Cientistas descrevem novas espécies de cascudos venenosos na bacia do Rio Tapajós


Expedições foram financiadas por crowdfunding que envolveu aquaristas de vários países. Informações de ribeirinhos facilitaram coleta dos peixes. Hoplisoma tenebrosum
Ingo Seidel
Duas novas espécies de cascudos do gênero Hoplisoma foram descritas em expedições recentes à bacia do Rio Tapajós, na Amazônia brasileira. Com visual exótico, estrutura óssea peculiar e uma toxina extremamente potente, os peixes foram descritos em artigo publicado no início do mês na revista Neotropical Ichthyology.
O trabalho é assinado por uma equipe de pesquisadores liderada por Luiz Fernando Caserta Tencatt, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT).Os peixes, batizados de Hoplisoma noxium e Hoplisoma tenebrosum, surpreenderam a equipe de biólogos logo de início.
“Foi bastante fácil perceber que estávamos diante de espécies novas, pois o padrão de coloração das duas é bastante raro para o grupo. Essa combinação de manchas claras e escuras no corpo elimina quase todas as espécies congêneres, o que facilitou bastante sua diagnose”, conta Tencatt.
Habitat das espécies de cascudos recém-descobertas
Willian Ohara
Além da aparência, os peixes também chamam atenção pelo comportamento defensivo. Ribeirinhos coletores de peixes ornamentais, chamados de “piabeiros”, relataram que o contato com os espinhos dessas espécies causa dor intensa e inchaço em seres humanos.
Segundo ele, várias espécies de Corydoradinae são extremamente nocivas a outras espécies de peixes e até mesmo a si mesmas, podendo causar o auto envenenamento em situações de estresse. A composição da toxina dos novos exemplares ainda não foi analisada, mas profissionais das áreas de fisiologia animal e bioquímica já foram contatados.
“Já provoquei colegas que se dedicam a esse tipo de estudo a investigar essa toxina, que parece ser muito mais potente do que a de outras espécies conhecidas da mesma subfamília”, afirma o pesquisador.
Hoplisoma noxium
Hans Evers
Outro aspecto central do estudo é a anatomia do focinho dos peixes, que antes era considerada uma ferramenta taxonômica confiável. O novo artigo, porém, contesta essa noção. “É uma quebra de paradigma. Mostramos que a forma do focinho tem mais a ver com pressões ambientais semelhantes do que com parentesco direto entre espécies”.
A participação dos ribeirinhos foi essencial para o sucesso da expedição. “Esse conhecimento é muito importante, já que, em muitos casos somente eles sabem o local exato e a melhor hora para capturar esses bichos. Nós jamais teríamos conseguido coletar essas duas espécies sem as informações dos ribeirinhos, já que elas ocorrem em ambientes bem específicos”, ressalta.
Trabalho em equipe
As expedições nas proximidades de Jacareacanga (PA) e Maués (AM) que resultaram nas descobertas foram financiadas por aquaristas do mundo todo por meio de uma iniciativa de crowdfunding.
“O primeiro crowdfunding com aquaristas foi em 2019, e a ideia surgiu basicamente da falta de financiamento pelos meios tradicionais de projetos de pesquisa de pesquisadores ‘desempregados’, ou seja, sem vínculo efetivo com uma instituição de ensino superior ou instituto de pesquisa”, conta.
Embora fosse professor temporário de uma universidade na época, o vínculo precário impedia Tencatt de coordenar propostas em editais do CNPq, ou mesmo orientar alunos de pós-graduação formalmente, com raras exceções.
Participação dos ribeirinhos da região de Jacareacanga (PA) e Maués (AM) foi essencial para o sucesso da expedição
Willian Ohara
“Isso dificultou muito o angariamento de recursos para as minhas pesquisas, limitando-as a regiões próximas ou por curtos períodos de tempo, as quais eu consegui custear com parte do meu salário. Porém, pesquisas que envolvem coleta de espécimes em locais distantes geralmente são mais longas e mais caras, especialmente na Amazônia”, completa.
Para Tencatt, a pesquisa com esses pequenos peixes amazônicos vai muito além da ciência. Ele espera poder continuar descrevendo possíveis espécies novas, resolvendo problemas taxonômicos e contribuindo para aumentar o conhecimento sobre eles.
“Estudar esses peixes é uma parte indissolúvel de quem eu sou. Através desse trabalho, venho podendo cuidar das pessoas que eu amo e não só contribuir com publicações científicas e trabalhos técnicos, mas, também, participar da formação de jovens adultos nas universidades por onde passei. Gosto de acreditar que eu tenha contribuído de alguma forma para vida dessas pessoas, bem como meus mentores fizeram e fazem por mim até hoje”, finaliza.
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