Rússia reage a discurso de Macron e acusa francês de fazer “ameaça”

O Kremlin declarou nesta quinta-feira (6/3) que o discurso do presidente francês, Emmanuel Macron, sobre o conflito na Ucrânia na noite de quarta (5/3) sinaliza que a França “quer que a guerra continue”. O chanceler russo, Serguei Lavrov (foto em destaque), afirmou que as palavras de Macron, que abordou a dissuasão nuclear europeia, representam “uma ameaça à Rússia”.

“É claro que é uma ameaça contra a Rússia. Se ele vê como uma ameaça e diz que é necessário utilizar a arma nuclear, se preparar a usar a arma nuclear contra a Rússia, é claro que é uma ameaça”, avaliou o ministro.

Para ele, as conversas sobre a possibilidade de envio de tropas europeias para a manutenção da paz na Ucrânia, na hipótese de um cessar-fogo, inviabilizam qualquer acordo de trégua no conflito. “Não vemos nenhum compromisso possível. Essa discussão está sendo levada com um objetivo abertamente hostil”, explicou.

Mais cedo, o porta-voz da Presidência russa, Dmitry Peskov, denunciou discurso “muito confrontador” de Paris em relação a Moscou. “Isso dá a sensação de que a França quer que a guerra continue”, disse o porta-voz, em uma entrevista coletiva nesta manhã.

Na véspera, em tom grave, Emmanuel Macron afirmou que Moscou é hoje “uma ameaça” para a França e a Europa. O líder da França, único país da União Europeia que dispõe de arma nuclear, afirmou que a Rússia está “testando os nossos limites”.

Macron prometeu abrir um “debate estratégico” sobre a proteção dos aliados europeus, por meio do arsenal nuclear francês, num contexto de preocupações crescentes sobre a guerra na Ucrânia e a “mudança de posição” dos Estados Unidos em relação ao conflito. Em rede nacional de TV, o presidente salientou que a “agressividade” de Moscou “parece não conhecer fronteiras”, três anos após o início da ofensiva russa na Ucrânia, em fevereiro de 2022.

Em Moscou, Macron é ironizado

As palavras dele foram duramente criticadas pela cúpula do poder em Moscou, que denunciou um discurso perigoso que poderá arrastar o continente para uma nova guerra mundial. Maria Zakharova, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, acusou o chefe de Estado francês de “contar histórias”.

“Todos os dias ele faz declarações completamente desconectadas da realidade que contradizem as anteriores”, disse ela, citada pela agência RIA. Zakharova acrescentou que Macron “terá que se desculpar com seu próprio povo por enganá-los”.

“Uma análise tão falha leva a erros fatais”, disse o senador russo Konstantin Kosachev. “Macron está impondo freneticamente aos seus cidadãos, seus aliados e ao mundo inteiro uma visão totalmente falsa da situação: ‘Os russos estão chegando!’ Tais conclusões e sugestões falsas levam ao abismo”, alegou.

O ex-primeiro-ministro Dmitri Medvedev, que se tornou um dos “falcões” mais fervorosos do Kremlin, zombou do presidente francês, dizendo que ele “não representa uma grande ameaça”. “Ele desaparecerá permanentemente até 14 de maio de 2027. E não sentiremos falta dele”, declarou.

Sergei Markov, um ex-assessor do Kremlin, avaliou que Macron insultou Moscou ao “repetir mentiras e propaganda”. Caricaturas que circulavam nas redes sociais retratam o líder francês como Napoleão Bonaparte, cuja invasão da Rússia czarista em 1812 terminou em desastre.

Macron “recorre ao patriotismo”

Na França, o tema ocupa as capas dos principais jornais franceses. A expressão “nova era”, utilizada por Macron em seu discurso, está na manchete de Le Figaro. O diário afirma que o presidente recorre ao patriotismo para mobilizar a população. Em editorial, Le Figaro afirma que o objetivo do pronunciamento foi transmitir segurança aos franceses, em um tom “pedagógico” sobre a complexidade do cenário geopolítico internacional.

“Em uma situação excepcional, uma reação excepcional”, avalia em editorial o jornal Libération. O diário escreve que, depois de ter perdido sua credibilidade no ano passado, com a decisão da dissolução da Assembleia Nacional, o presidente “assume o papel que lhe convém mais, o de líder europeu diante de uma grande crise internacional”. Libération é crítico em relação ao tom marcial empregado por Macron, com “afirmações angustiantes” e “frases impressionantes”, diz.

Já o jornal La Croix aborda “o desafio industrial” do discurso do presidente francês e sua promessa de rearmar o continente. Na prática, o diário avalia para reforçar a indústria militar e os efetivos, será preciso privilegiar a compra de armas europeias. Em editorial, La Croix expressa seu ceticismo quanto à demanda de um impulso nos gastos militares, em um momento em que os cidadãos já enfrentam outros desafios, como a revolução digital e o envelhecimento das populações.

O jornal econômico Les Echos faz as contas do quanto esse objetivo custará aos cofres públicos. O diário lembra que as contas da França já estão “no vermelho”, com um déficit público de 6% do PIB. O país terá que repassar neste ano € 23 bilhões à União Europeia para despesas militares, valor que aumentará para € 30 bilhões em 2026 e que continuará evoluindo nos anos seguintes. “Como o projeto de rearmamento será financiado?”, questiona o diário, destacando que até o momento não há “financiamento milagroso” para cobrir os projetos de reforço da defesa.

Turquia está disposta a enviar forças à Ucrânia

A Turquia está pronta para enviar forças para a Ucrânia “se necessário” para garantir a paz, disse o Ministério da Defesa turco nesta quinta-feira. “A questão de contribuir para uma missão (…) será avaliada com todas as partes envolvidas se for considerada necessária para o estabelecimento da estabilidade e paz regionais”, informou o ministério, em um comunicado.

Nesta quinta-feira, em Bruxelas, os países da União Europeia realizam uma cúpula extraordinária sobre a defesa do bloco.

No front de guerra, a Rússia reivindicou a captura da cidade de Andriivka, no leste da Ucrânia, perto da cidade de Kurakhove, tomada em dezembro passado pelas forças de Moscou. O exército russo continua seu avanço nesta frente.

“Unidades do grupo central de tropas libertaram a cidade de Andriyivka”, localizada na região de Donetsk, informou o Ministério da Defesa russo em seu relatório diário.

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