Armínio e seu tempo

Leio nos jornais que Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e um dos maiores banqueiros do país, propõe o congelamento por seis anos do salário mínimo. Segundo ele, o salário mínimo só deveria aumentar ano a ano pela inflação passada e não ter nenhum aumento real como é hoje, já que o reajuste é calculado com base na inflação e no crescimento do PIB.

A razão dessa velha proposta é a de sempre: o déficit publico e sua irmã gêmea, a dívida pública, mais o déficit da Previdência Social. É possível questionar por que Armínio Fraga não propõe outras soluções como a redução ano a ano das despesas tributárias, a renúncia fiscal, que hoje correspondem a 5% do nosso PIB, ou uma Reforma Tributária progressiva, como propôs recentemente o governo do presidente Lula.

Não por ignorância ou desconhecimento, pelo contrário. Trata-se de um experiente economista e agente financeiro, dono da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central.

Sua proposta congela a participação na renda nacional dos salários que a compõem ao lado dos juros, aluguéis e lucros, sendo que por ela avaliamos o padrão de vida dos brasileiros e brasileiras, o nosso desenvolvimento econômico e social e, principalmente, a distribuição da renda nacional que, como sabemos, é uma das mais injustas e desiguais do mundo, com uma alta concentração da renda nos 1% mais ricos, que detêm 25% da renda nacional, e nos 10% mais ricos, com 41% da renda nacional.

Para reduzir a desigualdade, os governos do PT e aliados adotaram políticas de transferência de renda, como o Bolsa Família, o BPC, a LOAS, acesso público e gratuito à saúde e à educação, mas os dois instrumentos mais eficazes são a redistribuição através de impostos e a valorização do salário mínimo. Nossos governos aplicaram o que nossa Constituição de 1988 estabeleceu como princípios básicos para o bem-estar do nosso povo.

Ora, ao propor o congelamento do salário mínimo, Armínio tenta o impossível, que é paralisar o conflito distributivo pelo lado mais fraco: o dos trabalhadores, hoje submetidos à precarização, aos baixos salários e à informalidade, sem falar na superexploração dos trabalhadores de aplicativos, já em luta por melhores condições de trabalho e renda. Com as reformas trabalhista e sindical, mesmo os trabalhadores com carteira de trabalho foram praticamente desarmados na sua capacidade de luta.

Estrutura tributária irracional

Nossa estrutura tributária é irracional desde a cobrança na folha de pagamento das contribuições para a Previdência pública, passando pelas renúncias fiscais e pelo peso maior dos impostos indiretos e regressivos sobre consumo e produção, e não dos impostos diretos progressivos sobre a renda, a propriedade e a riqueza.

Não esquecendo da nunca vista concentração de renda e expropriação da renda do trabalho, e mesmo da produção e prestação de serviços e comércio, pelos altos spreads bancários cobrados e do alto custo do serviço da dívida pública – de 5 a 7% do PIB – pela política imposta pela força do capital financeiro de juros reais, sempre superior duas ou três vezes a média mundial.

É caminho mais fácil para preservar a participação na renda nacional dos juros, lucros e aluguéis mesmo às custas do desenvolvimento nacional, ao inviabilizar um mercado interno capaz de ser um motor do crescimento econômico e dos investimentos com a redução dos juros reais.

A solução é uma ampla reforma tributária e bancária, desconcentrando o setor monopolista que controla as finanças brasileiras, dando ao Estado brasileiro e ao mercado de capitais público e privado condições de financiar o investimento e o consumo.

Erro histórico

Propor sempre uma redução do Estado de Bem-Estar Social, e não uma redistribuição da renda nacional, é não somente uma injustiça social como um erro histórico ao inviabilizar o desenvolvimento nacional.

O principal problema nesse momento histórico do nosso capitalismo é a concentração de renda e a apropriação cada vez maior da renda nacional pelo capital financeiro.

Todo o resto é diversionismo e fuga da questão central, que exige de nós a luta política e social: a luta de classes pela redistribuição da riqueza e da renda nacional, a formação da consciência nacional sobre a origem e a natureza da pobreza e desigualdade, e o impasse nacional da revolução brasileira inacabada.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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