Caçador é julgado na França por matar ursa acompanhada de filhotes

O caçador atirou em uma ursa, que estava acompanhada dos filhotes, em novembro de 2021, durante uma caçada a javalis em uma área protegida. Quinze outros caçadores também estão sendo processados ​​por diversas violações da lei de caça. ONGs de defesa dos ursos pedem que a espécie seja respeitada na França.

O caso é um exemplo das tensões que opõem defensores dos ursos e apoiadores da caça no departamento de Ariège, no sul da França, na fronteira com a Espanha.

O julgamento de André Rives, de 81 anos, começou nessa terça-feira (18/3) no Tribunal Penal de Foix, 766 km ao sul de Paris. O caçador é processado por “destruição de uma espécie protegida”.

Durante uma caçada de javali, Rives atirou na ursa conhecida como Caramelles, alegando que o animal o atacou e que agiu em legítima defesa. Mas o incidente aconteceu em uma área onde a caça é proibida, a Reserva Estadual de Mont-Valier, de acordo com a promotoria.

Cerca de vinte associações, incluindo Pays de l’ours (País do Urso), Ferus e France Nature Environnement, juntaram-se ao caso como partes civis. O objetivo das ONGs é garantir que a proteção dos ursos seja respeitada nos Pireneus, cadeia montanhosa do sul da França onde a espécie desapareceu no início dos anos 1990 e foi reintroduzida a partir de 1996, em um projeto em parceria com a Espanha.

Para Alain Reynes, da associação Pays de l’ours, este julgamento é essencial para evitar que uma tragédia como esta volte a acontecer. “Precisamos entender o que aconteceu naquele dia e estabelecer a cadeia de responsabilidade”, explica. O ambientalista ressalta que as interações entre caçadores e ursos são raras, mas possíveis, e que a coabitação deve ser melhor regulamentada.

Conflitos

O caso acontece em um momento particularmente tenso em Ariège, onde a presença de ursos alimenta conflitos. O departamento abriga a maioria dos 86 animais registrados no maciço dos Pireneus, situação que agrava as tensões com os criadores de ovelhas, vítimas de predação de seus rebanhos nas pastagens durante o verão.

Entre os caçadores, a morte da ursa é lamentada, mas alguns acreditam que a situação poderia ter sido ainda mais dramática. “Ele estava entre a mãe e seus filhotes, ela quase o matou. Ele ficou gravemente ferido. Foi em legítima defesa. Não devemos responzabilizá-lo”, testemunhou um dos réus anonimamente.

O acusado, ferido nas pernas e hospitalizado após o ataque, foi retirado da reserva em helicóptero. O presidente da Federação de Caça de Ariège, Jean-Luc Fernandez, defendeu a presença de caçadores no local, garantindo que a prática foi tolerada por muito tempo. “Nós caçávamos lá há anos, as autoridades sabiam da existência e nunca encontraram nada de errado”, diz ele.

Um golpe para a sobrevivência do urso

Para os defensores da vida selvagem, o caso vai além do âmbito judicial. “Uma fêmea reprodutora a menos é grave e prejudicial à sobrevivência da espécie”, enfatiza Julie Rover, advogada de doze associações civis.

Apesar do aumento da população de ursos nos Pireneus, ela continua frágil e inviável se não receber reforços, dizem ambientalistas, que pedem novas solturas de animais para compensar as perdas causadas pelos humanos.

As associações pedem que o Estado respeite seu compromisso de repor cada animal morto. “O desaparecimento deste urso deve ser reparado”, insiste Alain Reynes.

O julgamento, que durará dois dias, promete ser crucial para o futuro da convivência entre caçadores e ursos nos Pireneus. O veredicto será acompanhado de perto tanto pelos defensores da vida selvagem quanto pelos envolvidos no mundo da caça.

Em 2020, três ursos foram mortos nos Pirineus, sem que nenhuma substituição. A justiça espanhola condenou no ano passado, um caçador a dois anos de prisão e uma multa de 17.000 euros por matar uma ursa e seu filhote. Na França, nenhuma sentença para caçadores foi estabelecida até hoje.

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