Como alunos e professores estão lidando com a proibição de celulares nas escolas da região; lei passou a valer em 2025

O ano letivo de 2025 começou com uma grande diferença nas escolas gaúchas. Afinal, em janeiro foi sancionada a Lei nº 15.100/2025, que proibiu o uso de telefones celulares durante aulas, recreios e intervalos em todas as etapas da educação básica.

Conforme o Ministério da Educação (MEC), a medida visa resguardar a saúde mental, física e psíquica de crianças e adolescentes. Apesar da proibição, a lei assegura o uso do dispositivo para fins de acessibilidade, inclusão e condições de saúde.

Recreio na Emeb Padre Reus  | abc+



Recreio na Emeb Padre Reus

Foto: Juliano Piasentin/ GES-Especial

Passado pouco mais de um mês do início das aulas, estudantes, professores e instituições de ensino continuam se adaptando à nova realidade. A reportagem do Grupo Sinos percorreu três escolas em Novo Hamburgo, São Leopoldo e Canoas, onde pôde conferir de perto como está sendo a adaptação de toda a comunidade escolar.

NH 65 ANOS: Melhorias na BR eram assunto já na primeira edição do jornal
Em Novo Hamburgo, a Escola Municipal de Educação Básica (Emeb) Padre Reus, no bairro Santo Afonso, conta com cerca de 600 alunos do 4º ao 7º ano. Segundo a diretora Simone Maroso de Oliveira, a ambientação é positiva neste começo de ano. “Temos essa normativa há bastante tempo [de os alunos não utilizarem o celular em sala de aula], então os jovens já estavam acostumados.”

Simone reitera que outro ponto positivo foi o apoio da comunidade. “Sem o respaldo deles a decisão não iria para frente.” A diretora também diz que a ampla divulgação na imprensa facilitou o diálogo. “Isso ajudou, ninguém foi pego de surpresa.”

No que se refere às exceções estabelecidas pela lei, Simone relata que uma estudante com diabete é autorizada a ficar com o celular. “Ela precisa fazer a medição da glicose, já tinha o laudo médico por estudar aqui desde pequena.”

Aula na Emeb Padre Reus | abc+



Aula na Emeb Padre Reus

Foto: Juliano Piasentin/ GES-Especial

Em casos de problemas com os alunos, a diretora explica que os pais são imediatamente contatados. “Temos o WhatsApp da escola, onde os responsáveis podem enviar mensagem e também entramos em contato via telefone.”

Mais interações

Pelo lado dos alunos a adequação também ocorre sem traumas. Conforme a estudante do 7º ano, Larissa Ramos Borges, 12 anos, alguns colegas até levavam os celulares para o colégio, mas os dispositivos não eram utilizados.

O uso era permitido no recreio, e naquela ocasião os estudantes acabavam ficando conectados no telefone. “Agora está muito mais legal, antes todos ficavam no celular, nas redes sociais. Temos mais conversas e interatividade também.”

O pensamento de Larissa é acompanhado pela colega Laize Vieira Figueiredo, 13 anos, também do 7ª ano. “Ganhamos novos interesses e conseguimos interagir mais entre si”, diz.

Recreio Emeb Padre Reus  | abc+



Recreio Emeb Padre Reus

Foto: Juliano Piasentin/ GES-Especial

Uma das alternativas são os jogos de baralho. “Muitos colegas começaram a trazer cartas, então passamos o tempo do recreio jogando e conversando”, afirma a aluna de 12 anos. Os menores também optam pelas cartinhas da série animada Pokémon, que voltaram a fazer sucesso entre a criançada.

A escola hamburguense também conta com uma mesa de Fla-Flu, o jogo que diverte gerações é disputado durante o recreio. “Eles adoram”, conta a diretora. Por se tratar de uma atividade que comporta várias pessoas ao mesmo tempo, poucos ficam de fora, ainda assim há a necessidade de revezamento. 

