Desde 2022, 70 paraguaios foram libertados de trabalho análogo à escravidão em 4 fábricas de cigarro clandestinas do bicheiro Adilsinho


Responsável pelo recrutamento é o paraguaio Francisco Ojeda Gomez, o Nico, que está foragido. Ele prometia emprego de pedreiro em São Paulo, com salário de R$ 5 mil, mas trabalhadores tinham os olhos vendados, celulares tomados, e eram levados para o Rio de Janeiro. PF e Ministério do Trabalho entram em fábrica clandestina de cigarro, em Caxias, em 2023
Desde 2022, 70 trabalhadores paraguaios foram resgatados, em condições análogas à escravidão, de quatro fábricas clandestinas de cigarro no Rio de Janeiro em operações das polícias Civil, Federal, e do Ministério Público do Trabalho.
As ações possibilitaram que a PF desse início às investigações que levaram à operação Libertatis 2 e apontasse o esquema criminoso da máfia do cigarro no estado, comandada por Adilson Oliveira Coutinho Filho, o Adilsinho.
De acordo com as investigações, o criminoso mudou o mercado clandestino do cigarro no Rio porque, em vez de seguir contrabandistas que traziam o produto do Paraguai, a quadrilha de Adilsinho passou a produzir a mercadoria em larga escala, em diferentes fábricas, em todo o país.
Era no Paraguai que a quadrilha buscava a mão-de-obra ilegal e os insumos para a produção dos cigarros.
Recrutamento
Segundo o inquérito, o responsável por isso é Francisco Ojeda Gomez, conhecido como Nico.
Em depoimentos aos quais o g1 teve acesso, Nico é descrito como um homem alto e branco, morador de Ciudad del Este e responsável pelo recrutamento dos paraguaios na cidade onde mora e em Hernandarias, que fazem fronteira com o Brasil.
De acordo com a Polícia Federal, Nico atua no recrutamento de paraguaios desde 2022. Ele é investigado por tráfico de pessoas.
Nas abordagens pessoais ou por aplicativos de mensagens, Nico buscava operários em situação de vulnerabilidade social: sem contato familiar e que tenham ficado desempregados durante a pandemia de Covid-19.
Ainda segundo as investigações, Nico dava preferência para aqueles que possuíam experiência na fabricação de cigarros, como é o caso dos trabalhadores resgatados na fábrica de Caxias em 2023. A maior parte das 19 vítimas de tráfico de pessoas trabalhou na Tabacalera Del Este S/A – Tabade ou na Tabacalera Hernandarias S/A.
Rota de paraguaios escravizados pela máfia do cigarro
Arte/g1
A PF também já tem comprovada a atuação de Nico no recrutamento dos 23 paraguaios que vieram para a fábrica localizada na Avenida Mayapan, também em Duque de Caxias. Sua participação nas fábricas na Fazenda do Pilão, em Paty do Alferes, e em Vigário Geral ainda é investigada.
Nenhuma das fábricas possui autorização da Anvisa ou da Vigilância Sanitária estadual para funcionar.
Promessa de salários de até R$ 5 mil
Segundo a polícia, para convencer os paraguaios a vir para o Brasil, Nico prometia um emprego de pedreiro em São Paulo com salário mensal que variava entre R$ 3 mil e R$ 5 mil. A quantia seria depositada em favor da família ou quitada quando o trabalhador retornasse para casa.
Para isso, eles deveriam atravessar a fronteira fugindo da imigração. Já do lado brasileiro, eles eram colocados em uma van e seguiam até a capital paulista. Pouco antes da chegada a São Paulo, eles eram encapuzados ou tinham os olhos vendados e os telefones celulares eram recolhidos.
Em depoimento ao Ministério Público do Trabalho, um dos paraguaios disse que recebeu R$ 5 mil ainda na van no caminho para São Paulo:
“O entrevistado deduziu que estava em São Paulo quando ouviu o motorista da van conversar no telefone com terceiros; que em São Paulo houve troca de van e também foram retirados seus telefones, bem como foi colocado um capuz na sua cabeça, impossibilitando sua visão; que a pessoa que fez a troca da van estava armada, mas não encapuzada; que a pessoa que estava armada e fazendo a troca dos trabalhadores de van mandou todos baixarem a cabeça, por isso não consegue descrever suas características físicas; que essa pessoa falava português”, diz a denúncia.
Relatos semelhantes foram feitos por outras 18 vítimas. Todas diziam que trabalhavam 12 horas por dia, inclusive sábados e domingos, e que os alojamentos não tinham janelas e, pelo menos, um segurança armado e de máscara impedia que eles deixassem o local.
Em nenhum dos contatos Nico mencionou para os paraguaios que eles trabalhariam em fábricas clandestinas de cigarro no Brasil.
De acordo com a Polícia Federal, o cenário é semelhante nas outras três fábricas encontradas. Todas elas pertenceriam ao grupo de Adilsinho, segundo as investigações.
Polícia aponta o bicheiro Adilsinho como chefe da máfia do cigarro
Reprodução
As quatro fábricas descobertas no RJ:
2022 – Fábrica na Avenida Mayapan, Duque de Caxias – 23 paraguaios
2023 – Fábrica na Estrada de São Lourenço, em Duque de Caxias – 19 paraguaios
2024 – Fazenda Pilão, Paty de Alferes – 6 paraguaios
2025 – Vigário Geral – 22 paraguaios
O que dizem os citados
A defesa de Francisco Ojeda Gomez não foi encontrada para comentar o assunto.
O advogado de Adilsinho alegou que o cliente afirma ser inocente e, por isso, permanece foragido.
“Em relação aos fatos imputados a Adilson Oliveira Coutinho Filho, reitera o investigado a sua inocência, estando por essa razão foragido, para diante da ampla defesa e o contraditório esclarecer os fatos no Poder Judiciário. Reitera que na hipótese de cumprimento dos mandados judiciais pendentes, jamais se oporá ao seu cumprimento, para responder as acusações pendentes de esclarecimento”, diz a nota.
Libertatis 2
A operação Libertatis 2 foi deflagrada em 27 de março de 2025. Na ocasião, 12 pessoas foram presas. Nico não foi encontrado e segue foragido. Adilsinho também é procurado pela polícia.
A Justiça Federal expediu 21 mandados de prisão preventiva, 26 mandados de busca e apreensão e 12 mandados de medida cautelar no Rio de Janeiro e no Espírito Santo.
A investigação é resultado de um trabalho integrado entre a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e o Comitê de Inteligência Financeira e Recuperação de Ativos (CIFRA) – órgão integrante da SEPOL/PCERJ – e da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP/MJSP), que contou com o apoio da Receita Federal.
Para o Ministério Público Federal (MPF), as ramificações da quadrilha refletem “a existência de sofisticada rede logística” para a manutenção do negócio ilícito:
“Na medida em que o trânsito dos trabalhadores e do maquinário para e pelo Brasil requer alto grau de planejamento operacional e investimento financeiro, para permitir a adequada destinação desses recursos humanos e materiais, além, é claro, de sua gerência e manutenção nas fábricas clandestinas de cigarros. Isso tudo ainda exige, por tabela, uma teia de movimentação oficiosa de dinheiro, que possui tanto origem como destino ilícitos”.
PF prende 12 em operação contra grupo que falsifica cigarro com uso de trabalho análogo à escravidão
Adicionar aos favoritos o Link permanente.