Delator detalhou esquema que foi embrião da fraude bilionária no INSS

Em meio ao que se tornaria uma das maiores fraudes já registradas contra aposentados do INSS, uma investigação iniciada no Distrito Federal revelou, com anos de antecedência, os mecanismos internos usados para drenar bilhões de reais de beneficiários. À época longe dos holofotes, a apuração conduzida pelo Ministério Público do DF (MPDFT) e a Polícia Civil (PCDF) identificou um sistema de falsificação de documentos, uso de empresas de fachada e simulação de autorizações de desconto em massa, articulado por dirigentes da Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer).

O marco inicial foi um Procedimento Investigatório Criminal (PIC) instaurado ainda em 2021. As provas reunidas pelo MPDFT incluíram depoimentos impactantes, documentos manipulados e a participação de empresas contratadas para simular legalidade em uma estrutura claramente fraudulenta. Um dos pontos principais da apuração foi o papel de delatores que decidiram colaborar com as autoridades mesmo diante de ameaças.

Um dos depoimentos mais relevantes veio de um ex-funcionário da empresa Premiar Recursos Humanos, que detalhou o funcionamento da engrenagem de falsificação. Ele afirmou que a Premiar, subcontratada pela Target Pesquisa de Mercado — por sua vez contratada pela Conafer —, operava diretamente na adulteração de documentos em PDF.

A rotina envolvia a criação artificial de fichas de filiação, com inserção digital de dados pessoais, datas, assinaturas falsas e outras manipulações. As fichas eram então apresentadas como se tivessem sido preenchidas voluntariamente por aposentados que, em muitos casos, sequer sabiam da existência da Conafer.

O delator relatou, ainda, que foi ameaçado pelo então presidente da confederação, Carlos Roberto Ferreira Lopes, após ter deixado a função.

Em 10 de junho de 2021, o então procurador da Premiar, compareceu espontaneamente à Coordenação de Repressão aos Crimes Contra o Consumidor, a Ordem Tributária e a Fraudes (Corf/PCDF). Em seu depoimento, ele confirmou que a empresa participou do processo de coleta de documentos e apontou a relação com a Target e a Conafer.

O relato serviu para conectar os pontos da triangulação empresarial: a Conafer contratava a Target com justificativa de formalizar filiações, mas a execução real era feita por uma empresa sem sede operacional, com endereços fantasmas e foco exclusivo na produção de documentos falsos.

Estrutura mínima, lucro máximo
A reportagem esteve na sede da Conafer, no Setor Comercial Sul, em Brasília. A fachada escondia uma estrutura que operava com poucos funcionários, mas movimentava dezenas de milhões de reais. A atendente, ao ser questionada sobre descontos indevidos, demonstrou desconforto e limitou-se a indicar um e-mail para contato.

8 imagens

1 de 8

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

2 de 8

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

3 de 8

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

4 de 8

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

5 de 8

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

6 de 8

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

7 de 8

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

8 de 8

BRENO ESAKI/METRÓPOLES @BrenoEsakiFoto

Documentos levantados pelo MPDFT mostram que, durante o auge das fraudes, Carlos Roberto Ferreira Lopes e seu irmão, Tiago Lopes, abriram empresas com capital social milionário e adquiriram patrimônio incompatível com suas rendas.

O embrião ignorado
Apesar de todos os elementos reunidos no Distrito Federal desde 2021, o esquema só ganharia repercussão nacional anos depois, quando o Metrópoles revelou a escalada de entidades autorizadas a descontar dos benefícios do INSS. A denúncia resultou na Operação Sem Desconto e na queda da cúpula do INSS.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.