, dar suporte e apoio para seu desenvolvimento”, afirma Grein.

Pontos de atenção

As empresas podem ficar atentas a dinâmicas de trabalho que possam colocar os colaboradores em risco. Para chegar a estes resultados, Izabella Camargo e Darwin Grein sugerem rodar pesquisas anônimas para identificar as possíveis dinâmicas tóxicas no dia a dia do trabalho. 

Empresas de todos os portes podem observar se na dinâmica do dia a dia há casos de assédio moral (humilhações), psicológico (destruir a autoconfiança) e institucional (quando a empresa tolera um ambiente de trabalho hostil). 

Outras dinâmicas que pressionam a saúde mental dos colaboradores é a falta de clareza entre as funções, o que pode sobrecarregar alguns funcionários, pouca flexibilidade, excesso de trabalho e prazos irreais, conflitos interpessoais, entre outros temas.

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