A OAB-SP mancha uma bela tradição ao limitar entrevistas de advogados

Durante a ditadura, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) teve um papel corajoso ao denunciar as arbitrariedades e os horrores perpetrados pelo regime. Ela foi importante também para o processo de redemocratização do país e para a confecção da nova Constituição Federal. A OAB esteve, ainda, à frente de todas as grandes batalhas em prol do direito constitucional à liberdade de expressão.

Essa bela tradição foi manchada, na semana passada, por uma decisão do tribunal de ética e disciplina da seção paulista da OAB que limita entrevistas de advogados. A decisão é, literalmente, a seguinte:

“É vedado ao advogado responder com habitualidade consultas sobre matéria jurídica, nos meios de comunicação social, ainda que o faça como membro de Comissão da OAB. A presença habitual de advogados em programas de rádio, representará aos demais advogados que não tiveram a mesma oportunidade, despropositada promoção pessoal, desaguando na concorrência desleal, captação indevida de causas e clientes, maculando os preceitos éticos e estatutários vigentes.”

Há uma vírgula depois de “programas de rádio” que separa o sujeito do verbo, bem como outra inoportuna antes do predicativo do sujeito “despropositada promoção pessoal”, mas a gramática, aqui, é de somenos.

Não conheço ninguém que escolha advogado pelo número de entrevistas que ele dá a jornais, sites ou emissoras de rádio e de televisão (a decisão da OAB-SP cita especificamente programas de rádio, mas vale para todos os meios de comunicação: faltou revisor também nisso). Em geral, o que ocorre é o contrário: o advogado que se sobressai na sua área de atuação, que tem muito sucesso nas causas em que atua, é que é chamado a dar entrevistas e a emitir opiniões na imprensa.

É natural e salutar que jornalistas ouçam especialistas sobre o tema da reportagem que estão fazendo. Isso ocorre comumente, por exemplo, em matérias sobre medicina e saúde. Médicos são instados a esclarecer ou dar a sua opinião sobre determinados remédios e tratamentos porque já se tornaram referência no assunto graças à sua atuação profissional. Eles não se tornam referência por causa das entrevistas, embora estas reforcem — com justiça, na maioria das vezes — a fama de que gozam entre os seus pares e clientes.

Há uma diferença, no entanto, entre advogados e médicos. O destaque dado a advogados também se deve à sua atuação política, o que não é nada ilegítimo, a menos que se queira criminalizar a política e cancelar a realidade, não apenas brasileira, que faz do direito uma extensão, quando não o cerne, do debate ideológico. Veja-se o caso do Prerrogativas, composto, basicamente, por petistas. O grupo vive na imprensa, e seria absurdo proibir os seus integrantes de dar entrevistas, por mais enviesados que sejam os seus pontos de vista.

Na minha opinião, e espero que eu ainda possa dar opiniões livremente, pelo menos algumas, é pelo lado da ideologia que se pode entender a decisão da OAB-SP de limitar o número de entrevistas dadas por advogados (aliás, qual seria objetivamente esse limite?).

A seção paulista da ordem conta, agora, com uma diretoria de esquerda, e a esquerda não prima pelo amor ao que lhe é divergente. É caso de perguntar se, a pretexto de preservar um ambiente de concorrência equânime, de se ater a preceitos deontológicos, não se quer, na verdade, calar o crescente número de advogados mais à direita que ousa criticar o estado geral das coisas no Brasil, principalmente no que diz respeito à liberdade de expressão, objeto de tantas restrições impostas pelos salvadores da democracia. Não é assim que se constrói um país. Não é assim que se faz jus à história da Ordem dos Advogados do Brasil.

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