MP muda recomendação sobre abortos após repercussão negativa

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) mudou, nesta sexta-feira (14/3), a recomendação sobre abortos após repercussão negativa do primeiro documento, que citava interrupção de gestação após a 22ª semana (5 meses) de gravidez.

A recomendação suprimiu a parte que citava as 22 semanas de gravidez e orientou que a SES deve, entre outras diretrizes, respeitar os termos da decisão proferida em uma ação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) que “estabeleceu que não há limitações circunstanciais ou temporais para a realização de procedimento médico de interrupção de gravidez nos casos permitidos em lei e na ADPF nº 54”. O novo documento (leia abaixo na íntegra), obtido pelo Metrópoles, é assinado por 26 promotores de Justiça do DF.

Os promotores recomendam à Secretaria de Saúde que apresente, em 60 dias, “plano de ação para regulamentação, orientação, estruturação e implementação de fluxo de atendimento e assistência à saúde a serem prestados pela rede pública visando assegurar o integral exercício do direito a realização de interrupções gestacionais, nos estritos casos permitidos em lei e na ADPF nº 54”.

O MPDFT diz que a SES deve considerar as seguintes diretrizes:

  • assistência integral à saúde de meninas e mulheres que buscam a interrupção gestacional, estritamente nos casos legalmente previstos, assegurando que o atendimento seja prestado de forma humanizada, célere e livre de qualquer forma de constrangimento, discriminação ou violação de direitos;
  • celeridade ao atendimento e realização de consultas, exames e procedimentos a mulheres e meninas vítimas de estupro, a fim de impedir que barreiras de acesso posterguem o exercício do direito de escolha à interrupção gestacional em casos de interrupções gestacionais nos casos permitidos em lei e na ADPF nº 54 QO/DF, resultando na necessidade de intervenção em avançada idade gestacional;
  • assegure, de forma imediata e ininterrupta, a continuidade do Programa de Interrupção Gestacional Prevista em Lei (PIGL), garantindo sua efetiva execução e a acessibilidade ao serviço;
  • garanta respeito aos termos da decisão proferida na ADPF nº 1141, que estabeleceu que não há limitações circunstanciais ou temporais para a realização de procedimento médico de interrupção de gravidez nos casos permitidos em lei e na ADPF nº 54 QO/DF;
  • garanta a qualificação contínua e obrigatória dos profissionais responsáveis pela assistência à saúde de mulheres e meninas, notadamente, visando o atendimento integral e especializado em casos de interrupções gestacionais permitidos em lei, na ADPF nº 54 QO/DF e na ADPF nº 1141 MC/DF.

Veja a recomendação do MPDFT sobre abortos na íntegra:

Recomendação do MPDFT sobre abortos by Metropoles

Críticas

Deputados federais e o Instituto Isabel, organização antiaborto, revoltaram-se contra a primeira recomendação do MPDFT sobre abortos na rede pública, em razão da citação à gravidez com mais de 22 semanas de gestação.

Um grupo de 28 parlamentares federais assinou requerimento de moção de repúdio à recomendação, apresentado nessa quarta-feira (12/3).

Segundo os deputados, o MPDFT “usurpa” a competência exclusiva do Poder Legislativo para tratar do assunto e “institucionaliza a matança de seres humanos, até mesmo em estágio avançado de desenvolvimento, sob o pretexto falacioso de garantia de ‘direitos reprodutivos’ e ‘saúde pública’”.

“Diante do exposto, repudiamos com a mais firme indignação a Recomendação nº 01/2025 do MPDFT, instrumento fomentador da cultura da morte que, sob o manto falacioso de garantia de ‘direitos reprodutivos’ e ‘saúde pública’, busca normalizar a morte de seres humanos em estágio avançado de desenvolvimento. Esta recomendação, que despreza a vida intrauterina, afronta a Constituição e a ética médica, é um atentado aos mais vulneráveis”, declararam.

O Instituto Isabel emitiu, no dia 7 de março, uma nota técnica na qual diz que a recomendação do MPDFT à Secretaria de Saúde “ultrapassa os limites das atribuições do Ministério Público, invadindo a esfera normativa, e contraria o princípio da legalidade, ao determinar a adoção de medidas que não estão previstas no ordenamento jurídico brasileiro”.

“O Ministério Público expediu a Recomendação nº 01/2025 determinando obrigações à Secretaria de Saúde do Distrito Federal no que se refere à facilitação do aborto a partir de 22 semanas, o que extrapola suas competências constitucionais, invadindo a esfera de atuação do Poder Legislativo, em afronta ao art. 2º da Constituição Federal, que consagra o princípio da separação dos poderes, e que tal conduta configura uma usurpação de função legislativa”, disse a organização antiaborto.

O que diz a lei

No Brasil, o aborto é permitido em situações de estupro, gravidez que representa risco à vida da mulher e se o feto for anencéfalo. A interrupção intencional da gravidez em qualquer outro caso é considerada crime contra a vida, com punição prevista no Código Penal.

Uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) proíbe médicos de provocar a morte do feto em gestações decorrentes de estupro com mais de 22 semanas, porque, segundo o órgão, há chance de vida fora do útero a partir desse marco temporal. Porém, em maio do ano passado, o ministro do STF Alexandre de Moraes suspendeu todos os processos movidos contra médico por suposto descumprimento da resolução do CFM. A decisão ocorreu na ADPF 1141.

Nota do MPDFT

Em nota enviada ao Metrópoles, o MPDFT disse que “o objetivo da recomendação é a garantia da execução da política de proteção à vítima de violência de estupro no Distrito Federal”. “O Ministério Público fez uma nova recomendação para esclarecer pontos que geraram dúvida na primeira”, afirmou.

“Não é correto afirmar que a recomendação ‘usurpa competência exclusiva do Poder Legislativo’, uma vez que é atribuição constitucional do MPDFT zelar pelo cumprimento das leis, em especial, no caso, ao Código penal, que, em seu art. 128, inciso II, estabelece que a mulher vítima de estupro pode requerer do poder público a interrupção gestacional”, declarou.

“Além disso, é dever do Ministério Público, enquanto órgão de controle, zelar pela concretização de políticas públicas, pela prestação de serviços públicos na área da saúde e pelo cumprimento de decisões judiciais, a exemplo da ADPF 1141 MC/DF, julgada no Supremo Tribunal Federal, que suspendeu os efeitos da Nota Técnica do CFM por entender pela sua potencial inconstitucionalidade”, disse o MPDFT.

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