Crianças sem cirurgia: máfia da anestesia travou saúde pública no DF

A fila de espera por cirurgias pediátricas no Distrito Federal, já agravada pela pandemia, pode ter sido prejudicada por outro fator: o monopólio exercido pela Cooperativa dos Médicos Anestesiologistas do DF (Coopanest-DF). Investigações conduzidas pela Polícia Civil indicam que a atuação da cooperativa vai além do setor privado e tem causado um bloqueio sistêmico também na rede pública de saúde.

O caso mais dramático ocorre no Hospital da Criança de Brasília, onde mais de mil procedimentos cirúrgicos foram acumulados por falta de anestesistas. Segundo depoimentos colhidos durante a investigação, a Coopanest impôs condições financeiras inviáveis para que os serviços fossem contratados pelo hospital. As tentativas de contratação por meio de editais públicos fracassaram, e a instituição não conseguiu formar equipe mínima para atender à demanda reprimida.

O ex-presidente do Instituto do Câncer Infantil e Pediatria Especializada (ICIPE), responsável pela gestão do Hospital da Criança, relatou que nenhuma empresa se apresentou nos processos seletivos, mesmo após reuniões com representantes da cooperativa. O motivo, segundo ele, foi claro: a Coopanest desencorajava qualquer acordo que não seguisse os valores praticados por sua própria tabela, cujos preços superam em até sete vezes os parâmetros do mercado nacional.

A situação do Hospital da Criança não é isolada. A própria Secretaria de Saúde do DF enfrentou dificuldades semelhantes para contratar anestesistas para a rede pública. Um levantamento citado na investigação aponta que pelo menos 1.333 cirurgias gerais — 500 delas pediátricas — deixaram de ser realizadas por inviabilidade contratual diante dos valores exigidos pela cooperativa.

Intimidação
Além da pressão econômica, a investigação aponta táticas de intimidação contra médicos que desafiam o monopólio da entidade. Profissionais que prestavam serviços em um hospital particular— outro foco de conflito com a Coopanest — passaram a ser alvos de denúncias anônimas dentro do Hospital da Criança, onde também atuavam. As acusações incluíam falsos relatos de manipulação de escala e abandono de plantões, numa tentativa de desqualificar a atuação desses médicos em múltiplas instituições.

Mensagens enviadas a colegas incluíam ameaças veladas, advertências sobre possíveis prejuízos à carreira e até intimidações envolvendo familiares. Uma das profissionais mencionadas relatou que uma colega foi alertada de que seu filho, recém-formado em medicina, não conseguiria emprego em Brasília, caso ela insistisse em romper com o sistema da cooperativa.

Operação Toque de Midaz
A Operação Toque de Midaz, deflagrada em abril pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do DF, confirmou as suspeitas: a Coopanest-DF é investigada por liderar um cartel com estrutura estável, responsável por monopolizar o mercado de anestesias no DF.

A operação mirou práticas como ameaças, coerção, perseguição profissional, formação de cartel e lavagem de dinheiro. Mandados de busca e apreensão foram cumpridos contra anestesiologistas e dirigentes da cooperativa.

O nome da operação faz referência à ganância atribuída ao grupo, simbolizada pelo “Toque de Midas”, e ao Midazolam — medicamento usado em anestesias —, numa alusão direta ao setor controlado pelo esquema.

Procurada, a Coopanest-DF nega qualquer irregularidade e afirma que atua há mais de 40 anos com base em princípios éticos. A defesa sustenta que os serviços prestados são legítimos e que a cooperativa colabora com os hospitais e profissionais do DF.

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