Viagens da Janja: governo Lula mantém sigilos e nega informações

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Em Moscou, primeira-dama terá agendas com a comunidade brasileira, incluindo encontro com professores de língua portuguesa e alunos na Biblioteca de Literatura Estrangeira. – Foto: Claudio Kbene /PR

As viagens da Janja, primeira-dama do Brasil, voltaram ao centro do debate público após sua ida à Rússia nesta semana. Com agendas culturais paralelas e chegada antecipada em relação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Janja mantém compromissos oficiais financiados com recursos públicos, mas envoltos em sigilo e falta de transparência.

Agenda oculta e antecipação em eventos internacionais

Nesta semana, a comitiva do presidente Lula embarca para Moscou, onde cumpre agenda oficial na sexta-feira (8). A primeira-dama, no entanto, chegou à Rússia no sábado (3) e, desde então, visitou o Kremlin, o Teatro Bolshoi e viu uma peça de balé.

Apesar da agenda da primeira-dama ser divulgada diariamente, os compromissos não foram informados previamente nem detalhados oficialmente.

As viagens da Janja seguem um padrão recorrente de antecipação e envolvimento em agendas paralelas ao presidente. A falta de clareza e o uso de estrutura oficial — como transporte da Força Aérea Brasileira, segurança e assessores — reforçam os questionamentos sobre o custo-benefício e o real interesse público das viagens.

A justificativa do governo federal é que Janja tem papel simbólico e de fomento a ações do Estado. Apesar de não ocupar um cargo oficial, o próprio presidente Lula reconheceu a influência da primeira-dama no governo.

Sigilo de 100 anos em viagens da Janja

Apesar das cobranças por mais transparência, o governo federal tem negado pedidos feitos via Lei de Acesso à Informação (LAI) relacionados às viagens da Janja. Entre os dados protegidos por sigilo estão os valores gastos, os nomes das pessoas que integram as comitivas e até mesmo detalhes de hospedagens e deslocamentos.

O Executivo impõe sigilo de até 100 anos sob a justificativa de proteger “dados pessoais”, mesma argumentação utilizada no governo anterior, que foi criticada pelo então candidato Lula durante a campanha de 2022. Agora, no Planalto, o petista mantém a mesma prática, o que gerou desgaste inclusive entre apoiadores que cobravam uma nova postura em relação à transparência.

Um levantamento do jornal “O Globo”, com base em dados da Controladoria-Geral da União (CGU), mostra que órgãos do governo Lula mantiveram um patamar similar ao de Bolsonaro ao negar informações solicitadas via LAI com a justificativa de que se tratavam de dados pessoais.

Nos dois primeiros anos de mandato, o governo Lula negou 3.244 pedidos de informações via LAI por serem consideradas pessoais (16,1% do total). Na primeira metade do governo Jair Bolsonaro (2019-2020), foram 4.095 pedidos via LAI negados pelo mesmo motivo (18,93% do total).

Além de críticas de opositores e apoiadores, a postura do governo é criticada por organizações dedicadas à fiscalização dos gastos públicos, como as ONG Fiquem Sabendo e a Transparência Internacional. A Fiquem Sabendo afirmou que seus pedidos de informação sobre a primeira-dama do Brasil foram sistematicamente negados. A Transparência Internacional cobrou publicamente a divulgação das informações sobre a agenda da primeira-dama na medida em que ela assume “intensa representação governamental”.

Viagens da Janja geram desgaste para governo

Ao longo de 2023 e 2024, as viagens da Janja incluíram destinos como Japão, Itália e França, geralmente com chegada antecipada em relação ao presidente Lula. Em fevereiro de 2024, sua ida a Roma para o evento do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA) custou cerca de R$ 260 mil aos cofres públicos. Na ocasião, a equipe que a acompanhou não teve os nomes divulgados no Diário Oficial.

Em março de 2025, Janja foi ao Japão para uma série de encontros culturais. A agenda oficial só foi tornada pública após pressões da imprensa e de parlamentares da oposição. Ainda assim, informações completas sobre a comitiva, valores e objetivos da viagem seguem sob sigilo.

Em uma das viagens da Janja, para o Japão, a primeira-dama chegou antes do presidente da República sem agenda divulgada – Foto: Ricardo Stuckert / PR

Transparência seletiva

O governo tenta justificar as viagens da Janja como parte de uma “diplomacia cultural”, com foco em direitos sociais e promoção da imagem do Brasil no exterior. Contudo, a ausência de prestação de contas e a insistência em manter sigilo de longa duração têm fragilizado o discurso de transparência adotado durante a campanha de 2022.

Entidades da sociedade civil, como o Instituto Não Aceito Corrupção, alertam que a falta de clareza sobre os gastos públicos mina a confiança nas instituições e abre brechas para abusos. Parlamentares de oposição já articulam a convocação de ministros para explicar os critérios adotados nas viagens e o porquê do sigilo.

CGU publica normas para viagens da Janja

Diante da pressão por maior transparência nas viagens da Janja, a CGU elaborou medidas administrativas e legislativas para regrar a agenda internacional da primeira-dama.

AGU reconhece papel público da primeira-dama

Após uma das viagens da Janja, dessa vez ao Japão, o governo precisou dar nova resposta quanto à agenda da primeira-dama. Assim, a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu um parecer técnico reconhecendo que a figura do cônjuge do presidente possui papel público e simbólico relevante. O parecer, emitido em abril de 2025, recomenda que informações sobre as viagens da Janja sejam tornadas públicas no Portal da Transparência.

Sigilo de 15 anos

Em setembro de 2024, publicou a Portaria Normativa nº 176, com novas regras sobre o sigilo de informações públicas. A medida estabelece que, na ausência de prazo definido por lei, o sigilo não poderá exceder 15 anos e que qualquer restrição deverá ser periodicamente reavaliada.

Projeto de Lei na Casa Civil

A aplicação generalizada do sigilo de cem anos causa pressão política no governo e, assim, a CGU também enviou à Casa Civil um projeto de lei sobre o tema.

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Ministro da CGU (Controladoria-Geral da União), Vinicius de Carvalho – Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

A proposta estabelece sigilo limitado para dados pessoais, como prontuários médicos do SUS, que deverão se tornar públicos 5 anos depois da morte da pessoa.

Quanto aos cargos públicos de interesse, a liberação de informações, inclusive pessoais, dependerá do preenchimento de um formulário. Se o órgão em questão negar o pedido, o requerente poderá solicitar uma revisão por parte da CGU.

Apesar das mudanças, o projeto de lei de autoria da CGU mantém brechas para a intervenção do governo. Além disso, especificamente sobre a primeira-dama, as viagens da Janja não serão afetadas por esse projeto, visto que ela não ocupa um cargo oficial do governo. O projeto ainda está em análise na Casa Civil e, depois, deve seguir para a avaliação do Congresso Nacional.

 

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