O Ministério da Saúde demorou 656 dias após o prazo estipulado em lei para disponibilizar o Zolgensma no Sistema Único de Saúde (SUS). Essa terapia gênica, usada no tratamento da Atrofia Muscular Espinhal (AME) tipo I, deveria estar disponível desde 4 de junho de 2023, mas a pasta só fechou o acordo com a fabricante Novartis na última quinta-feira (20/3). Já o anúncio oficial ocorreu no sábado (22/3).
Até então sem acesso, as famílias dos pacientes recorriam à judicialização para que não ficassem sem tratamento. Como a coluna revelou em dezembro, a Saúde gastou R$ 457 milhões para fornecer o Zolgensma em 2023 e 2024.
Ao todo, o governo federal desembolsou R$ 305 milhões em 2023, com 64 ações judiciais em 12 estados e no Distrito Federal. Mais R$ 152 milhões saíram dos cofres em 2024, com 41 processos em nove estados e na capital federal – recordista em casos judicializados. A coluna obteve os dados via Lei de Acesso à informação (LAI).
O principal entrave para disponibilizar o Zolgensma no SUS, apurou a coluna, era o preço com que o governo arcaria, que não estava definido. A pasta e a farmacêutica realizaram uma série de reuniões até chegarem a um acordo. O custo médio, diz a Saúde, é de R$ 7 milhões.
O anúncio da chegada do medicamento à rede pública foi feito pelo ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga, em dezembro de 2022, no apagar das luzes da gestão. O que existia à época, todavia, era um protocolo de intenções, com cláusulas gerais. As diretrizes do SUS, de acordo com o anúncio oficial da época, definem que bebês com AME tipos I de até 6 meses e fora da ventilação invasiva por mais de 16 horas diárias podem ser contemplados.
À época, a justificativa dele para restringir a idade foi a maior eficácia do tratamento nessa faixa etária. Há famílias, porém, que judicializam o pedido da terapia gênica fora dos critérios estabelecidos pela pasta.
Diagnóstico de AME
Outra dificuldade passa pelo diagnóstico, que, muitas vezes, é de difícil acesso e precisa ser precoce para haver uma melhor evolução no tratamento. Segundo especialistas, quando antes começar o tratamento, mais chances de sucesso.
É responsabilidade da pasta comprar o Zolgensma, de forma centralizada com a fabricante. Segundo ofício enviado à coluna, o orçamento destinado a decisões judiciais está alocado conforme a Política ou o Programa de Saúde a que esteja ligado, em conjunto com a Subsecretaria de Planejamento e Orçamento (SPO). O do Zolgensma é vinculado à Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e ao Complexo Econômico-Industrial da Saúde (Sectics).
Caminho do Zolgensma no SUS e nos planos de saúde
Um dos medicamentos mais caros do mundo, o Zolgensma entrou para o SUS em dezembro de 2022, após aval da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec). A partir de então, a Saúde tinha 180 dias para publicar o Protocolo de Tratamento e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) – documento que norteia o cuidado com o paciente – e disponibilizar a terapia gênica.
O prazo, estipulado pela Lei 12.401/2011 e pelo decreto 7.646/2011, não se concretizou. A decisão de incluí-lo no SUS não ocorreria se o parecer inicial, desfavorável à incorporação, fosse mantido. Veio, então, a consulta pública e a proposta da Novartis de fazer um acordo de compartilhamento de risco (ACR).
Esse último ponto mudou o rumo da decisão. Com a proposta na mesa, o ministério e a fabricante se propuseram a dividir a responsabilidade pelo Zolgensma. Funcionaria da seguinte maneira, segundo o anúncio oficial: o pagamento deveria se dividir em cinco parcelas anuais, de 20% do valor cada, condicionadas à evolução do paciente. Desse total, segundo a Novartis, 3% deveriam ser revertidos para o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN).
Só que os termos do acordo do Zolgensma mudaram na gestão do ministro Alexandre Padilha. Veja como ficou:
- 40% do preço na infusão da terapia;
- 20% depois de 24 meses da infusão se o paciente tiver controle da nuca;
- 20% após 36 meses da infusão se o paciente alcançar controle de tronco, isto é, sentar por pelo menos 10 segundos sem apoio;
- 20% após 48 meses da infusão se esses ganhos se mantiverem;
Não haverá pagamento de parcelas se o paciente morrer ou a doença progredir para ventilação mecânica permanente, informou a pasta.
Os requisitos do SUS também valem para os planos de saúde. O Zolgensma entrou para o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) em fevereiro de 2023. Desde então, os planos de saúde são obrigados a custeá-lo, o que gerou uma discussão no setor.
O prazo das operadoras é menor que o da rede pública, uma vez que a Lei 14.307/2022 estabelece que os planos têm até 60 dias para incluir um tratamento recomendado pela Conitec e, posteriormente, incorporado pela Saúde.
O que é AME
A AME é uma doença genética rara, degenerativa, progressiva e hereditária que acomete células nervosas da medula espinhal e do cérebro. A causa reside numa mutação no gene SMN1, responsável pela produção da proteína SMN – a falta dela ocasiona na degeneração e na morte de neurônios motores, que controlam os movimentos musculares do corpo.
A doença se divide entre os tipos I (mais grave, afeta bebês), II (aparece em crianças de até 10 anos) e III (surge na adolescência e na vida adulta). Estima-se que a AME acometa 1 em cada 10 mil pessoas. Além do Zolgensma, a Saúde já incorporou o nusinersena e o risdiplam como tratamentos.