Dia dos Povos Indígenas: conheça a rotina e a cultura de quem vive na Aldeia Por Fi Ga

Kukrej. A palavra caingangue, cuja pronúncia é Kukrêi e dá nome a uma árvore frutífera, nada mais é do que o nome indígena de Narciso José Antônio, conselheiro da Aldeia Por Fi Ga, no bairro Feitoria, em São Leopoldo.

Em homenagem ao Dia dos Povos Indígenas, comemorado neste sábado (19), a reportagem foi até a aldeia conhecer os detalhes de sua cultura em uma entrevista com Narciso. Trabalho, educação, culinária típica, fé e cuidados com a saúde estiveram entre as temáticas abordadas pelo conselheiro, que conta que a aldeia está de portas abertas para receber visitas escolares durante todo o mês de abril, que é considerado o Mês dos Povos Indígenas – e as escolas também podem receber visitas dos membros da aldeia.

Lideranças da aldeia caingangue também estiveram na escola 25 de Julho, em Novo Hamburgo



Lideranças da aldeia caingangue também estiveram na escola 25 de Julho, em Novo Hamburgo

Foto: Bruna de Bem/GES-Especial

As visitas são agendadas por intermédio da Prefeitura de São Leopoldo. Nas atividades, os estudantes são apresentados à rotina indígena por meio de apresentações, palestras, cantos e amostras de comidas típicas e de artesanato. Em entrevista ao Grupo Sinos, ele conta detalhes sobre a cultura e a rotina da aldeia Por Fi Ga (que tem cerca de 200 moradores) – os mesmos que são apresentados aos alunos.

Autonomia desde cedo

Uma das principais características de aldeias como a Por Fi Ga é o formato de trabalho. De acordo com Narciso, as crianças são ensinadas a desenvolverem sua independência aos poucos, desde cedo. “O indígena trabalha observando seu pai. A gente enfrenta muito isso, na cidade, o pessoal vai para fazer a temporada nas praias e as pessoas pensam que a gente está usando nossas crianças, que é trabalho forçado. Mas na verdade o indígena já está aprendendo a trabalhar a lição da vida observando seu pai, aprendendo a se virar”, explica.

Devido a situações constantes envolvendo denúncias de trabalho infantil ao Conselho Tutelar, uma das maiores reivindicações da aldeia é uma creche. “A gente vive do comércio de artesanatos e isso interfere na vivência dos pais com os filhos, porque a gente não pode tirar a criança da escola para sair com os pais. Inclusive o prefeito e os secretários nos prometeram uma creche aqui dentro”, afirma.

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Narciso conta que, para a comunidade indígena, a autonomia é um traço fundamental, incentivado desde cedo. “Por exemplo, se a criança pega uma faca, os pais não indígenas já dizem ‘vai se cortar’. A gente já ensina a se cuidar, bota para sentar para observar. Tem que dialogar com a criança, contar uma história, ensinar uma cantiga…”

Educação até o 5º ano na aldeia indígena

Na aldeia, está disponível apenas uma escola com educação infantil e anos iniciais, ou seja, do 1º ao 5º ano do ensino fundamental), com aproximadamente 90 crianças. A partir do 6º ano, os alunos estudam em escolas da rede municipal. Há ainda a construção de uma escola estadual, cuja obra está na etapa de terraplanagem.

Há ainda a construção de uma escola estadual, cuja obra está na etapa de terraplanagem. Embora siga a carga horária e a grade curricular definidos pelo Ministério da Educação (MEC), as aulas são conduzidas de forma diferente de uma escola não indígena. “Fora daqui, o professor tem um horário para começar a dar aula e, se um aluno atrasa, perde uma parte da aula. Aqui o professor espera todos chegarem para começar a falar”, afirma.

Aulas na aldeia indígena Por Fi Ga, em São Leopoldo



Aulas na aldeia indígena Por Fi Ga, em São Leopoldo

Foto: Arquivo pessoal

Alimentação e cultura culinária

Embora os pratos típicos indígenas sejam de origem natural, a maior parte de sua alimentação parte de itens superprocessados comprados em supermercados. “A nossa terra não é própria para plantio, então a gente acaba comprando muito em supermercados, inclusive o peixe, porque não tem rio aqui atrás”, relata Narciso. “Inclusive já estamos programando a coleta de verduras típicas antes que o frio acabe matando”, continua.

Conexão com a natureza

Para os membros da Por Fi Ga, a conexão com a natureza faz parte da vida como um todo, desde o tratamento de algumas doenças até a escolha dos nomes (como é o caso de Kukrej). “O meu nome foi inspirado em uma árvore frutífera que é bem forte e resistente, que chama muita atenção. Para escolher um nome, o indígena observa as qualidades da criança e de um animal ou uma árvore, e com aquele nome é batizado o filho. O nome é muito importante porque traz força e muita energia positiva também”, afirma Narciso.

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No caso da saúde, o conselheiro descreve que a natureza está presente em medicamentos naturais, oriundos de folhas de plantas como a Laranjinha e a Maria Preta. “A gente utiliza para casos mais leves, como cólicas menstruais. Quando são casos mais graves, a gente recorre ao posto de saúde da aldeia ou às UPAS (Unidades de Pronto Atendimento)”, diz Narciso.

Membros da aldeia indígena Por Fi Ga mostram sua alimentação



Membros da aldeia indígena Por Fi Ga mostram sua alimentação

Foto: Arquivo pessoal

Fé e religião

Com uma fé baseada em Tupã (o Deus caingangue), o líderes religioso da aldeia é o pajé. “Ele é batizado para ser o líder espiritual da aldeia e quando está para acontecer alguma coisa, ele avisa a aldeia porque o espírito avisou ele, então a comunidade já se prepara observando a lua, o sol, a natureza e o canto dos pássaros”, descreve. Para os caingangues, não existe céu, inferno ou reencarnação, e sim o Numbê. “É um lugar secreto de onde eles não voltam, mas lá eles vivem outra vida”, explica.

Devido à catequização realizada pelos jesuítas no período da colonização portuguesa no século 16, a comunidade indígena também exerce o cristianismo. “Inclusive, temos uma igreja evangélica aqui e eu também faço parte de uma igreja evangélica”, diz Narciso. “Tem muitas crenças que acreditam em São Pedro, São Paulo, Santo Antônio, mas a nossa ainda permanece em Deus, que é o nosso Tupã”, continua.

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