LEIA MAIS: Áreas de instabilidade se espalham pelo RS; previsão é de temporais e chuva forte

Ainda assim, houve uma pequena resistência. “Falaram em fazer protesto e abaixo assinado, mas não foi para frente”, lembra Larissa.

Na sala de aula, as alunas contam que uma nova atividade surgiu: o uso de máquinas fotográficas digitais. “Na aula de artes a professora nos propôs fazer fotos recriando obras famosas. Ano passado fizemos algo parecido, mas com o celular.”

As câmeras são da escola, de um antigo projeto da Prefeitura. “Precisamos testar para ver se estavam funcionando”, diz a diretora Simone. Na saída da escola, Larissa disse que também já viu alguns colegas usando a “tecnologia antiga”.

Respaldo aos professores

A professora de português Cristine Zirbes Severo afirma que a lei também deu mais respaldo aos professores. “Não somos mais os chatos que estão tirando o celular do aluno. Saímos do papel de mandões para simplesmente alguém que está cumprindo uma lei nacional.”

Aula na Emeb Padre Reus | abc+



Aula na Emeb Padre Reus

Foto: Juliano Piasentin/ GES-Especial

Segundo a profissional, os estudantes estão mais atentos e concentrados. “Antes, com o celular na mochila, estavam sempre ansiosos, querendo dar uma olhadinha. Agora não, permanecem focados na aula.”

Processo de aprendizagem para todos

Segundo a professora do curso de pedagogia da Universidade Feevale, Simone Moreira dos Santos, a lei traz uma preocupação não apenas com a aprendizagem das crianças e adolescentes. “O uso de telas em excesso tem sido prejudicial para o desenvolvimento como um todo.”

VACINA DA GRIPE: Saiba quem e quando tomar nova dose

A pedagoga reitera acreditar na mudança. “Considerando o melhor para o desenvolvimento de cada estudante. Cada escola deve criar suas diretrizes de implementação.”

Além disso, lembra que situações como a proibição dos celulares podem ser vivenciadas no ambiente de trabalho. “Isso é um processo de aprendizagem para todos, no sentido de cumprir uma legislação vigente, pois poderão se deparar com estas questões também no mundo do trabalho.”

Avaliação do Estado

Conforme o subsecretário de Desenvolvimento da Educação do Estado, Marcelo Jerônimo, a lei é bem avaliada no governo e na Secretaria Estadual da Educação (Seduc). “Assim que a lei foi sancionada já fizemos algumas orientações para a rede estadual. Sendo assim, as escolas estavam preparadas para iniciar o ano letivo.”

Em alguns casos, as unidades escolares decidiram que o aparelho fosse recolhido e colocado dentro de um armário. “Outras optaram por não recolher, mas que os celulares não fossem levados ou permanecessem desligados na mochila. E também houve escolas que colocaram em prática um período de adaptação durante o primeiro mês”, completa.

Situação em Canoas

Em Canoas, o Colégio La Salle conta com mais de 2 mil alunos na educação infantil e no ensino fundamental e médio. Para cumprir a lei em vigência, a instituição privada adotou uma dinâmica simples, mas segundo o diretor da escola, Áureo Kerbes, eficiente e colaborativa.

“No primeiro momento, pensamos em recolher todos os celulares na entrada das aulas para armazenar em um armário. No entanto, após algumas análises, optamos por confiar nos estudantes. Funciona assim: durante todo o período de atividade dentro da escola, o aluno obrigatoriamente precisa desligar o celular e manter ele guardado na mochila. A partir deste método, tivemos a aceitação e colaboração dos jovens”, salienta Kerbes.

Para a professora de língua portuguesa da instituição, Joice Junqueira, a abolição do uso do celular nas dependências do colégio trouxe melhorias de aprendizado e comunicação entre os alunos.

“Depois da pandemia, os alunos retornaram ainda mais conectados e alguns até dependentes dos smartphones. Neste ano letivo, a lei permitiu mudanças positivas na utilização dos aparelhos, eles só são usados para fins pedagógicos.

