O ditador e o traidor (por André Gustavo Stumpf)

Na Ucrânia, bem antes da guerra, a palavra sovok, gíria local, se aplicava aos vestígios miseráveis da existência soviética, economia letárgica, burocracia corrupta, estagnação e tudo o que o governo da época representava. Este conjunto de evidências apontava no sentido de que os jovens teriam a mesma vida medíocre, sem horizontes experimentada pelos respectivos pais. Este entendimento permeou a sociedade, desde o pobre até o rico, e resultou em diversos tumultos e revoluções que terminaram por derrubar os governos pró-Moscou. Foi o início da confusão que desaguou na invasão do país pelas tropas russas.

Pequenos incidentes resultam em grandes terremotos políticos. A Ucrânia é apenas um exemplo existem outros. Donald Trump, por exemplo, ele pretendeu refazer a economia norte-americana, mais ou menos como era no século 19, antes da globalização. E no momento em que o país não era líder do mundo ocidental, nem representava a vanguarda da defesa do liberalismo econômico e dos valores democráticos. Os Estados Unidos receberam milhões de migrantes pobres – inclusive a mãe de Trump, que chegou pobre ao novo país e casou com empresário rico – que ajudaram a construir o país com base no esforço individual e na liberdade de religião.

O desencanto dos ucranianos com seu país conduziu ao confronto com o vizinho poderoso. No Brasil, os índices de popularidade do governo frequentam os níveis mais baixos desde que se faz este tipo de aferição. Lula não mais consegue vender horizontes melhores para os brasileiros, aborrecidos com a inflação elevada, o grande número de projetos inócuos, burocráticos, complicados, corruptos, que acarretam poucas vantagens ao povo. A alta de preços, a cada mês, come um pedaço do salário e não há promessa que faça o bom humor voltar a prevalecer. O tamanho do mau humor vai aparecer por inteiro na próxima eleição.

O governo brasileiro está diante de dois desafios profundos. Nos Estados Unidos, o governo errático de Donald Trump começa a produzir resultados negativos na economia norte-americana. Além disto, o evidente desgaste na relação com o milionário Elon Musk – sul-africano que migrou para o Canadá e depois para os Estados Unidos – e levou o presidente a anunciar, de público, ter comprado um carro Tesla. As vendas desta marca estão sofrendo violenta queda de cotação na bolsa de valores. Na Europa, as vendas caíram até 45%. Os grandes jornais norte-americanos apostam na próxima crise entre os dois. A aliança não promete vida longa.

A administração Trump apresenta traços ridículos, muito parecidos com cacoetes dos ditadores latino-americanos. Ele proibiu o Exército norte-americano de transigir com as questões de gênero. Nos Estados Unidos, segundo ele, só existem homens ou mulheres. O Exército tomou as medidas para eliminar de seus manuais e museus qualquer menção a um eventual outro sexo. Uma das vítimas foi o avião B-29, que lançou a bomba atômica em Hiroxima, no dia 06 de agosto de 1945. Ele foi pilotado pelo coronel Paulo Tibbets Jr., que decidiu homenagear sua mãe, Enola Gay, e pintou o nome de sua genitora na fuselagem. O avião foi retirado das exposições aeronáuticas dos Estados Unidos por causa de Enola Gay.

O governo brasileiro está diante do seu cenário de horrores. Lula não fez quando necessário e possível o prometido ajuste fiscal. Ele só governa gastando muito, distribuindo dinheiro por todos os balcões, como manda o manual dos populistas. Mas a mágica se esgotou. Ele está olhando para a eleição de 2026 e só há um candidato do PT, ele mesmo. A solução é prorrogar esta situação até o possível, conviver com inflação e culpar o freguês, o atravessador, o estrangeiro, o dólar, e agora as sobretaxas impostas por Trump, porque o governo Lula não é capaz de produzir uma proposta capaz de empolgar boa parte dos brasileiros. Ao contrário, ele governa com o PT e para o PT. Só.

A sua política externa, embora sustentada em dezenas de viagens, não resultou nada de muito positivo. O Brasil está fora da discussão sobre Ucrânia e não chega perto da questão palestina. E, na América Sul, surgiram novas possibilidades de lideranças. É difícil enxergar o quadro político com nitidez. O senador francês Claude Malhuret conseguiu: ele disse semana passada que “estávamos em guerra contra um ditador. Agora estamos em guerra contra um ditador apoiado por um traidor”. Os jornais ingleses deram destaque a declaração do parlamentar gaulês. O mundo mudou muito, mas infelizmente as discussões em Brasília não querem ou não conseguem sair do provincianismo e perceber a profunda modificação da política internacional, que implicará em mudanças estruturais no país.

 

André Gustavo Stumpf, jornalista ([email protected])

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