“Nasci pra ser puta”: mulheres se orgulham de fazer sexo por dinheiro

São Paulo – Nem toda puta é vítima e a prostituição é uma atividade que, como afirmam duas profissionais do sexo e uma pesquisadora, ouvidas pelo Metrópoles, vai além do sexo em troca de dinheiro.

A chamada profissão mais antiga do mundo — não considerada oficialmente uma profissão no Brasil — é encarada por grande parte da população como marginal, até criminosa, e permeada de perigos. Disso decorre o preconceito ao atribuir às profissionais do sexo o status de vítimas da falta de oportunidades e da exploração.

Mas para as prostitutas Aline Lopez, de 31 anos, e Sanny, conhecida como Deusaynas, de 28, ser puta significa liberdade e autonomia. Para chegarem a essa conclusão, porém, ambas também precisaram desconstruir estereótipos.

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Sanny começou na prostituição após perder estágio na Petrobrás

Ela usa redes sociais e plataformas para agendar trabalho
Aline abandonou trabalho como corretora para entrar na prostituição
Ela defende a profissão e sustenta filha de 12 anos
Ela faz atendimentos presenciais e online
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Mulher se sustenta a ajuda família

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Sanny começou na prostituição após perder estágio na Petrobrás

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Ela usa redes sociais e plataformas para agendar trabalho

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Aline abandonou trabalho como corretora para entrar na prostituição

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Ela defende a profissão e sustenta filha de 12 anos

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Ela faz atendimentos presenciais e online

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“Eu sofri bullying quando estava na escola. Comecei cedo meu interesse pelo sexo, mas as pessoas com as quais me relacionava faziam sexo escondido comigo, para ninguém saber que tinham feito algo comigo”, afirmou Aline à reportagem, sobre quando ainda não se prostituía. Ela disse que, por ser de uma família pobre, vestia-se de forma simples, trabalhava e, por isso, era alvo de preconceito dos colegas na escola.

Com a autoestima baixa, ela decidiu, aos 18 anos, entrar em uma sala de bate-papo na internet, em uma época em que não existiam smartphones, e teve a ideia de usar o espaço para anunciar sexo em troca de dinheiro. Na ocasião, ela havia iniciado a carreira como corretora de imóveis, função que manteve por cinco anos.

“Fui conciliando o trabalho de corretora, que dava um bom dinheiro, com os programas que marcava pelo bate-papo, mais por diversão. Mas, sabe quando conhece um bombeiro e fala, esse cara nasceu para ser bombeiro? Então, eu nasci para ser puta”.

Liberdade

Sobre o primeiro programa, feito em um carro, ela disse lembrar mais das sensações, mas de poucos detalhes. “Gostei pra caralho. Foi em 2011, ou 2012, ganhei R$ 100, que na época valia bem mais que hoje”.

O sexo profissional deu liberdade de horário e garantia de bons lucros e, principalmente, contribuiu para Aline conquistar sua autoestima. Atualmente, para ficar uma hora com ela, o cliente precisa desembolsar R$ 300. Após o pagamento, o atendimento é feito em uma sala comercial, alugada no litoral paulista, por Aline e uma amiga. “Fico muito orgulhosa disso”.

O espaço, acrescentou, já foi alvo de uma visita policial, resultando no encaminhamento das sócias à delegacia. “Eles [policiais] não tinham do que nos acusar”, afirmou Aline, ao mencionar o fato de que se prostituir não é considerado crime no Brasil.

A puta, como ela mesma se define, mora e cuida da filha de 12 anos. Ela disse também ser uma ótima professora, porque é formada em Letras — curso feito com bolsa de 100%, decorrente do excelente desempenho dela no Enem.

Puta liberdade

“Puta pra mim significa uma mulher livre, com todas as benesses e responsabilidades que isso implica, porque liberdade sem responsabilidade é devaneio”, afirmou Sanny que, ingressou na prostituição após ser desligada de um estágio na Petrobras, em Macaé, litoral do Rio de Janeiro.

Na ocasião, ela afirmou que, ser puta para ela era encarado de forma “mais reducionista”. “Para mim, na época, era uma mulher que trabalhava com sexo”. Além disso, ela acreditava que o universo da prostituição era dominado pela violência e por perigos.

A experiência adquirida no convívio com clientes, porém, ampliou a visão da profissional, cujo trabalho, inclusive, é sabido pela família, que a apoia.