Nesses primeiros meses, já foi possível identificar mudanças positivas. Os estudantes estão interagindo mais entre eles. A participação em sala de aula também aumentou. A melhora na expressão oral é perceptível, por exemplo.”

LEIA MAIS: Programa Compra Assistida entrega 89 moradias em Canoas

A orientadora educacional do 9º ano e ensino médio do colégio, Paula Schaedler, destaca alterações favoráveis no convívio escolar.

“Já é possível perceber algumas mudanças para além da sala de aula. Os intervalos são um exemplo. Os alunos voltaram a resgatar jogos de cartas, de tabuleiro, e outras atividades recreativas que demandam ferramentas presenciais e interação ao vivo. Os jogos esportivos e a procura pela biblioteca também aumentaram.”

Daniel Trajano Lopes



Daniel Trajano Lopes

Foto: Taís Forgearini/GES-Especial

O aluno do 2º ano do ensino médio Daniel Trajano Lopes, 16 anos, conta a experiência no ambiente escolar após a lei.

“No início foi difícil porque basicamente a nossa vida toda está no celular, mas logo me acostumei e percebi que era uma coisa boa. A assimilação dos conteúdos melhorou consideravelmente. A minha concentração também está melhor. As distrações diminuíram muito.”

*Taís Forgearini 

“Os professores nunca se sentiram tão valorizados com o olhar”, diz vice-diretora de escola de São Leopoldo

Em São Leopoldo, a vice-diretora do Instituto Estadual de Educação Professor Pedro Schneider (o famoso Pedrinho), Roberta Hartmann, percebe que a lei tem sido respeitada pelos estudantes, sem grandes dificuldades na adaptação.

“Nos surpreendemos, porque achamos que seria mais difícil para eles, se até para nós, adultos, é difícil ter esse autocontrole. Nos primeiros dias tinha um e outro que acabava usando, mas a gente percebia que não era no intuito de quebrar a regra, e sim uma dificuldade em se controlar”, relata, explicando que, em casos assim, os pais do aluno são chamados à escola e é registrada uma advertência.

Alunos do Pedrinho, em São Leopoldo, se adaptam à proibição do uso de celular nas aulas - Maria Luiza, Eduarda Luiza, Maria Eduarda, Samuel Silva de Freitas



Alunos do Pedrinho, em São Leopoldo, se adaptam à proibição do uso de celular nas aulas – Maria Luiza, Eduarda Luiza, Maria Eduarda, Samuel Silva de Freitas

Foto: Amanda Krohn/Especial

“Mas todos estão respeitando, têm trazido materiais esportivos para jogar, estão conversando, brincando de esconde-esconde. Leva um tempo para ‘desintoxicar’” continua.

CONFIRA: Primeira etapa do Programa de Substituição de redes deve seguir até 10 de abril

Há menos de dois meses da substituição das distrações digitais por atividades analógicas, Roberta já observa melhorias na concentração e foco dos alunos. “Os professores dizem que nunca se sentiram tão valorizados com o olhar. Claro que alguns ainda podem não prestar atenção, mas agora eles olham para o professor. Antes, era cada um olhando para seu celular”, conta.

A professora Cíntia Nunes Pereira da Silva, que dá aula de Projeto Integrador (voltado à pesquisa) e de Educação Física, conta que os celulares interferiam até mesmo nas práticas esportivas. “Muitos ouviam a notificação em meio ao jogo e já ficavam ansiosos, se perguntando quem era, e perguntavam se podiam olhar. Agora, como eles precisam desligar os aparelhos, eles conseguem se desconectar de verdade.”

A estudante Maria Luiza Nunes, de 14 anos, teve uma pequena dificuldade nos primeiros dias, mas agora já tira de letra. “É difícil, com certeza, pelo hábito de conversar com a mãe, com o pai, a gente não pode pegar o celular, tem que descer direto na direção. E a gente tem o hábito de caminhar na rua, quando chega na escola, tem que lembrar de desligar, mas é uma coisa que a gente vai se adaptando aos poucos.”

*Amanda Krohn 

Adicionar aos favoritos o Link permanente.