A perigosa trilha da mesmice (por Eduardo Fernandez Silva)

O ano de 2024 foi o mais quente jamais registrado desde que o sapiens criou alguma civilização. Os últimos dez anos compõem a década mais quente desde a pré-história. Os desastres climáticos ocorridos no ano foram classificados, pela Organização Meteorológica Mundial – OMM, como “sem precedentes”, em quantidade e gravidade; isto é, foram mais severos que qualquer outro já registrado na região. Milhões de pessoas foram desalojadas!

Todos os sinais indicam o progressivo agravamento da crise, caso continuemos na “mesmice”. Há evidência, também, de aceleração dos processos causadores desses desastres. Isso, de tal forma que as crianças hoje com dez anos ou menos, a maioria das quais estará viva em 2100, sofrerão num mundo completamente transformado e desconhecido. A continuar a “mesmice”, estamos solapando as chances de bem viver de nossos filhos ou netos.

No ano passado, partes da Austrália, do Iran e de Mali, na África Ocidental, experimentaram temperaturas acima de 480C. Daqui a 80 anos, quais temperaturas serão observadas? Chuvas recordes, inundações em larga escala, secas desidratantes, ondas de calor em todos os continentes, incêndios apavorantes, milhões de pessoa afetadas, e nossos governantes continuam a tocar a “mesmice”! isso, em nome do “desenvolvimento”!

Especialistas estimam que cada dólar gasto na prevenção, adaptação e reversão das mudanças climáticas economiza treze dólares em custos de danos e limpeza. Ainda que a relação custo/benefício não seja tão favorável, é claro que os melhores investimentos hoje disponíveis são naquelas atividades em conjunto chamadas de resiliência climática. Não obstante, o mito da riqueza derivada do petróleo, aliada ao forte lobby das petroleiras, faz com que muitos defendam explorar novos campos fósseis, o contrário do que a Agência Internacional de Energia prescreve. Isso, porque os novos reservatórios prestes a iniciar operação já ultrapassam, em muito, o “orçamento de carbono”.

Estamos, pois, na posição de pais que consomem o jantar dos filhos e se iludem dizendo que assim estarão mais fortes para conseguir mais alimento “no futuro” …

Os custos dos desastres cada vez menos “naturais”, nos cinco anos desde 2020, somaram mais de US$800 bilhões. Este dado se compara ao total de custo na década de 1980, que nos dez anos não alcançou US$200 bilhões! E imaginar que esses custos se referem a patrimônio perdido ou danificado, não incluído aí o sofrimento humano.

Nesse quadro, a nova administração dos EUA, terra da “liberdade”, proibiu o uso da expressão “mudanças climáticas” e se propõe a demitir mais de 1.000 cientistas ligados a programas de proteção da vida humana contra alguns dos males da civilização, tais como poluição, agrotóxicos, drogas lícitas e outras consequências danosas da busca desenfreada por lucros privados, em detrimento do bem público.

Nessa trilha da mesmice, o que legaremos a nossos filhos e netos?

 

Eduardo Fernandez Silva. Ex-Diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados

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