“Minha visão de que a prostituição era somente uma coisa violenta mudou já em meu primeiro atendimento. O cliente e eu conversamos, falamos sobre o trabalho dele, que ele havia pegado trânsito. Essa e outras conversas me fizeram entender que o cliente também é outra pessoa, que está tão nervoso quando eu. É natural as pessoas ficarem ansiosas. O cliente não é um maníaco sexual, que precisa se aliviar. Ele é uma pessoa do dia a dia, um padeiro, um motorista, um empresário”.

Ela acrescentou existirem casos nos quais os clientes pagam somente para conversar, para não se sentirem sozinhos. Sanny oferece atendimentos presenciais e também por meio da internet, da mesma forma que Aline.

A flexibilidade de horários, acrescentou, contribui para que ela curse biologia, além de francês. “Se estivesse em um trabalho convencional, não teria tempo nem pique para me dedicar a isso”.

Perigos

Ambas as putas ouvidas pelo Metrópoles destacaram que mudaram suas visões sobre a profissão, mas ponderaram que também existem riscos, como em qualquer outra atividade laboral.

No caso da prostituição, por ser um trabalho alvo de preconceito, ambas tomam medidas para evitar eventuais problemas e riscos. A principal estratégia é conversar antes com potenciais clientes, para identificar sinais que possam indicar hipotéticas situações de risco.

“Se falo para um cara que não faço determinado tipo e serviço e ele responde ‘estou pagando’, isso já me faz cancelar na hora qualquer possibilidade de atendimento. Não arrisco, prefiro perder o programa”, disse Sanny.

Nenhuma delas relatou experiências nas quais ficaram em risco, mas sabem de casos ocorridos com outras prostitutas — por conta de serem ligadas a agências ou cafetões.

“Essa nova geração quer ganhar dinheiro, mas sem trabalhar. Aí, as meninas que entram na prostituição deixam pessoas as agenciarem, recebendo parte do pagamento. Aí, não rola comprometimento com a segurança delas, porque o foco é o lucro”, explicou Sanny.

“Putafobia”

A pesquisadora Carol Bonomia afirmou que a “putafobia” é uma coisa muito sutil. Ela resulta do estereótipo de se encarar a puta como vítima. Estudiosa do assunto há dez anos, a especialista afirmou que existem outros atributos dentro do trabalho sexual que não estão ligados ao “ato sexual penetrativo”. “Tem muita coisa com trabalho emocional, com trabalho de cuidado”.

“Quando pergunto para essas pessoas quando elas se consideram vítimas é quando tem alguma violação de direitos humanos, sobretudo algo relacionado à exploração econômica, diferente do que o senso comum acredita”.

Alguns tipos de violação, de acordo com a pesquisadora, são os altos custos da locação de quartos para os programas, em casas de prostituição, ou ainda na hospedagem dos perfis das putas em plataformas de sexo online. “Podemos ainda expandir a exploração com os calotes de clientes, porque [as putas] consideram isso violência”.

Outra forma de violência exemplificada pela especialista é quando profissionais do sexo procuram ajuda institucional. “Isso acontece demais. Elas chegam na polícia e não são ouvidas, por exemplo, mas hostilizadas. Se sofrem violência doméstica, são ajudadas menos ainda. A prostituição deixa o ‘campo livre’ para elas sofrerem qualquer tipo de violência [sem punição dos agressores]”.

“O mundo treme”

Carol Bonomia disse ainda que a prostituição se torna opção de trabalho para mulheres que, em ocupações formais, se veem com pouco tempo para a família e sem condições financeiras e de saúde — física e mental — para seguir em uma profissão tida como “padrão”. “Porque elas permanecem nas prostituição? Muitas, inclusive, têm a possibilidade de ir para outro trabalho mas, muitas vezes, voltam para a prostituição por causa da flexibilidade de horários e pelo ganho [financeiro] do trabalho sexual”.

As redes sociais, pontuou, são uma ferramenta usada por algumas prostitutas para se desvencilharem da ideia de que são vítimas, de que ficam somente nas esquinas de noite.

“O trabalho sexual não é um desvio. Ele é parte do mundo, como ele é. E quem o exerce também produz o mundo. Putas existem apesar do estado, da moral e das teorias que tentam calar suas vozes. Vivem nas bordas, mas não por escolha; é que o centro é pequeno demais para tanta liberdade. Putafobia não é opinião, é a estrutura que exclui, é a norma que violenta, é o medo da autonomia alheia. E quando putas se organizam, pesquisam, amam, cuidam e cobram respeito, o mundo treme”.

Atualmente, Carol produz uma tese de doutorado sobre o tema na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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