O poder da mulher na agricultura brasileira: intelecto, liderança e transformação

Fotos: divulgação

Nas últimas décadas, as mulheres têm ocupado um papel cada vez mais importante não só na agropecuária, mas em todas as instituições. Muito disso vem da colaboração de diversas lideranças, inclusive religiosas, que enalteceram e transformaram a potência feminina em inclusão de cargos majoritariamente masculinos. Isso aconteceu até mesmo na Igreja Católica.

Acabamos de nos despedir do papa Francisco, que deixou um legado forte. Além de ser defensor das pautas ligadas ao meio ambiente, com esforços em busca da mitigação das mudanças climáticas e do combate à fome em direção ao caminho da segurança alimentar no futuro, ele trouxe a valorização da mulher dentro do Vaticano e a aproximação da igreja com temas muito contemporâneos como a diversidade. Após séculos de exclusão, foi ele quem, corajosamente, nomeou mulheres para cargos de poder e decisão na cúpula da Igreja, rompendo tradições de séculos de exclusão e lançando um claro sinal de que a inteligência feminina é essencial para os rumos da humanidade.

  • Veja em primeira mão tudo sobre agricultura, pecuária, economia e previsão do tempo: siga o Canal Rural no Google News!

Com a eleição de um novo papa, não apenas a liderança da Igreja Católica é renovada, mas também a responsabilidade histórica de dar continuidade a um dos maiores avanços institucionais das últimas décadas: o dever moral do mundo de não retroceder. O que foi conquistado precisa ser mantido e ampliado pelo sucessor de Francisco e de todas as outras lideranças do mundo.

Esse mesmo espírito de transformação atravessa fronteiras e se manifesta de forma vigorosa no campo brasileiro. A presença feminina no agronegócio não é mais uma exceção simbólica. É força real, concreta, produtiva e cada vez mais estratégica. São milhares de mulheres que, com preparo técnico, visão de gestão e sensibilidade para o futuro, vêm redesenhando a paisagem do agro nacional. 

Dados do IBGE apontam que mais de 30% dos estabelecimentos rurais do Brasil têm participação direta ou compartilhada de mulheres. Mas o protagonismo feminino vai além dos números: ele se revela na qualidade das decisões, na modernização da gestão, na adoção de tecnologias e no compromisso com a sustentabilidade. No olhar 360° que observa o céu e a terra, vigia os filhos e a lavoura, mistura força com sensibilidade na arte de produzir alimentos, com empatia na gestão. 

Carmem Peres, por exemplo, é símbolo dessa nova era ao unir tradição pecuarista com práticas sustentáveis e planejamento sucessório. Desde seus 22 anos, trabalha com a criação de bezerros, na fazenda Orvalho das Flores, em Barra do Garças (MT). Começou acompanhando seu tio e, com sua já latente obstinação, não permitiu que a família vendesse as terras, seu primeiro desafio ainda jovem. Insatisfeita com o sistema vigente na propriedade – considerado bruto demais por ela à época – assumiu o compromisso de buscar alternativas lucrativas, porém respeitosas para com a vida dos animais.

“Quando eu tinha 22 anos, eu tive o privilégio de ouvir a voz da terra e isso me fez começar um movimento de transformação e de evolução da minha fazenda”, diz ela. Carmem se manteve fiel aos seus princípios e à sua convicção de que era viável ter uma produção baseada no respeito às pessoas, aos animais e à natureza. Sua história virou um filme e documentário indicado para premiações internacionais como o festival britânico Lift-Off Sessions e o Latino and Native American Film Festival.

Michelle Morais transformou a dor da perda do pai, Amilton Morais, em uma sucessão familiar de sucesso na gestão da fazenda CBM em Patos de Minas (MG), que foi muito desacreditada no início. “Somos em quatro mulheres, eu e minhas duas irmãs e minha mãe. Foi um desafio pessoal e profissional. Juntos, tivemos que enfrentar um luto e ao mesmo tempo ficar à frente da fazenda”.

Ela conta que no começo teve muitas dificuldades em provar sua legitimidade perante funcionários e fornecedores, e levou tempo para ganhar a confiança das pessoas. O que há 19 anos foi visto com descrença, hoje é exemplo. Ela e a irmã, Cynthia Morais, introduziram sistemas de integração e alta performance nas atividades de pecuária de corte e silvicultura. Investiram em gestão de pessoas e processos, tecnologia de ponta, além da melhoria no manejo do solo e pastagem. A visão empresarial também criou um forte foco em sustentabilidade e elas se tornaram uma inspiração para novas gerações de mulheres do agro. Desde 2023, são idealizadoras do evento Conexão Mulheres do Agro, para a troca de informações e competências. A terceira edição do evento vai acontecer no dia 23 de agosto, em Patos de Minas.

São milhares de exemplos que podem ser citados, inclusive o de algumas mulheres que entraram para a história do agronegócio, como a Teresa Vendramini, a primeira mulher a presidir a Sociedade Rural Brasileira (SRB) em mais de cem anos, sendo hoje uma das principais vozes do setor. Teka, como é conhecida, começou sua jornada no agronegócio na Fazenda Jacutinga, no interior de São Paulo. Desde jovem, ela se dedicou à pecuária e, com coragem, enfrentou os desafios que surgiram em sua trajetória.

“Para a mulher da minha geração, chegar ao protagonismo exigiu muita coragem e determinação. Muitas vezes, era preciso que o pai ou o marido dessem espaço, ou até mesmo que assumíssemos responsabilidades inesperadamente”, diz ela. Esses espaços já estão preenchidos agora e precisam continuar a crescer em um movimento que enxergue competências além do gênero.

Muitas mulheres ocupam cargos, lideram movimentos, influenciam decisões e provam que o agro moderno passa, necessariamente, por elas. E por trás dessas lideranças estão milhares de outras mulheres anônimas, principalmente da agricultura familiar, que garantem o alimento do país com dignidade, força e sabedoria. São mães, gestoras, técnicas, empreendedoras. São as colunas invisíveis que sustentam o presente e constroem o futuro.

Se o novo papa tem o dever de continuar a abrir portas para as mulheres na Igreja, o Brasil — e especialmente o agronegócio — tem o dever de manter e ampliar o espaço conquistado por essas mulheres que fazem da terra, da gestão e da inovação um campo fértil de liderança.

A mulher no agro não é coadjuvante. É arquiteta do presente e engenheira do futuro. Amém.

O post O poder da mulher na agricultura brasileira: intelecto, liderança e transformação apareceu primeiro em Canal Rural.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.